sábado, 18 de abril de 2009

Ao léu e ao mar


Vivo às voltas com idéias, e com a desventura de ver a maioria delas não aproveitada. Quem trabalha em televisão e lida com grandes audiências sabe: é preciso que a pauta seja abrangente, interesse a muita gente, minorias são o terror, não há a menor hipótese de ver aprovada uma pauta de interesse restrito. A televisão não quer saber se a unanimidade é burra, como dizia Nelson Rodrigues: seu sonho de consumo é a unanimidade. Mesmo não me achando burra, algumas relações nessa área eu jamais entenderei. Se falamos para o mundo falando do nosso quintal, como posso aceitar essa busca tão generalizada? Se grandes audiências atraem patrocinadores que querem vender o seu peixe, por que é que são os números que contam, e não a faixa de maior poder aquisitivo, mesmo que em número menor? Desconfio que se fossem destrinchados a fundo os resultados das pesquisas de audiência, da captação às consequências, muita coisa mudaria no mundo da tela pequena. Não acho que estão interessados em discutir isso, nem a televisão nem os institutos de pesquisa, e certamente a minha lógica só vai servir para encher algumas linhas nesse blog.
Outro mistério para mim era o trabalho em um escritório internacional, onde fui cobrir férias, faz muito tempo, apreensiva e animada. Tratei de caprichar nas idéias, escrever, imprimir e levar – a comunicação virtual ainda engatinhava, de modo que fui para lá com tudo muito bem organizado e impresso.
Foram acolhidas com entusiasmo, eram mesmo interessantes e originais, me disseram, mas foram para a gaveta, e de lá para a minha gaveta, onde as encontrei um dia desses. O Brasil só queria saber do que já se sabia – no Brasil! Seria então necessário um escritório internacional, se as pessoas só se interessam pelo que já sabem?
Na primeira redação de jornal em que trabalhei, poderia ter aprendido que criatividade nem sempre imprime. Às vezes, as pautas só se sustentam na imaginação do pauteiro. Lembro de uma que enlouqueceu o repórter encarregado de voltar com a matéria: observar a boca de fumo que tinha sido denunciada, “ver” policiais fazendo vista grossa e, com sorte, flagrar algum pagamento de propina. Nunca poderíamos imaginar como se tornaria corriqueira uma cena que na época parecia ficção. Jornalista de televisão teria ainda muito mais dificuldade para contar essa história, já que se espera que ele conte com imagens. Os chavões e as lendas: “papel aceita tudo”, no caso do jornalismo escrito, e “uma imagem vale mais que mil palavras”. Sei não. Guardamos melhor o que vemos ou o que imaginamos?
Algumas idéias vem, voltam, mas nunca acontecem. A mais antiga que lembro é um programa sobre vida de marinheiro. Consegui o contato de um velho e lendário comandante. Uma das histórias que soube dele era de que abastecia o navio de cerveja vindo da Europa e quando atracava em um porto da Bahia, o navio virava o maior bar de que se tinha notícia. Perguntei se poderia ir a casa dele para conversar, pensando nas fotos que poderia ter. Estranhei a negativa, mas ele completou: - “É pelo decoro, minha filha. Eu moro só”. Conversamos então no Bar Simpatia, na Avenida Rio Branco, famoso por seu delicioso frapée de côco. Nada disso existe mais, o comandante, o Simpatia, o frappé de côco e o decoro.
Os blocos e a cabeça de um repórter são uma colcha de retalhos, uma “lousa mágica”, brinquedo que eu tinha em criança: escrevia, apagava, escrevia por cima – uma espécie de bisavó do computador. A cola da memória é o sentimento que envolve cada coisa que fazemos.

10 comentários:

Selma Boiron disse...

" A cola da memória é o sentimento que envolve cada coisa que fazemos" não é uma frase. É um tratado! Ainda bem q, além da major, há a mídia alternativa pra vc extravazar td sua criatividade escrita. Deus abençoe suas idéias com a msm generosidade q abençoa os ateus. Abs blogueiros e bom fds! :D

Anônimo disse...

assino embaixo do comentario acima.........e acrescento que a nova midia é um mar aberto no qual voce ja colocou seu barquinho, é so ir mais alem........a torcida nao falta
boa sorte!!
av

Kalaari disse...

Oi Vanda,
Vim dar a este blogue que achei bem interessante e, por coincidência, também sou jornalista e também sou aquariana. Exerci a minha profissão em Portugal, em Jornais nacionais e rádio, mas estou de momento em Angola. Foi bom este encontro.
Um abraço
Vera Lucia

vanda viveiros de castro disse...

Muito muito grata, Selma! Continue por aqui, e não é só pelos seus comentários tão generosos, é que é uma troca muito boa!

AV, muito grata pela torcida e pelas gratas visitas!

Vera Lúcia, sempre me surpreendo com o alcance dessa rede! Um blog d'além mar! fui lá, e vou ler com mais tempo e carinho. Seja muito bem vinda por aqui, e grata pela generosidade do registro, que lamento que a maioria que passa por aqui não faça - talvez as blogueiras, compeendam melhor o valor dessa troca!

Kalaari disse...

