terça-feira, 29 de julho de 2008

Nossos irmãos quenianos


Existe uma aldeia no Quênia em que correr e competir faz parte da cultura do povo. Eles correm desde crianças, vão para a escola correndo e é dali que saem todos os campeões de maratonas e olimpíadas mundo afora. Ali eles correm, mas no resto do país se anda muito. Especialmente em Nairobi, é visível a dificuldade que as pessoas têm de se locomover. Transporte coletivo é caro e deficiente para o povo local, que enfrenta longas filas para ônibus e matatus - que seriam as nossas vans - muito utilizadas nos grandes centros.


Como em Nairobi, vimos visitas de turmas escolares em Nakuru, onde o parque fica literalmente ao lado da cidade. Assim se tenta aproximar as crianças dos animais que o país luta para preservar e tentar criar desde cedo uma consciência ecológica, que eles esperam que as crianças passem para os pais. A necessidade e a tentação de ceder à caça ilegal é grande. Para combatê-la, o KWS, o equivalente local ao nosso Ibama, é uma organização para-militar.


Mesmo não estando lá como convidados do país, tivemos direito a uma palestra que explicou todo o funcionamento e o esforço voltado para a preservação do meio-ambiente, tarefa especialmente difícil por conta da carência da própria população e a dos países vizinhos. Existe uma parceria de treinamento com bombeiros brasileiros para o combate a incêndios nas matas, que evoluiu para a compra de equipamentos brasileiros. Muitos funcionários e dirigentes de parques nacionais no Quênia conhecem os parques brasileiros e nos receberam com simpatia extra por conta disso. É claro que não se conhece um país apenas visitando e lendo sobre ele. Jornalistas devem se policiar para não tirar conclusões rápidas do que conhecem superficialmente, especialmente em terra alheia, mas pude ver uma organização muito eficiente cuidando da vida selvagem, já que é grande fonte de renda do país, junto com as exportações de chá, café e de flores. O chá inglês é em grande parte queniano. E como os portugueses foram os primeiros brancos a chegar no Quênia, traços da cultura e o tempero nas mesas quenianas nos fizeram sentir em casa.
No Parque Nacional do Lago Nakuru, onde uma das maiores colônias mundiais de flamingos convive com animais tão selvagens quanto hienas e rinocerontes, ouvi a história do recente ataque de um guarda-parque por leoas. Mortes assim nos parques não são raras, embora eles andem armados e bem equipados. É uma vida dura, mas todos falam com muito orgulho do trabalho que fazem.


Nosso motorista e guia se recusava a acreditar que o Brasil é um país de maioria católica. Dizia que não era possível, que católicos são só os ricos. O povo deveria ser muçulmano, ele me dizia. Chamava nossa atenção a quantidade de quenianos que encontrei querendo vir para o Brasil, e nosso contato era com pessoas que tinham emprego, mas sonhavam fugir dos baixos salários. Visitantes brasileiros ainda são relativamente raros por lá. Acostumados a grupos de europeus, que parecem mais numerosos até que os americanos, a pergunta que eu mais ouvia era se no Brasil só existia a monogamia ou permitiam vários casamentos simultâneos. Talvez achassem que se viessem para cá ficariam ricos e poderiam sustentar várias mulheres. Eu não entendia essa curiosidade – e talvez fosse melhor mesmo não tentar entender – mas ri muito com isso por lá.

Na arca de Noé, onde não cabem todos, craques da pesada e memória de elefante


Um parque onde se pode ver um rinoceronte vagando tranquilo embaixo de um pé de acácia, com os edifícios do centro da cidade ao fundo, a uma distância de apenas sete quilômetros, mesmo na África não é comum.
A 20 minutos do centro de uma das maiores cidades da África tropical, os quase cento e vinte quilômetros quadrados do Parque Nacional de Nairobi abrigam uma centena de espécies de mamíferos, incluindo quatro dos chamados “big five” da fauna terrestre. Entre permanentes e migratórias, são quinhentas espécies de aves. O parque só não é grande o suficiente para manadas de elefantes, embora bebês possam ser vistos lá. Num dos mais bem sucedidos santuários para rinocerontes negros, os visitantes encontram zebras, girafas, gazelas, búfalos, babuínos, avestruzes e muitos antílopes, mesmo assim o orfanatos de elefantes é sem dúvida o ponto alto do parque. É para lá que vão os elefantes órfãos de mães abatidas por caçadores ilegais. E de lá são distribuídos pelos vastos parques do Quênia, quando já podem se virar sozinhos.


