segunda-feira, 26 de abril de 2010

A chapelaria e seu manequim


Na esquina da Praça Santos Dumont com a Rua dos Oitis, rua onde eu morei quando era criança, tinha uma chapelaria com vários manequins na vitrine, que só poderiam mesmo atrair, intrigar e assustar uma menina de cinco anos. Com o tempo, a chapelaria fechou, já que ninguém usava mais chapéus, os manequins se foram – não teriam lugar onde hoje é o Braseiro da Gávea.
Quase vinte anos mais tarde, o apartamento da minha mãe foi desalugado e precisava ser limpo para os novos inquilinos, e lá fui eu lá, sabendo que tinham saído e deixado muita coisa para trás, tinha que resolver o que fazer com o que deixaram. Quando abri a porta, dei de cara com um dos meus velhos conhecidos da chapelaria. Levei para casa e convivo com ele até hoje - não é sempre que a gente tem a surpresa de esbarrar com um pedaço inesperado da infância...

domingo, 25 de abril de 2010

Memórias de uma foca


Um colega de trabalho, me ouvindo contar que eu havia começado a carreira no Correio da Manhã, me chamou num canto e disse: você não devia dizer isso, vão achar que você é muito antiga! Hoje eu até sou, mas isso foi há muitos anos. Não sei qual era o problema dele, mas sugeria que eu escondesse o meu orgulho de ter trabalhado, mesmo ao apagar das luzes, no que eu considero o jornal mais importante desse país! Mesmo não vivendo mais os seus dias gloriosos, aquela redação tinha história...
Depois de publicar um histórico editorial, Niomar Moniz Sodré Bittencourt, editora e dona do jornal, quando a ditadura se instalou, precisou fugir pela porta dos fundos, enquanto uma repórter, que eu depois conheci ali, saía disfarçada de D. Niomar em seu carro, enganando o cerco já armado para prendê-la. Dali seguiu para Paris, onde se auto-exilou. Ela havia assumido o jornal depois da morte do marido, Paulo Bittencourt, em 1963. Participou ativa e vergonhosamente da campanha contra o presidente João Goulart para imediatamente se colocar contra a ditadura, e com isso entregar o jornal, falido e boicotado, ao triste destino que teve.
Isso eu ouvi e leio agora, mas já cheguei na “nova” fase. As histórias que se ouvia ali eram outras, era uma redação festiva e nada ortodoxa pelo que se contava. Eu passava ao largo, trabalhava muito, mas minha turma era mais da faculdade do que da redação. Quando entrei, ele já era regido pelos irmãos Alencar (Mário, Maurício e Marcello), que por conta da novela “Irmãos Coragem” passaram logo a ser conhecidos como “Irmãos Bobagem”, embora não me conste que fossem nada bobos. O dinheiro para manter o jornal, diziam, vinha do Ministério dos Transportes, que tinha à frente o Ministro Mario Andreazza, e tudo leva a crer que sim, pela cobertura que o jornal dava a cada estrada inaugurada.
Fui parar no jornal levada por uma prima da minha mãe que era casada com um dos editores. Tinha feito dezessete anos e ao contrário do meu ex-colega já da tv, não tenho medo das contas que possam fazer, estava inscrita no vestibular da ECO, Escola de Comunicação da UFRJ, que ficava a poucas quadras dali.
Se no começo eu tinha medo das ruas do centro da cidade, que achava estreitas e escuras, logo fiz daquele pedaço ao lado do SAARA, o comércio judeu e árabe, o meu paraíso, e era vítima apenas da própria timidez e formalidade. No primeiro dia, com vergonha de perguntar a pessoas que eu ainda não tinha conhecia – onde se almoçava por ali, atravessei a enorme Avenida Chile, para comer no Bob’s do Largo da Carioca. Logo descobri que repórter sem boca não se cria, e que havia um enorme restaurante “bandejão” no andar de cima do prédio, e era ali que todos comiam. Além de uma comida barata e bem razoável, o cardápio me divertiu, com suas opções de “Filé à Franceza, Filé à Brasileira, Filé à Venida”, certamente em homenagem à Avenida Gomes Freire que até hoje abriga o velho prédio.
Não virei uma jornalista como os que eu imaginava ser quando pus um pé na profissão. Mas também, a gente vê hoje cada papel de quem é figurão, e esses, eu nunca quis, não. Em um país que até hoje está engatinhando na área de respeito ao indivíduo e ao patrimônio público, e que não viu nascer durante sua colonização a admiração e o respeito pela força de trabalho, os profissionais da mídia não poderiam ter, como ainda não tem, vida fácil.
P.S.: foca, para quem não sabe, é jornalista novato, calouro. Não sei porque, só sei que se não fica logo esperta, vira comida de tubarão.

* a foto acima foi uma surpresa engraçada. Saiu no Jornal do Brasil, que era famoso pela qualidade e criatividade de suas fotografias. Numa entrevista coletiva, eu estava ao lado do cardeal Dom Eugênio Sales, tão pia e compenetrada, vestida de preto e branco, que devem ter achado que eu ficava bem na foto.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Muito prazer


Adoro comida, isso determina escolhas pessoais e até escolhas políticas: voto sempre pensando em comida para todos. Há quem discuta controle de natalidade, eu não vou até aí, só consigo pensar que é básico e sagrado o direito, para todos os que nascem, de comer.
Tive todos os apelidos ligados à minha condição de magreza acentuada na infância e adolescência – Olivia Palito, Biafra, eles foram sendo atualizados pela vida afora. O mais antigo que lembro era Pinóquio, porque além de muito magra, tinha nariz grande. Crianças são cruéis com as outras, mas não eu não ligava muito pra nenhum deles.
Talvez adivinhasse que um dia os quilos chegariam, e parte deles não parte mesmo, não adianta. Depois de três crises na lombar, abandonei o pilates. Resolvi pegar mais leve, para recentemente (re)descobrir que além de aquariana sou mesmo aquática – praia e piscina são o meu meio. E talvez só para me consolar, penso que ao cabo de algumas décadas, magreza artificial nem sempre cai bem.
Tenho contra mim o fato de ter passado a vida colecionando, além de apelidos, receitas culinárias. Estou há anos afastada da cozinha de casa, mas gosto é gosto, tenho outra na mira, onde as receitas e os apetrechos culinários hão de ficar mais à vontade. Modesta e minimalista, discretamente, ando mesmo determinada a cuidar dos meus prazeres. E não deixando de lado um olhar profissional, sempre pensei que se um dia não conseguisse mais nenhum emprego, iria cozinhar pra fora e ser feliz. Os sonhos, mesmo que se queira só sonhos, nos relaxam. Bom, eu só relaxo porque eles, mesmo devagar, me empurram para a realidade com que eu sonho, mas não importa, relaxar e aceitar os limites que a vida nos impõe são conselhos que eu pretendo adotar como lema. Deus me ouça.