segunda-feira, 20 de julho de 2009

NY


Além do pequeno espaço que ocupamos no Universo, seja por escolha ou circunstância, temos ainda os lugares que o nosso espírito ocupa.
Viajo fácil. Tenho minhas preferências, mas acabo gostando de quase todos os lugares por onde passei. Eles não são iguais, mesmo os que parecem se equivaler. Não está nas ruas, na língua falada, ou na geografia a diferença.
Desconfio que isso seja um lugar comum: o tempo que leva pode variar de pessoa para pessoa, mas Nova York é uma cidade que acaba capturando um pedaço do nosso coração. É uma cidade que parece oferecer a todos uma experiência particular, mesmo sendo habitada e visitada por vários milhões.
A cidade não contribui só com o cenário, sua arquitetura monumental, o contorno dos rios. É movida à energia dos sonhos, do trabalho, das asperezas da vida e do suor de tanta de gente, da mistura de talentos aportados ali até hoje e desde sempre.
Antes de pegar o avião pela primeira vez, ela me foi pintada com cores terrivelmente sombrias. Custei a perceber que era porque fazia parte de um país que representava tudo de ruim para um Brasil sob tortura e ditadura.
Entendi menos ainda ao sentir os ares de liberdade que sopravam na cidade, os filmes de protesto que podia ver ali, tão diferente do país sufocante que eu deixei no início dos anos 70. Comparado com o meu, conheci um país explícito, escancarado, que falava – talvez não tão abertamente quanto hoje - de seus problemas e dos problemas do mundo.
Mas Nova York sempre teve vida própria. Ali podia haver, como houve, um desfile da estilista Zuzu Angel com estampas de protesto pelo filho desaparecido, e promovido pela Embaixada do Brasil! Tudo era confuso para uma pessoa começando a viver, mas já com percepção para ir guardando peças que só se encaixaram anos depois. E anos depois, a própria Zuzu desapareceu, no Brasil, num país com muito menos satisfações e explicações.
Não foi um mar de rosas a minha primeira temporada novaiorquina, mesmo contando com acolhimento familiar, e entre um apuro e outro, naquele momento eu fui um pouco mais feliz ali. Era eu comigo mesma, desbravando o mundo. Ventos de liberdade me levavam de bicicleta pela Ilha de Manhattan. Não podia imaginar que voltaria tantas vezes.
A experiência de trabalhar, por duas vezes, foi tão difícil quanto estimulante. Na primeira, andar muito à pé numa cidade feita para isso. Andava cinquenta quadras sem sentir. Na segunda, descartando maiores apuros, ficaram na lembrança os pequenos prazeres, donuts e um café quente no ar frio da janela do trem.
Quando chegava na estação atrasada, tinha que comprar o ticket dentro do trem, e ouvir sermão do fiscal - era mais caro do que no guichê da plataforma: “Por que pagar mais caro pela mesma coisa? A hora de sair de casa tem que incluir o tempo de comprar o bilhete!” Tudo diferente no país rico em que qualquer níquel tem valor, e controlam até o que você faz com o seu dinheiro.
NY para mim sempre ultrapassou os meus limites.
Fui feliz ali todas as vezes, mas nunca em paz. Dilema, descoberta, prazer, atração, desolação, frustração, tristeza, deslumbramento. Mas sem ideologia, sem lenço e sem documento, julgando apenas pelo sentimento, um quase paraíso.

Hoje, liguei o rádio e ri, porque o Lulu Santos cantava: “não vá para Nova York, amor, não vá...”.
Pois eu vou. Atrás de uma filha, coisa que mãe só não faz se não tiver mesmo jeito. Além da filha, uns panos e uns pratos, espero trazer na bagagem uma nova camiseta para dormir já atualizada, I Love New York com o skyline mais famoso do mundo, mas sem as torres gêmeas.
Quando você tem dentro do peito mais de um lugar, não sendo milionário ou caixeiro viajante, está perdido para sempre. Não sei se é o coração da gente, mas será que existe algum lugar no mundo onde não falte um pedaço?

12 comentários:

Kalaari disse...