A hora da mamada tem sempre platéia garantida.


O jogo de futebol das crianças tem que ser de cobertor. Faz frio em Nairobi, em torno de doze graus em julho.



Visitas não faltam. As escolas aproveitam a proximidade com a cidade para levar crianças que, de outra maneira, não teriam como ver os animais que deslumbram os turistas. A maior parte da população queniana não tem carro nem dinheiro para visitar os parques.


Ouvimos da diretora do orfanato uma história inacreditável: um guarda- parque, em um dos maiores parques do Quênia, foi perseguido por um elefante, um comportamento totalmente gratuito e inesperado. Quando ele se aproximou, passou a tromba ao redor do pescoço dele, num gesto de carinho. Só depois que soube de onde esse elefante tinha vindo ele se deu conta de que tinha sido sua “babá” no orfanato de Nairobi, quarenta anos atrás. Elefantes realmente nunca esquecem. Sabem identificar cada indivíduo. São muito mais humanos que nós, segundo Daphne Sheldrick, a viúva do fundador do orfanato, que desenvolveu uma fórmula especial de leite com côco e cereais para as mamadeiras. Um bebê elefante de menos de dois anos morre se ficar por mais de 24 horas sem leite.
Mas a história mais surpreendente que pude testemunhar lá foi a de um rinoceronte criado no orfanato. Rinocerontes são muito perigosos. Esse tem catarata e não enxerga quase nada, mas fica solto na mata e volta para sua jaula, no orfanato onde foi criado, todos os dias, no horário das refeições.


sábado, 19 de julho de 2008

Uma montanha em movimento


Em torno das cinco da tarde, num perfeito passe de mágica, gigantesca, ela aparece. É que nessa época, no meio do ano, vive envolta em densa névoa a montanha mais alta da África. Tão alta que fica na Tanzânia, país vizinho, mas pode ser avistada do Quênia, já que o parque fica na fronteira.
De manhã bem cedinho às vezes é possível vê-la, com seu topo coberto de neve, as célebres neves do Kilimanjaro, que viraram livro e filme, e estão ameaçadas de desaparecer com o aquecimento do planeta.

Depois, ela desparece. Vira um mistério, que só se desvenda no final da tarde. Ao fundo, só os elefantes, que ficam no "quintal de casa", podendo ser vistos do quarto do hotel (e clicando, para ampliar a foto...) O Amboseli, talvez o mais bonitos entre os mais de cinqüenta parques e reservas que o Kenya Wildlife Service tem sob sua adminstração, é o preferido pela diversidade e a proximidade dos animais. Mas nada disso é tão impressionante, imponente e emocionante quanto a montanha que surge no horizonte daquela vasta planície ao entardecer. O parque todo é dominado por sua visão magnífica. O Amboseli não desfruta apenas da sua paisagem. A neve do topo da montanha quando derrete forma lençóis subterrâneos e garante a relva verdinha onde pastam elefantes, leões, leopardos, gazelas, zebras, gnus, búfalos, girafas, avestruzes e pássaros tão bonitos quanto o grou coroado.


Ampliando a foto, é possível ver um tracinho branco à direita do guerreiro masai, logo acima da camada mais baixa de nuvens. São as neves do Kilimanjaro, no topo da montanha invisível.


Até que volta a aparecer, para a alegria de todos, e todos viram fotógrafos...


