sexta-feira, 30 de março de 2007

Parem as máquinas...


Tive a glória de trabalhar, mesmo ao apagar das luzes, no Correio da Manhã, um dos maiores jornais que esse país já teve. Eu não tinha ainda a dimensão do que acontecia na época, recém-saída de um pacato colégio em Petrópolis. Lembro que cobri a prova do meu próprio vestibular de jornalismo, para a UFRJ, e que todos na redação eram quase paternais comigo, incluindo o diretor, Reynaldo Jardim, que assumiu o jornal - que definhava por conta da ditadura militar - numa tentativa de ressuscitá-lo.
Mesmo não sendo o jornal combativo que havia sido no passado, ficou tudo tão vivo que as pessoas se esbarravam, eram tantas que faziam fila para uma máquina de escrever – havia máquinas de escrever, e rotativas. Nunca ouvi, mas achava que ali seria possível gritar: Parem as máquinas!
Durou menos de dois anos essa experiência, e já é raro ter notícias das pessoas com quem trabalhei lá, mas há algum tempo vi publicada no Jornal do Brasil a poesia que copio abaixo. Gostei tanto que guardei, e lembrei de toda a vida que corria naquela redação, hoje trancada e morta, quase em ruínas, há algumas décadas, e para sempre.

PULSANTE CORAÇÃO


Sobre a mesa de mármore,
naturalmente frio, palpitando
repousa um coração exumado da
tumba, pois mesmo depois do
corpo ser oficialmente
declarado morto, teimava em prosseguir em
sua faina cadenciada a anunciar,
pelas pancadas surdas,
que assim latejante,
continuaria em sua ensandecida
litania a anunciar
a imortalidade do amor.
Tudo bem que assim fosse, não
fosse que, dia a dia, as pancadas
se tornassem mais graves
e mais altas
e mais perturbadoras, roubando
a tranqüilidade da rua, da urbe,
do subúrbio insone, das pessoas
ímpias e desconhecedoras
de que nada
pode amordaçar
um coração amante.

Reynaldo Jardim

quarta-feira, 28 de março de 2007

A Cartomante

Não é só um mapa astral.
Uma cartomante também acaba vindo com o tempo.
E se for uma inusitada criatura, com uma rala cabeleira ruiva, muitos quilos a mais, melhor ainda.
Velas, copos d’água, pedras, cristais - tudo em cima - em volta da mesa.
Mesmo que o aparato pudesse sugerir um cenário produzido, ela passava muita sinceridade, até porque cobra muito pouco e não tentou me explorar em nada.
Não me disse muita coisa, nem precisava, de tão inesperado o pouco que me afirmou. Quando falava na vida sentimental, lá vinha a carta de um urso – era um amigo que ia me aparecer na vida. Saí de lá com a falência de meu casamento decretada, a notícia de uma futura amante do meu marido, e um amigo urso (que tinha um passado, era certo, mas ela jurava que era melhor do que eu pensava, e ia se regenerar). O mais inesperado, no entanto, foi ouvir, junto com palavras estimulantes, diante do meu espanto e desconfiança, a história da vida dela: foi casada por muitos anos, como atestava uma foto da noiva e um homem de farda num porta-retratos, mas me confessou que, feliz de verdade, ela foi só por alguns meses, com um amante que era bem gordo, feio, pobre e também casado. Lembrei logo da história de um amigo, que, visitando uma prima no interior de Minas, perguntou se ela estava feliz. A prima, que havia se casado há alguns anos, pensou um pouquinho e respondeu bem à mineira: “para dizer a verdade, uma boa gargalhada, nunca mais eu dei...”.
Talvez esse amante improvável tenha feito com que a minha cartomante tivesse dado boas gargalhadas.
Eu não devia me desesperar, ela me disse. A vida é mesmo muito surpreendente.

sábado, 24 de março de 2007

Teclado


Por mais de trinta anos, o Superhomem obscureceu Clark Kent. Isso pode mudar agora. O trabalho dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein mostra ao Clark Kent que o reporter não precisa se esconder num canto de depósito e surgir com um espalhafatoso uniforme. Ele pode manter o seu terno e travar sua luta por verdade e justiça com um singelo teclado no lugar de seus intergaláticos superpoderes.
(Introdução do livro Superman - Serial to Cereal, de Gary Grossman. Popular Library, New York, April 1976)

sexta-feira, 23 de março de 2007

Modesta - e restrita - defesa das elites...