Vanda, minha amiga:
...Eis senão... Poderia começar assim este cometário, referindo-me, primeiro, ao nosso encontro via internet, nossas coisas em comum e sua visita ao meu blogue. Pois é. Estou
convencida que é aquele feeling que, dum modo geral, norteia a vida dos jornalistas. Pelo menos a minha, sempre que algo surgia e ouvia aquela vozinha segredando-me ''pega nisto que há matéria para tal...''.
Hoje estou mais retirada dessas grandes reportagens e entrevistas polémicas. Perdi bastante o espírito aventureiro mas foi uma vivência que nunca mais esqueço, aquela
que me proporcionou partilhar com os leitores coisas incríveis e conhecer pessoas incríveis, como foi o caso do nosso Vinicius. Aliás, devo dizerlhe que andei três dias para conseguir tal entrevista, porque lamentàvelmente, nunca estava em condições de ma dar, muito embora fosse esse o seu grande desejo. Já muito doente... Mas quando a consegui, foi memorável. Aliás, dividi-a em duas paginas centrais, ''Vinicius poeta'' e ''Vinicius o homem''. Era uma pessoa extraordinária. Com uma maneira de estar na vida impressionante de liberdade e de tudo o mais. Não se
encontra muita gente com aquela coragem e aquela lucidez de espírito. É claro que muitos não concordarão com este epíteto ''lucidez'', mas se analisarmos o que é, na realidade, a chatice do nosso quotidiano, todo cheio de regras e obrigações, não seria ele que tinha razão? Teve o bom senso de não arranjar compromissos familiares, não prejudicava ninguem, só tinha que prestar contas a ele próprio, o que o podia impedir de ser aquilo que queria ser? Devo dizer que aqui, em Portugal, uma sociedade ultra conservadora e impregnada dum falso moralismo, ele não foi nem é muito bem visto, salvo com raras excepções. Quer dizer, náo era bem visto enquanto vivo... Hoje, talvez seja mais apreciado. Mais uma das coisas interessantes dos tempos, não é? Os vivos que fogem do contexto, são imorais. Quando mortos, viram poetas... Que se fazer? Bem, por hoje termino. Um dia destes vou voltar. Volte também.
Um grande abraço da novel amiga
Vera Lucia

isabella saes disse...

Vanda, querida!! Comemoro junto a todos a existência desse espaço. Seus textos são deliciosos. E que continuemos sempre botando pra funcionar o lado direito do cérebro. Se ninguém quiser nossas idéias lá fora, a gente "bloga"!!!

vanda viveiros de castro disse...

Caríssima Vera Lúcia,
Quanta curiosidade me provocou seu comentário! Resolvi responder tanto lá como cá, apenas não tão depressa quanto gostaria, porque continuo a lidar diariamente com a aventura de uma redação jornalística. A mesma redação que há tanto tempo me permitiu entrevistar nosso querido Vinícius de Morais, que junto com Tom Jobim considero dois patrimônios cariocas da humanidade, com a mesma alegria que imagino que você considere os belos escritores conterrâneos que tem. Ouvi, muitos anos depois, de seu parceiro Edu Lobo, que Vinícius era sociável e agregador, era ele que juntava as pessoas, muito mais do que o Tom, que vivia mais exposto, e sabíamos sempre onde encontrar nos dias e nas noites por aqui.
Sobre família, acho que Vinícius teve tantas e isso acaba se diluindo em nenhuma. Já ouvimos que "de perto, ninguém é normal" mas salve, sempre, a liberdade de não ser normal, especialmente sendo tão talentoso e generoso como ele foi e continua sendo, eternamente, a cada verso seu.
Vinícius foi colega de colégio do meu pai, e mesmo não sendo o Brasil tão conservador quando Portugal, era preciso coragem para conquistar a liberdade que teve, e coragem ele teve. Eram tempos ainda menores e mais provincianos, e a diplomacia devia engessá-lo ainda mais.
Se for possível um dia, gostaria de ler sua entrevista, e isso me lembra de tentar encontrar a minha, que deve ser bem curta como são os tempos da televisão por aqui. Mesmo assim, foi para mim uma glória que não esqueço.
Volte sempre, e eu voltarei!
Um grande abraço, Vanda

vanda viveiros de castro disse...

Querida Isabella, é isso mesmo, bloguemos, é assim que a humanidade caminha, mesmo que haja quem nos acuse de promover o culto ao amador! Era só o que nos faltava, um discurso assim cerceante... de quem cobraremos pelo filme fraquinho que desavisados pegamos no videoclube? Pois durmamos com um barulho desses, pautemos, mas também bloguemos! Muitos beijos.

Kalaari disse...

Querida Amiga,

Estou providenciando para conseguir localizar a entrevista com o Vinicius.
Como foi em 1978/79penso eu, está um pouco difícil, porque terei que me deslocar a Lisboa à Biblioteca Nacional. Mas vou encarregar alguém da missão. Vou voltar breve.
Um abraço grande
Vera Lucia

vanda viveiros de castro disse...

Querida Vera Lúcia, que isso não seja uma incumbência, apenas se calhar de um dia encontrar a entrevista. Sem nenhuma pressa ou trabalho! Por mais que a rede nos aproxime, estamos "transitando" por três continentes, agora me dei conta. Aproveito para comentar que apreciei a palavra novel, que aqui não usamos. Alguns hábitos conservadores servem para conservar a riqueza da língua. Abraços da novel amiga, Vanda