terça-feira, 2 de novembro de 2010

Micro & Macro


Quando Clarice fala, com aquela claridade própria dela, que já nasceu incumbida, eu entendo completamente. Talvez esteja lá no bêabá da psicanálise, que eu desconheço, mas como me vem à cabeça a frase de Hey Jude, “don’t carry the world upon your shoulders”, vejo que é humano sentir o peso do mundo nos ombros.
Depois do evento tão desgastante e grandioso que foi e que é uma eleição brasileira, passei a pensar que talvez eu seja muito egoísta. Almejo, com toda a sinceridade e pureza da alma, uma vida amparada e satisfatória para os meus iguais, e iguais, no que diz respeito a direitos, realmente considero qualquer ser humano vivo neste planeta, começando pelos meus conterrâneos. Isso não é uma utopia, é uma obrigação das nações desde que se organizaram assim, e as mais organizadas chegam muito perto disso.
Se você recebe e administra a mensalidade de um clube, aquele dinheiro serve para pagar as despesas de manutenção, pagar a quem trabalha para que ele funcione, e os benefícios são de todos os sócios. Não é mais ou menos assim que deve funcionar um país? O que é comum é para ser partilhado por todos. Quem acha que não pode ser assim, eu acho que é porque quer uma parte maior para si, e tem gente que advoga isso até como regra divina, de tanto que se sente à vontade com uma fatia maior do bolo, ou o seu pirão primeiro. Pode soar muito simplista, mas acho que tudo é uma questão de escala, não é preciso reinventar a roda para grandes explicações.
Acho que é por isso que sempre votei pensando em liberdade, igualdade, fraternidade. Quem sabe é uma espécie de egoísmo?
Pensei nisso quando li uma vez que a grande liberalidade do povo holandês é na verdade um traço individualista muito forte, que tem uma fronteira muito tênue com o egoísmo. Fui conferir o que é liberalidade para ver se estava empregando a palavra certa, e achei como sinônimo generosidade, condição de ser liberal ao dar algo. Curioso porque eu entendo assim, mas acho que no mundo neo-liberal uma grande quantidade de cinismo se infiltrou entre o prefixo e a palavra, estragando tudo, mas é curioso mesmo como os extremos se esbarram.
Tenho particular apego ao lado La Rocque da família da minha mãe, primeiro, porque gostava do nome, que ela não nos deu, achou que o nosso já era comprido o suficiente, mas ao longo da vida, fui percebendo traços – sem medo de parecer pedante ou colonizada, o que sei que somos, não tem jeito - mas por constatar muita identidade com a região francesa da Bretanha, no norte do continente europeu, a começar pelo paladar. Quem sabe então sou mesmo bem egoísta, querendo que todos comam, estudem e morem, para poder cuidar da minha vida? Afinal, igual à Clarice, e infelizmente esse é o traço em que mais me assemelho a ela, nasci incumbida. Desde que me entendo por gente, cercada por minha grande família, sempre tive que cuidar um pouco de alguém. Não é uma queixa, é só uma constatação, porque não pode se queixar quem como eu, nesse ponto da estrada, ainda tem energia e possibilidade de se dedicar a tijolos, tintas e azulejos para fazer o que bem entender.
Meus melhores pensamentos vão para quem se dedicou, se empenhou e em última análise, votou para uma divisão mais justa e proveitosa para o país onde nascemos e vivemos. O conceito de humanidade me agrada muito mais do que o de nação, mas isso não significa falta de compromisso com o nosso país, se ainda falta tanto para podermos realmente nos orgulhar dele.
Aliviados e menos incumbidos por hora com a nação, podemos cuidar um pouco do nosso quintal, sem esquecer que o preço da liberdade é a eterna vigilância – se o clube é nosso, o zelo por sua boa administração também deve ser.

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