Achado numa pasta com velhos guardados de família, um exemplar da "Revista dos Ferroviários", de Abril de 1928, "Órgão dos Ferroviários, Portuários,Marítimos, e das Classes Laboriosas, em Geral".
Na capa, uma foto e a legenda: "Snr. Ministro Augusto Olympio Viveiros de Castro. Primeiro Presidente do Conselho Nacional do Trabalho". Era o homenageado do número, conforme o texto a seguir, intitulado "VULTOS QUE PASSAM..."
"A Revista dos Ferroviários presta, hoje, uma merecida homenagem ao eminente brasileiro que foi o Sr.Ministro Augusto Olympio Viveiros de Castro, antigo juiz da nossa Suprema Côrte e primeiro presidente do Conselho Nacional do Trabalho.
Mas, o que torna aquelle consagrado jurisconsulto e inesquecível extincto, particularmente credor da nossa imperecível gratidão, é o seu carinho sempre manifestado pela sorte das classes trabalhadoras e o muito que corajosamente fez pelo solucionamento da questão social entre nós.
Numa época em que muitos se encastellavam numa reserva commodista em face das reivindicações proletárias, preferindo parecer ignorar a actualidade do problema que ellas encerram, o Ministro Viveiros de Castro, fazia, no Congresso Jurídico Commemorativo do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, a affirmação de que compete aos jurisconsultos o dever de julgar com absoluta imparcialidade o programma socialista, indicando as reclamações que deveriam ser atendidas.
Espírito eminentemente prático, o grande brasileiro não quis se limitar a affirmações vagas, e, como presidente da Secção de Direito Industrial e Legislação Operária daquelle Congresso scientífico, resolveu, desde logo, encarar de frente a questão, apresentando um relatório e conclusões, que foram aprovadas e representam entre nós um grande passo em favor das justas pretensões das classes obreiras.
Basta considerar que se preconisou a necessidade da prohibição no "Código de Trabalho" das cláusulas immóveis, deshumanas e injustas nos contractos de trabalho; condemnou-se o "truck system", pelo qual os operários recebem cartões ou fichas para comprar mercadorias em armazens annexos às fábricas; considerou-se imprescindível a creação de Juntas Industriaes, compostas de egual número de representantes de patrões e operários, sob a presidencia de um representante do Governo, como meio mais efficaz de prevenir os conflictos entre o Capital e o Trabalho (...) fixar o salário mínimo, determinar o número de horas de trabalho normal(...)e regular o trabalho noturmo.
Mas, não foi só (...) Quanto ao trabalho feminino, o ministro Viveiros de Castro não hesitou em reconhecer que se devia garantir o emprego e o salário ao serviço, no último mês de gravidez, e até seis semanas depois do parto, ou em consequencia de moléstia resultante da gravidez ou do parto.
Esta ligeira resenha bastaria para demonstrar que o nosso homenageado foi um dos brasileiros que mais mereceram das classes trabalhadoras se proventura os seus serviços, o seu carinho pelos humildes, a sua solicitude, como Juiz, e como homem, em amparar os opprimidos e as pretensões justas, já não houvessem gravado o seu nome indelevelmente no coração dos operários, como um dos que mais fizeram em prol dos seus direitos e reivindicações (...)" Elite e classe dominante são coisas bem diferentes, podem estar até muito distantes uma da outra. O homenageado acima era meu bisavô paterno, e dá nome a uma rua em Copacabana. O outro bisavô, que por pouco não faz esquina com ele, foi Lauro Sodré, governador do Pará, eleito e reeleito. Difícil saber se realmente governou bem, mesmo que que a documentação que eu tenha seja muito favorável, mas sei dizer que nenhum dos dois deixou fortuna, e que morreram muito prestigiados. Eram outros tempos. Viver do salário e pensar nas classes menos favorecidas parecia que não era pecado, então.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Picadeiro - praga ou chaga


