segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Nem céu de brigadeiro nem mar de almirante



A Revolta da Chibata, talvez o episódio popular mais conhecido da história do Brasil, completa 100 anos. João Cândido Felisberto, o “Almirante Negro” e os marinheiros amotinados só foram anistiados recentemente, em 2008.
O que detonou o levante foram as 250 chibatadas aplicadas em um marinheiro, mas a revolta já se formava desde que alguns marujos foram à Inglaterra e descobriram que só a esquadra brasileira ainda adotava castigos físicos. O que esse movimento teve de diferente dos outros foi o embate entre classes sociais diversas e também ter conseguido espaço nos jornais e nas conversas de rua. A abordagem da mídia era muito rígida e não dava espaço para nenhuma reflexão, mas apesar da visão crítica com que era tratado o episódio, ele não pode ser abafado.
A verdadeira história do Brasil começou a ser contada muito recentemente, a que eu aprendi na escola estava mais para história da carochinha. Aconteceram por aqui dezenas de movimentos que não mereceram o devido registro e são pouco estudados, mesmo com a farta documentação, eram olhados como criminosos quando não tinham origem em uma classe privilegiada. “Vindo de baixo, é crime”, explica o professor Hiran Roedel, da UFRJ, e é no jornal da universidade* que leio uma matéira sobre a Revolta, que se deu de 22 a 27 de novembro de 1910. “A república no Brasil não significou um processo de redemocratização. Ela veio para manter a política como privilégio de poucos". Os oficiais da Marinha vinham de famílias da alta sociedade, e o restante da tripulação era recrutado nos centros urbanos de um país que saía do tempo da escravidão. Os marinheiros eram, em sua maioria, filhos de escravos ou ex-escravos, enfrentavam problemas com a alimentação precária e insuficiente, mesmo sendo parte da "Esquadra Branca", orgulho do país, a terceira potência naval do mundo.
Estudar o Brasil de cem anos atrás não poderia ser mais atual para compreender o tratamento que ainda hoje é dado a quem ousa fazer política sem ter sido ungido pelos donos do poder por aqui através dos séculos. Quem mandou? A classe média, ascendente, tem os olhos voltados para cima, não quer tomar conhecimento ou quer esquecer quem está por baixo.
Só nos resta esperar que a história política do século XXI no Brasil não seja estudada nos jornais da época, a não ser para constatar o desesperado esforço para que tudo continue como dantes, per omnia saecula saeculorum, até o fim dos tempos.

* Jornal da UFRJ, edição de abril/2010 - Salve o "Almirante Negro", de Andreza de Lima Ribeiro.

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