sábado, 1 de novembro de 2008

Nada de novo na frente ocidental


Mesmo que muito do que vejo e leio me desagrade, sou jornalista, preciso me informar e acompanhar o trabalho dos meus colegas.
Tento passar o mais ao largo possível de histórias tristes, deprimentes e/ou escabrosas, em que o fato de saber ou não o que está acontecendo não vai ajudar a ninguém, nem fazer o mundo melhor.
Se um homem caiu num poço na Flórida, isso interessa a quem é próximo dele, aos bombeiros, aos bombeiros da cidade vizinha se tiverem mais recursos, a quem puder ajudar, e certamente quem é especializado sabe onde procurar ajuda, não é preciso botar nenhum anúncio no jornal, e angustiar o mundo inteiro. Não tenho necessidade nem intenção de sofrer além da minha cota.
Mesmo assim, elas nos entram pelos olhos e ouvidos e pior do que elas, porque mais próximas de nós, reações e opiniões, em sua maioria, decepcionantes também.
Tudo o que soube sobre o mais retumbante seqüestro trágico da vez ou da hora, soube pela televisão ou pela imprensa:
- uma menina de quinze anos namorava, desde os doze anos de idade, um tosco ignorante que se achava o dono dela a ponto de acabar por matá-la.
- a polícia que tentou - e não conseguiu - negociar não era a polícia adequada, depois se questionou até o seu direito de estar lá.
- várias emissoras de televisão entrevistaram o seqüestrador enquanto ele tinha armas e vítimas em seu poder. Um infeliz desequilibrado e perigoso, como provou ser, se sentindo cada vez mais senhor e dono da situação, centro das atenções, a mercê de comentários e perguntas de pessoas que não sabem e nem tem que saber como lidar com pessoas nessa situação.
- uma vítima de 15 anos sai e volta ao cativeiro.
- Vi em algum lugar uma faixa com a frase: as autoridades dialogam com um seqüestrador mas não dialogam com a polícia. A polícia civil estava em greve, greve reprimida por outros policiais, militares. Ouvi até que a idéia no momento era tirar a atenção das chocantes imagens de polícia enfrentando polícia, mas isso deve ser fruto da imaginação fértil da oposição ao governo, no caso o de São Paulo. O Brasil tem lugares que parecem o fim do quinto mundo, mas esse era bem perto da capital de São Paulo, onde existe um povo (com as exceções de praxe) que se acha. Bom, aí, cada um que ache o que quiser.
- li hoje uma nota de um colunista de tv, em tom de crítica, mas que acabava por amenizar a cobertura, dizendo que os tablóides ingleses pagariam qualquer coisa, em dinheiro vivo, por uma entrevista com algum envolvido na história. Gostaria de saber se a polícia de qualquer lugar do segundo mundo que fosse, deixaria de isolar não só a área mas qualquer comunicação com o seqüestrador que não fosse a de quem deveria negociar. Essa observação o jornalista da nota não fez.
A mídia então passou a cuidar da ficha policial do pai da menina morta. Não valia nada, parece. Não li nada sobre a aparência do sequestrador, visivelmente espancado, logo depois de preso.
Apenas mais um assassino, e uma menina pobre, de periferia, que não inspiram maior solidariedade fora dos holofotes. Morreu outra da mesma idade, bem perto dali, também assassinada pelo namorado. Quem lembra o nome dela?


Acabei de rever ontem o filme A Primeira Página (The Front Page, Billy Wilder, com a atuação dos sempre magníficos Jack Lemmon e Walter Matthau), e o momento em que a minha profissão consegue ficar melhor na foto é com a frase “minha filha, case-se com um coveiro, com qualquer um, mas não se case com um jornalista”. Isso era em Chicago, nos anos 20.
Ainda hoje, não vivem atropelando qualquer resquício de bom senso, decência ou humanidade ao dar ou cumprir uma ordem? Nem sempre é só pelo salário – e eu compreendo muito bem que um salário justifique escolhas que não faríamos se não fosse por ele, especialmente em um país com tão pouco respeito pelo trabalho alheio.

Ouço que se uma emissora não faz, a outra faz e leva a tão preciosa audiência, como se isso fosse lei divina, sem o menor questionamento da causa a que isso serve. Por que que é que as pessoas querem ver isso? Querem sentir emoções que não sentem na própria vida? Querem ver alguma coisa mais trágica do que a própria realidade para se sentirem menos infelizes? Falta imaginação ou cultura para procurar coisa melhor? Seja o que for, a explicação, e a culpa, me parece que vão bater direitinho onde a maioria dos que dão as cartas não quer que se chegue.
Notícias de lugar nenhum. Longe de nós, é apenas circo, não é vida real. Mesmo a discussão do processo, quando acontece, é distante, quase abstrata. E assim vamos ficando um pouco mais insensíveis, com o passar do tempo. Faz sentido.

5 comentários:

isabella saes disse...

Vanda, se é que as suas perguntas têm respostas... Acho que faltam sim, imaginação e cultura. Mas, acho que o que está mais em falta atualmente, na humanidade, é o bom senso, a ética, o respeito ao próximo, o saber onde termina o seu e começa o do outro. Sem isso, cara amiga blogueira, vc sabe bem, não vamos a lugar nenhum... Quanto à nossa profissão, também ando descontente com o que leio e com a postura de certos jornalistas, muitos deles dando uma de Dustin Hoffman em "O quarto poder"... Uma pena... Bj, Bella.

isabella saes disse...