Caetano Veloso disse que a gente não sabe nunca mesmo o que é que quer uma mulher. Embora admire o talento, costumo discordar dele, mas aí pode até ter alguma razão. Se os homens têm mais músculos no corpo e as mulheres têm mais água, pode ser que a lua exerça uma influência maior sobre esse nosso sexo. Teríamos marés. Variamos com as fases da lua, os hormônios, as aparências (somos muito infelizes em dias de cabelo feio). Alguma explicação há de haver, tenho certeza que a ciência um dia descobrirá e nos redimirá de tudo.
Mas muito mais difícil do que saber o que quer uma mulher, é saber o que realmente quer um homem que quer muitas mulheres, por exemplo.
Pode haver muita diversão e arte na vida desses seres, mas como devem também ter uma vida mais trabalhosa do que seus pares menos diversificados no amor, eu descartaria como motivação para o seu comportamento apenas a busca incessante do prazer. Não pode ser só isso: mulheres podem ser maravilhosas, mas também bastante complicadas, às vezes dão trabalho. Acho que não compensaria. É preciso sempre fingir um pouco, representar um pouco... Bom, quem sabe essa poderia ser uma explicação: vocação para as artes cênicas (ou seriam mais para cínicas essas artes?)
Ao longo da vida, entre colegas ou amigos, pude ouvir alguns se queixarem tanto do excesso de oferta feminina quanto dos excessos femininos - aí a propaganda definitivamente é a alma do negócio - mesmo sutil e mascarada, é arma sempre utilizada, mesmo que pareça a esmo.
O que os move? Amor demais? Juízo de menos? Coração forte ou fraco?
Fico intrigada. Claro, não teriam sucesso se não fossem sedutores, o que explica pelo menos parte do interesse que despertam. Também se não fossem, as mulheres nem lhes dirigiriam a palavra.
“Perturbadores de tranqüilidade”, como podem ser vistos aos olhos da lei, existiram ao longo da história, mas para quem, como eu, não consegue decidir rápido se deve dobrar à esquerda ou à direita, gostar de ter um leque de opções sempre à mão é coisa mais do que misteriosa, dolorosa até.
O que querem eles, na verdade, com tantas mulheres? Acabar com elas? Acabar sem elas? Só dormir com elas? Preferem, aliás, só isso? Procuram alguém de Marte? Certeza mesmo, acho que só uma: gostam muito de futebol, provavelmente mais do que da pessoa que têm ao lado no momento, por isso fugir deles costuma ser o primeiro mandamento entre mulheres inteligentes e sensatas. Contudo, é difícil acreditar que eles não contem com a conivência feminina. Mulheres costumam acabar como vítimas, mas desconfio que elas fazem vista grossa e tenham participação ativa no sucesso dos intentos desses seres, como resultado da grande mudança que o comportamento feminino sofreu nas últimas décadas, para o nosso bem e para o nosso mal.
Sei que eles podem espalhar muito sofrimento e isso não tem nenhuma graça, mas olhando de uma certa distância, essa categoria pode ser vista até com humor. Acho mesmo que nem sempre merecem o julgamento negativo que recebem. Às vezes seu empenho chega a ser comovente. É certo que manipulam a carência feminina, mas não seriam eles carentes também, querendo aprender alguma coisa com as mulheres? Inseguros, precisam de aferição constante sobre sua pessoa e desempenho. Tanto que estão sempre buscando uma segunda opinião.
Perdidos, correm sempre para dar a mão para alguém.
Quem sabe estarão apenas fazendo o bem, generosos e pouco criteriosos que são, uma espécie de cruzados da era contemporânea, destemidos defensores da macheza em sua mais pura essência?
Mas muito preocupados com quem está a seu lado ou à sua frente, não parecem ser, não.
Bom, e as mulheres?
Antigamente, quando "se perdiam", estavam perdidas para sempre. Hoje, ficam só menos felizes, para sempre ou não. Muitas vezes seguem procurando, tontas, onde é muito improvável que achem o que procuram.
Se não se casaram, querem um dia se casar. Mesmo com incertas intenções. Querer casar, afinal, nem sempre pode ser considerado louvável. Não querer pode ser até um gesto nobre em determinadas circunstâncias.
Mas se o seu intuito não é sempre o sagrado dever de constituir família, continuam sendo ligeiramente malvistas. Mas aprenderam a não ligar muito para isso.
O que eu acho que as mulheres ainda não consquistaram mesmo foi o sendo de humor. Será que já aprenderam a rir o suficiente, deles e de si mesmas? Porque diante de alguns papéis e em muitas situações na vida, rir continua sendo – mesmo que depois de algum choro, ou de juntar os cacos - o melhor remédio.