Já tinha conseguido vê-la pela janela do avião, sobrevoando a Tanzânia a caminho de Nairobi, uma aparição rara num dia especialmente claro.

terça-feira, 15 de julho de 2008

No mato, sem cachorro


Meu “quarto” num hotel de acampamento na reserva Masai Mara, no Quênia, tinha um teto de madeira, um chão de cimento, um banheiro “de verdade”, e uma barraca de lona acoplada a ele. Era bonito, e ficar num lugar assim pode parecer coisa de turista ou criança querendo brincar de aventura. Mas quando você ouve o barulho do rio que passa em frente, o movimento dos bichos que vem beber água à noite, o ruído dos galhos das árvores roçando na barraca com o vento, começa a fazer um pouco de sentido, dá para perceber a diferença entre um hotel tradicional e dá até para sentir um pouco de medo. As camas tem mosquiteiro, a iluminação é fraca, sua “porta” é um zíper, sem chave. O clima está garantido, e até um pouco mais do que o clima. O guia que te leva da entrada do hotel até a barraca recomenda que o zíper fique fechado. No terceiro dia eu já estava acostumada com a vida ali e cansada de tanto abrir e fechar o zíper a cada vez que passava, só encostei a lona quando entrei. Estava arrumando minha mala quando vi duas mãozinhas pretas abrindo a barraca. Logo depois, uma cara preta, e os pelos brancos do macaco vervet. Fiz um gesto para espantá-lo. Nada. Gritei para ele sair, ele continuou a me encarar e estudar o que via em volta. Bati na mala, fazendo um barulho de tambor. Ele continuava lá. Além de assustada, me senti ridícula, mas mesmo assim apelei: out, out! – vai que ele entendia inglês...?
Tive que me armar de coragem e partir para cima dele antes que entrasse completamente na barraca, e só quando cheguei bem perto, ele desistiu e saiu. Na manhã seguinte, quando contei para o motorista africano o aperto que passei, ele riu e me disse: não adianta você gritar, ele não vai embora, ele não tem medo dos brancos, só tem medo de nós. Achei que era conversa fiada, mas a explicação do Peter era tão absurda como convincente:
“Os brancos não jogam pedras neles, eles sabem que só nós jogamos...”



As Artes da África






No Quênia...a seta até tenta seguir a convenção internacional, mas não chega a conseguir completamente. Já o desenho, é pura singeleza e bom gosto, que a arte africana se faz sentir e admirar em cada detalhe, nos mais simples lugares.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Toiret

Toalete é uma palavra de origem francesa, mas por justiça deveria ser japonesa, tal o cuidado dos japoneses com o insólito tema tratado aqui, mas o contato é imediato, impossível não reparar o grau de diferença. O Japão é um país muito limpo e até nisso é curioso, já que latas de lixo são pouco encontradas nas ruas. Existem, é claro, mas não nas proporções ocidentais. Em terra de povo recatado e comedido, não se come na rua, na rua quase não se produz lixo. Tudo é privado e reservado (dispensando aqui qualquer trocadilho).
Até entre quatro paredes você pode se sentir um analfabeto no Japão. Os desenhos às vezes ajudam, mas gesticular, nem sempre. Gestos partem de códigos pré-estabelecidos, e no Japão só poderiam ser diferentes também. Na primeira terma pública em que entrei, colecionei gafes. O Japão é um arquipélago de ilhas vulcâncias. Em muitos hotéis por onde passei, havia termas, banhos maravilhosos em piscinas quentes, quase fervendo, algumas com “cadeiras longas” de azulejos e jatos de hidromassagens. Todas coletivas, apenas com divisão entre homens e mulheres. Ficam abertas durante toda a noite, geralmente fecham apenas entre 9 da manhã e meio dia, para limpeza. Em todas, eu era a única ocidental. Na entrada dos “onsen”, os chinelos devem ser deixados na antesala.  Descobri quando uma japonesa saiu correndo atrás de mim, agitando os braços. A toalha não pode entrar na sala de banho e vapor, nem para enrolar os cabelos, como eu pretendia. Ali, a japonesa apontava para baixo, insistentemente, o que me fez jogar a toalha na piscina quente. Aí ela botou as mãos na cabeça! Depois entendi, só se entra com um paninho, que serve para esfregar o corpo. A chave do armário onde ficam nossas roupas,  levamos presa no pulso. Impossível fotografar por motivos óbvios, mas quase todas tem um enorme balcão com lugares individuais como nesse banheiro de hotel, e em cada um, tudo que é necessário para um banho, que se toma sentada num banquinho. Depois de se ensaboar e enxaguar com um chuveiro de mão, vamos às piscinas! Não falo só de banheiros em bons hotéis. Viajei metade do Japão de carro. Banheiros de beira de estrada eram um capítulo à parte.O capricho era igual, até nos mais simples, sempre com flores naturais, mesmo tendo uma garrafa de plástico como vaso de flores. Neste, havia um apoio para bengala.Instruções para o uso do vaso sanitário são fundamentais, porque ele só falta falar. Você escolhe a direção e a temperatura da água no chuveirinho-bidê embutido no vaso, e do ar para secar que substitui a toalha.   Aqui, com controle remoto.Para a banheira, novas instruções.
Mesmo em Tóquio, ainda encontrei muitos banheiros orientais, aqueles que são só um buraco no chão. Devem fazer bem para os músculos das pernas, mas são um desconforto só, difícil de entender, quanto mais de se acostumar. Em banheiros assim,aprendi a entrar sempre na ultima cabine, é o lugarzinho que reservam a um bem vindo vaso sanitário ocidental.

