terça-feira, 15 de maio de 2012

Eça

Caí há pouco tempo na armadilha de (re) ver um capítulo de Os Maias, a melhor coisa que a Globo já produziu na minha modesta opinião. Não vejo novelas, a última que vi foi Gabriela - há décadas - que não por acaso partia também de um bom e sólido texto. Nem por isso pretendo conferir a nova versão, mas passei a preferir o curto capítulo de Os Maias, que o canal Viva exibiu até outro dia, a qualquer outro programa. Para quem não viu, existe o DVD, mas não contém a versão completa que se viu na tela, por isso me empenhei tanto em ver até o fim. Quando a série estreou, peguei o livro durante um fim de semana inteiro e não desgrudei até terminar. Acho que nem uma produção mais medíocre conseguiria apagar o esplendor do Eça: riqueza, beleza, orgulho, preconceito, amor, paixão, frivolidade, leviandade, idealismo, cinismo, esperteza, dignidade e rigidez, histerismo religioso, ganância, amizade, o ser humano no seu melhor e no seu pior, está tudo retratado ali. Fatalidade aparecia para encobrir pecados justamente condenáveis. O atraso e a hipocrisia da sociedade de Lisboa, a desigualdade entre as classes - não havia castas como na Índia, e nem precisava... As convenções acima de tudo, o casamento – não a felicidade, o real afeto, não a harmonia da família, mas a defesa da família para preservar a riqueza. O casamento, o sacramento, a religião católica imperando como se ainda na Inquisição, a divisão esquizofrênica a que o catolicismo nos conduziu, a culpa, o peso da culpa. Mais devassidão e dissimulação do que culpa, afinal, não dá para sufocar o tempo todo a humanidade, mas a culpa, sempre ela, lá. E a exclusão, ainda mais presente. A nobreza ciente de sua supremacia, os serviçais servis, a superior autoridade masculina, clara e aceita. Só perdia para a força do dinheiro, essa, maior do que tudo desde que o mundo se organizou assim. Ufa, caminhamos, um passinho à frente o mundo deu. Mesmo assim, essa triste herança conseguiu estender seu peso até os nossos dias, aos meus dias, pelo menos. O longo, belo e trágico romance termina como uma ode à amizade, e assim não erra. É mesmo na amizade que o mundo consegue um pouco mais de igualdade e harmonia, acho que é nela que se encontra até com mais frequência o sentimento de fraternidade.