quinta-feira, 15 de julho de 2010

Medidas


Pouco depois de escrever a postagem anterior, tentando arrumar meu armário no trabalho, encontrei um antigo cartão de Natal com a seguinte legenda, tirada do livro “A Pedra do Reino”, de Ariano Suassuna:
“A sensação de felicidade que eu experimentara prolongava-se de tal modo que parecia tornar o mundo melhor.”

Cada um dá o que pode, e de acordo com seu talento e generosidade, acredito que também melhore o mundo quem cuida de seu próprio equilíbrio, mesmo em sua modesta medida. Felizes dos que conseguem avançar e alcançar além de seu universo pessoal, vai para eles a minha admiração.
Reproduzo abaixo um texto de Fernando Pessoa, que eu nunca consegui esquecer, porque ele me deu uma luz para compreender um pouco melhor os criadores. Ainda acho complicados os limites entre trabalho e lazer, entre quanto tempo dedicar a cada um dos dois, quando não se cumpre estritamente um expediente, porque costuma ser difícil distinguir o que dá mais prazer. Quem trabalha com idéias e ideais muitas vezes só deseja parar de trabalhar para descansar. Trabalho deve ser olhado como trabalho, mas criar é muito estimulante, mistura urgência e obstinação, é coisa complicada, quase antissocial, geralmente só tolerado por quem faz o mesmo. E o curioso é que é voltado para a sociedade.
Doação maior é para si próprio, para quem está ao lado ou para o mundo? Sentir é melhor que rotular, mas muitas vezes precisamos traduzir o que sentimos – e aí temos saudades de quando apenas sentíamos.

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso."
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para casar com o que sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida: nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa raça.

Fernando Pessoa / Palavras de Pórtico / Obra Poética

6 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

quando o trabalho tambem é prazer e nao so uma obrigaçao, fica dificil separa-lo do lazer. acho que o tal do ocio criativo se aplica perfeitamente. somos privilegiadas
bj
av

vanda viveiros de castro disse...

Três vivas à troca de idéias! Escrevi pensando nos artistas e nos idealistas, e no fundo questionando sua obstinação.
Não pensei em incluir aí o nosso trabalho como jornalistas, e deveria - nós também temos que ser criativos e trabalhar além das medidas, e isso é, também, motivo de satisfação e ao mesmo tempo, tempo roubado da vida pessoal...

vanda viveiros de castro disse...

E completando: vou defender o ócio até morrer! E não é só a cabeça, nosso corpo precisa dele para se organizar!

Selma Boiron disse...

Opa, temos 2 + em comum: Ariano Suassuna e Fernando Pessoa. E este trabalhar no q se ama e confundir lazer e prazer com as tarefas nos rouba o tempo dos filhos, da família, da casa, da gente....mas é tão, tão bom q...Ah! Q bom q vc explicou! Abço forte!:)

vanda viveiros de castro disse...

Selma querida - que suas visitas por aqui são sempre muito queridas - quem dera que eu explicasse, só sinto, e como sinto, é uma questão quase crucial na minha vida... mas é tão bom saber que não é só a gente que sente! um grande abraço!