No hotel em Nagoya, um hotel executivo que fica dentro do aeroporto, o banheiro se dividia em três partes. Não era um hotel de luxo, mas era um luxo: o que seria o box era literalmente uma sala inteira de banho. As malas podem e devem ser mesmo compactas nas viagens pelo Japão. Em hotéis de vários níveis encontrei sempre quimonos e chinelos e todo o aparato de higiene. Em viagens de trem, o tempo em que param nas estações mal dá para entrar no vagão, sem chance para carregar muita bagagem. Com a tralha de filmagem que carregamos, entrar no trem em poucos segundos vira uma operação de guerra. Se estiver muito carrregada, melhor despachar. Despacha-se tudo, nos próprios hotéis, para o próximo hotel e, geralmente transportada pelo Gato Preto, no dia seguinte sua bagagem estará esperando por você sem a menor chance de extravio, que japonês não pode errar... 

sábado, 5 de julho de 2008

Welcome!


Na China, o cumprimento para os ocidentais era sempre good morning, a qualquer hora do dia ou da noite. No Japão, os tradutores ouvem muito e traduzem pouco. A desproporção é intrigante, mas ao traduzir, naturalmente resumem, aplicando o filtro das diferenças culturais. O pagamento de uma compra simples gera uma gentil ladainha que diz o seguinte: estou recebendo uma nota de tanto. Você quer pagar isto com esta nota de tanto? Aqui está tanto de troco, muito obrigado. Numa loja, paguei uma blusa e esperei pela sacola. Então percebi que o vendedor levaria a pequena sacola até a porta da loja, quando agradeceria e se despediria, desejando um bom dia. À entrada de cada cliente em qualquer loja japonesa, numa incessante cantoria, todos os vendedores dizem ao mesmo tempo: alô, seja bem-vindo, estamos à disposição, etc, e continuam fazendo o que estão fazendo. Mesuras e salamaleques orientais.

Neste hotel em Utoro, no alto de uma colina à beira-mar na ilha de Hokkaido, norte do Japão, todos andavam de quimono e chinelos pelos longos corredores atapetados. Chinelinhos são artigo de primeira necessidade, encontrados em qualquer quarto de hotel, especialmente nos mais simples. No tatame só se pisa descalço, chinelos só na entrada do quarto. E para o banheiro da suite, outro chinelo diferente. Nos quartos, armário com quimonos de vários tamanhos, à escolha do hóspede. A neve lá fora e as dimensões do hotel, fora da estação, lembravam muito o filme “O Iluminado”. Felizmente, sem o Jack Nicholson por perto.



O salão de jantar era uma praça de alimentação. Mais cantoria e alvoroço quando chegávamos nós, os ocidentais. O simples pedido de uma colher tirava todos da rotina, e imediatamente traziam quatro tipos e tamanhos de colher para escolhermos. Elas existem, mas eles não fazem idéia da finalidade que daremos para ela, já que a sopa se toma levando a tigelinha à boca.

Uma televisão sem audiência. Noite fria chegando, uma aconchegante biblioteca, nem um livro que não fosse em japonês...