Cinco Estrelas ou O Mundo em Guerra

Aqui, pensei em escrever o que gostaria de ler, mas não lembro de ter lido. Será que é porque não se diz?
Ou o que se diz não se escreve? E o que se escreve não se faz? E o que se faz não se discute?
E se quando a gente chegar até onde quis avançar a Estátua da Liberdade já não estiver mais lá, como no planeta daquele filme dos macacos sábios?
Só converso sobre casamento com quem tem mais de trinta anos no ramo. Só o tempo permite a justa medida da dor e delícia de ficar casado por muito tempo. Vale o esforço?
Sabemos, sem precisar de dados oficiais, que casamentos duram cada vez menos. Isso faz com que pessoas que, entra década, sai década, continuam casadas, sejam olhadas com a curiosidade que desperta o que é excêntrico ou raro, e muitas vezes até com a condescendência e a superioridade de quem se acha menos conservador ou mais sincero consigo mesmo. O homem é definitivamente um animal que critica (e não é muito chegado à autocrítica, também). Já vi um monte de conselhos, teorias e regras para manter ou salvar casamentos, mas não seria o caso de se pensar primeiro nas pessoas envolvidas, antes de pensar no sucesso da instituição? Vida é muito pessoal, deveria ser olhada mais pessoalmente...
Muita coisa mudou nos últimos tempos, e quase tudo veio na contramão do casamento.
E já que a cada nova pesquisa científica encolhe a lista de espécies tidas como monogâmicas entre os animais - até os pombinhos caíram por terra, ou se libertaram, dependendo do ponto de vista - e que a paixão nada mais é do que mero impulso reprodutor, é caso de perguntar: o esforço de se fazer adotar a monogamia entre a espécie humana foi digno de louvor ou de pena?
Para não seguirmos as mesmas leis que regem nossos parentes irracionais, o homem entrou com algumas melhorias, afinal, estamos um passinho à frente deles. Mas será que não pagamos um preço alto demais, comprometendo tão radicalmente o nosso inegável e irreprimível desejo de liberdade e alegria?
“Prisão de cinco estrelas”, definição de casamento do ator Yves Montand.
Um casamento de longa duração passa por tantas fases, que é na verdade vários casamentos diferentes. Às vezes um deles não dá certo, o que não desmerece ninguém. Louvável é conseguir o caminho para chegar a bom porto, seja ele qual for.
Casamentos resistem e/ou acabam pelos mais variados motivos. Perder é do jogo, e não seria tão doloroso se não fosse o excesso de vaidade, orgulho, exercício de poder, dominação e medo da perda, mesmo que a gente não se dê conta. Rejeição ou culpa não seriam agravadas por intransigência, rigidez, orgulho, vaidade, posse? Muitas vezes, são atitudes muito mais convencionais do que naturais.
Seria essa uma atitude fria, onde não caberia frieza? Mas que dose de romantismo reside em um padrão de casamento?
Resumindo: amar é viver na corda bamba, sempre. É preciso estar atento e forte, é preciso muito engenho e arte, é preciso suar a camisa. Inércia não cabe aqui.
Assim como a felicidade, o amor precisa de vento sem parar. Alguém tratou disso com mais beleza e propriedade do que Vinícius de Morais?
Com a própria vida, Vinícius mostrou que o amor está mais para efêmero do que para eterno...
Mesmo assim, existe sentimento melhor no mundo?
Só que não é igual para todos, ou não é sempre para todo o sempre. Como conciliar nosso ocidente com o oriente?
Marte, Vênus, Terra, a nossa cultura e mais a força da natureza?
Viver é um mistério e é também a chave do mistério.