quarta-feira, 9 de junho de 2010

Viagens e descobrimentos


Minha viagem começou na revista da TAP, que me levou muito mais longe do que as asas de seus aviões alcançariam. Com uma matéria sobre o Minho e suas tradições, entre elas as continhas de ouro com que as moças, ou raparigas, lá fazem pulseiras e colares. Passaporte para a infância a foto das bolinhas com que brincavamos, que corriam pelo chão da casa e se perderam no tempo, como quase tudo. Estavam arquivadas na mais tenra infância, quando eu não fazia a menor idéia de onde vinham.
Até aí, estava achando um pecado passar por Lisboa sem parar um pouquinho que fosse.
Conexão justa. Já tinha comigo o cartão de embarque para Roma, mas resolvi perguntar pelo caminho a alguém da companhia para onde deveria me dirigir. Péssima idéia, mesmo sendo só uma conexão, me mandaram para uma fila, gigantesca e dúbia, porque lembro de ver na minha frente, além da fila geral e a da comunidade européia, uma simpática opção para países de língua portuguesa. Me pareceu confuso, mas às cinco e meia da manhã, noite mal dormida, melhor dar aí um desconto.
No Rio, um gentilíssimo atendimento na loja da TAP me lembrou que se eu perdesse o vôo, a companhia se responsabilizaria, mas mesmo assim, tentando evitar que isso acontecesse, resolvi consultar um funcionário do aeroporto. Eficiente, ele me dirigiu para uma fila de prioridades, por conta do tempo curto. Atrás do guichê envidraçado, uma senhora me fez o sinal de não. Fiquei lá. Ela atendeu primeiro a duas pessoas idosas e então me chamou. Para me passar um sabão. Eu expliquei que fui mandada para lá por um colega dela, porque não tinha muito tempo. Pra quê!
– “A conexão justa é escolha sua, não é culpa da companhia. Seu vôo, aliás, chegou mais cedo, e se chegasse na hora prevista, a senhora não estaria aqui a fazer este discurso!” Terminou ELA o seu discurso de dedo em riste, e eu consegui ficar calada, pensando em chegar logo, levei o passaporte carimbado e o desaforo na mala de mão, numa boa.
Nos infindáveis e desertos corredores, nova dúvida, uma placa com os números dos portões e outra logo abaixo indicava Terminal 2 na mesma direção. Era o meu portão, mas seria no Terminal 1, que era o meu? Tudo muito grande, muito novo e muito deserto. Voltei para perguntar e vi que a dúvida era muito freqüente, alguma coisa errada na sinalização.
Mais tarde, admirei a minha filha, que fez esse mesmo trajeto na semana seguinte, a caminho do Londres, onde iríamos nos encontrar. Teve dúvida mas foi em frente, sozinha, pelos mesmos desertos corredores, sem perguntar a ninguém. Ah, benditas as certezas dos jovens! Ela chegou e ficou em seu portão deserto, e um tempo depois começaram a chegar todos os brasileirinhos, quem sabe, alguns espinafrados como eu fui.
Mania que jornalista tem de perguntar!
Voltando à minha atribulada conexão, vi que tinha tempo para um café! O cardápio trazia: “Carioca – chá com limão”. Perguntei que chá seria, e a atendente me respondeu, ríspida: não é chá, apenas água quente e uma rodela de limão. Deixei essa estranha carioquice de lado e esperei a minha vez. A senhora na minha frente na fila (só havia nós duas ali) perguntou se seria possível pingar um pouco de leite no café que tinha pago. O preço não seria o problema, ela ouviu a descompostura por outro motivo. – “A senhora deveria ter explicado isso ao pedir o café. Se cá uma fila houvesse, a senhora estaria aí a causar atrasos!”. Ela respondeu risonha, com humor de férias: -“Desculpe, errar é humano!” Escaldada, perguntei já ao pagar se seria possível pingar um pouco de leite, etc...já tinha levado o meu pito do dia.
Não sei o que os mordeu. Arriscaria dizer que não gostam do sotaque. Ou quem sabe descontam seus problemas nos brasileiros porque falam a língua? Será o troco pelo frequentemente deseducado comportamento brasileiro, que conhecemos tão bem? Gostaria mesmo de saber. Talvez uma economia mais forte melhorasse o humor por ali. Ou quem sabe o fato de já terem sido donos de meio mundo, com tanta valentia, tenha endurecido alguma coisa ali para sempre? Bem, mesmo não querendo generalizar, compreendi um pouco melhor a minha avozinha por abandonar tão radicalmente a cidadania lusa e abraçar com tanta alegria essa terra tropical.
Fui feliz há alguns anos numa rápida passagem por Lisboa, Sintra e Cascais. Foi bom e ainda pode ser, mas o projeto de férias em Portugal foi adiado sine die. Fiquemos, pois, com os doces maravilhosos, a doçura da poesia e a sólida literatura lusa. Gosto do Sul, e, por falar nissso, também do Mercosul, lembrado na capa do meu passaporte azul.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei!!Mas nao se deixe influenciar por este primeiro (des)encontro do aeroporto. E coloque na agenda uma esticada por aquelas terras da proxima vez.
bj
av

vanda viveiros de castro disse...

Tem razão, o que seria do Rio se todos que já tiveram dissabores por aqui fossem desistir da cidade??
Não é difícil desejar uma escala por lá, Lisboa merece, nem que seja só para ler O Público, andar pela cidade, comer umas castanhas... e depois, rumar para Roma. Na prática, não sei quando seria, mas sonhar não custa nada!

Anônimo disse...

gostei. e com o euro neste estado o sonho é até viàvel.