Querida Vanda,

Tem sido uma longa ausência... E um silêncio ainda maior, mas estive em sítios onde dificilmente se acedia à net: Libano -fronteira com Israel- e Irão. Cerca de três meses que me deixaram satisfeita pelo trabalho, mas exausta. Vim ao seu blogue, estive a ler as novidades, que são muitas, e dizer-lhe que continuo consigo. Não quero perder o seu contacto.
Um beijo grande da
Vera Lucia

vanda viveiros de castro disse...

Céus, Vera Lúcia, não sei qual o sentimento de estar em lugares tão tensos, mas sei que não recusaria a oportunidade de conhecê-los. Não deixe de vir, vou "visitá-la" também, logo depois de umas rápidas férias que começam amanhã. Até breve!
Beijos,
Vanda
P.S: Irão é Irã, do lado de cá, não sei como se comportará essa complicada unificação da nossa língua!

Anônimo disse...

Nao conheço NY.... pois é!! Nao se se vou conhece-la pois sou um pouco repetitiva nos meus roteiros. mas seu jeito de falar dela parece ter aproximado a cidade de mim......
tamanho foi o envolvimento, familiaridade e paixao com que voce escreveu. Deixou transparecer tambem o tamanho da alegria por voltar la e quanto ama viajar.
Uma bela injeçao de animo.

AV

Anônimo disse...

PS: LINDAS as fotos!!! E poderiam muoito bem ter sito feitas agora. O espirito parece o mesmo.

av

vanda viveiros de castro disse...

Querida AV, grata, como sempre, pela visita.
A cidade é mesmo uma paixão eterna, voltei recarregada de idéias novaiorquinas, que conto logo que recuperar o folego e arranjar tempo, que as férias infelizmente já acabaram. Muito generosa sua visão das fotos, elas têm é tempo, mas usei pelos backgrounds históricos e meio fantasmagóricos: a primeira tem atrás o Dakota, prédio onde morava o John Lennon, a Lauren Bacall e outros famosos, onde foi filmado O Bebê de Rosemary (lembra do filme do Polanski?) Lennon foi asssassinado ali na porta do prédio. Na outra, estranhamente a única do filme que foi ficando avermelhada, estão as duas torres extintas do World Trade Center, que parecem estar ali em espírito.

edith disse...

Vandíssima querida. Que bom que voce tá de volta e com a filhota nos braços!
Ah,NY é fundamental. Essencial aos olhos, aos ouvidos ao corpo e alma da gente. A mais instigante de todas as metrópoles é como tatuagem em nanquim. Não se apaga nunca. um beijo. Edith G

vanda viveiros de castro disse...

Edith queridíssima, adorei a visita! Vou retribuir... e adorei saber que você partilha meus sentimentos por aquela cidade - que cidade! Mas consegui voltar feliz, com a filha e todas as malas que isso inclui.
Primeiro fiquei sem tempo, depois fiquei sem Velox por quase dois dias - achei que meus problemas tinham acabado quando abandonei a Virtua como provedor, mas aqui a gente sempre se surpreende. Voltarei à carga quando der. Beijos!

vanda viveiros de castro disse...

corrigindo: servidor.
servidor, provedor, é muita informação para uma blogueira incompetente como eu!

Kalaari disse...

Querida Vanda
Suas férias já acabaram? Que tal correram ?
Tenho saudades de notícias suas. Quando puder, diga-me alguma coisa.
Beijões
Vera Lucia

vanda viveiros de castro disse...

Querida Vera Lucia, as férias acabaram, sim, foram curtas mas correram muito bem, obrigada! Falta tempo e um um pouquinho mais de ânimo, mas felizmente as idéias não me abandonaram, tenho uma pilha delas, e sei que vou voltar à antiga regularidade muito breve. Não deixe de conferir!
Beijos, da Vanda

Anônimo disse...

Nao quero pressionar mas aguardo com muita curiosidade o que voce vai nos oferecer depois desta viagem. se o tempo estiver curto, mande ao menos algumas pilulas..........
bj
av

Selma Boiron disse...

Minha amada escriba, ando ausente daqui, dali, de toda parte.Fiquei sem internet, sem pc, sem paciencia, sem tempo, sem ler, sem escrever...Tsc.As vezes, acontece.Espero q sua viagem tenha sido produtiva,feliz.Não conheço(ainda)NY mas tenho pra mim q a cidade representa o afã.Tomara q não me engane rsrs Bj, abç forte, sigo fã das suas ideias e letras.E fotos!