Milton Coelho da Graça

Celular em cemitério é avanço social?, 24/10

"Para onde mesmo o progresso está nos levando? Durante cinco dias, a maioria da população brasileira acompanhou com ansiedade a tragédia da jovem Eloá, embora seja possível usar também a palavra ‘prazer’ porque seria ilógico que o ser humano ligasse voluntariamente a televisão em busca de ‘desprazer’. Milhões de espectadores puderam testemunhar o processo de loucura de um suposto enamorado, culminando com erros absurdos dos policiais especializados nesse tipo de crise, dois tiros mortais na adolescente, satisfação nacional pela distribuição de vários órgãos para transplantes e, finalmente, um enterro acompanhado por multidão, em que centenas de pessoas não se esqueceram de levar o celular para fotografar e tornar inesquecível aquele momento.

Companheiros nossos, jornalistas como nós, fizeram no rádio e na televisão um brilhante trabalho, procurando refletir ou até reforçar a carga de emoção de cada episódio. Mas tenho uma dúvida: será que todos nos orgulhamos de nossa profissão naqueles momentos, todos nós gostaríamos também de estar ali em Santo André naqueles gloriosos momentos de sucessivos recordes de audiência?

Busquei um antigo mestre americano de comunicação, Neil Postman (1931-2003), autor do livro inestimável – ‘Amusing ourselves to death’ (‘Estamos nos divertindo até a morte’, para evitar o duplo sentido na alternativa ‘Divertindo-nos até a morte’). A advertência do livro que teimamos em não ouvir é a de que a tecnologia dos meios de comunicação – especialmente na TV – não leva necessariamente a uma sociedade melhor, mas apenas a um furor obsessivo por diversão.

‘O problema’ – afirma Postman em seu livro – ‘não é que a televisão nos apresente temas de entretenimento, mas todos os temas sejam tratados como entretenimento.’ ... ‘Os noticiários de TV não têm a intenção de sugerir que qualquer matéria tenha outras implicações, pois isso exigiria que os espectadores continuassem a pensar sobre o tema quando a matéria terminasse, e isso atrapalhasse a atenção para a próxima matéria...’

Sou menos pessimista. Acredito que a expressão ‘tempo é dinheiro’ seja mais verdadeira na TV do que em qualquer outra atividade, ainda assim a informação na TV pode ser a janela para a curiosidade e o desejo de maior conhecimento, como nos mostra o trabalho jornalístico de várias emissoras (inclusive comerciais) de outros países e, aqui no Brasil, programas da Globo News, da própria Globo, Bandeirantes, TV Brasil e outras.

Vamos deixar que a previsão de Postman sobre nos divertirmos até a morte (e, antes, assistindo enterros como mostrou a cobertura da tragédia de Eloá)? Ou ainda podemos fazer algo e tornar a televisão e o rádio instrumentos de avanço cultural e cívico da sociedade? Acho que sim, mas precisamos que nossas entidades sindicais se preocupem com esses temas, que lutem por um competente e atuante Conselho Nacional de Comunicação, por uma defesa da profissão não só corporativa, mas como porta-voz do conjunto da sociedade.

Escrevi um outro artigo sobre o tema para o jornal Diário da Manhã, Goiânia, ww.dm.com.br

(*) Milton Coelho da Graça, 78, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e Resistência), das revistas Realidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste Comunique-se."

vanda viveiros de castro disse...

Bella, contente não seria a palavra adequada aqui, mas é bom ver que não somos poucos. Concordo que é preciso regulamentar muita coisa, é assim que se evolui, e não gritando que qualquer tentativa nesse sentido é censura e cerceamento da liberdade de expressão. Por quanto tempo ainda teremos que ver os disparates que temos visto?

Anônimo disse...

Vanda, na minha opinião faltou preocupação com a ética por parte dos jornalistas de televisão nesta cobertura e despreparo das autoridades para lidar com o caso. A polícia devia manter o sigilo para garantir a incolumidade dos envolvidos e o bom exito da operação. Uma lástima dupla, demonstração de atraso e pouco caso.
Quanto ao sequestro ter acontecido em São Paulo, não me parece simpático que isto se torne mais uma das muitas questões que exaltam a eterna disputa entre São Paulo e Rio.
bjs
Assimina

vanda viveiros de castro disse...

Querida Assimina,
Nem que fosse pela nossa amizade, e pelos amigos paulistas de que realmente gosto, evitaria a colocação muito justamente classificada de antipática.
Explico: onde escrevi (equivocadamente, me penitencio de joelhos!) a palavra povo - pensei em autoridades e chefia, num estado em que o acesso a uma melhor formação é sem dúvida muito maior do que em regiões mais remotas e menos favorecidas. E acho que você terá que concordar comigo que o orgulho paulista por sua propria grandeza é quase palpável, institucional. Seria desejável, para o bem, em primeiro lugar, dos paulistas, que o progresso e o desenvolvimento se desse em todas as áreas. Mas reconheço que desigualdade é uma marca do nosso país, está longe de ser "privilégio" paulista, infelizmente. Se a ofensa não está em quem ofende, posso garantir, não há ofensa! Muitos beijos.