segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O bom, o mal, o melhor: não Veja, pense!


Vi uma bomba de filme, que prometia muitas gargalhadas, e por teimosia fui checar: o bonequinho da crítica do jornal aparece aplaudindo de pé. Só não tive mais vontade de ter meu dinheiro de volta - não o do jornal, que eu não comprei, só olhei - porque gosto de sair para ir ao cinema, e porque já sei há muito que é cada vez mais provável ver um filme fraquinho do que sair do cinema achando que valeu o preço do ingresso. Agora fazem filmes para uma faixa de idade que não é a minha, que não tem idade para ter a formação que a minha geração teve, e que vai mais ao cinema porque sai mais, como eu fazia quando tinha 20 ou 30 anos. Quem é mais jovem costuma sair mais de casa, não falo só de cinema, parece que é da vida mesmo (se não é, quero meu dinheiro de volta!), mas não era nisso que eu pensava quando comecei a pensar e a escrever. O que é bom resiste, porque em casa revi As Good as It Gets, um filme de 1997. Deu um Oscar de melhor ator para o Jack Nicholson, e acho que ele ganharia agora do mesmo jeito. Falei do filme e registrei logo duas aprovações vindas de gerações mais novas.
Mas também não era nisso que eu queria falar: pensava é no quanto me aborrece perceber como se manipula, distorce, condena e repete conceitos e atitudes sem parar para pensar ou se informar com cuidado. É cansativo ouvir falar mal dos Estados Unidos justo no que eles têm de bom, mesmo vindo de quem ignora o que eles têm de deletério. A produção cultural americana é fantástica, há mais de um século, em todas as áreas, embora o que se produza de bom lá seja em grande parte ignorado por aqui (o que nos chega é o que a mídia escolhe divulgar ou patrocinar).
A orientação moral – não estou falando moralista – e era disso que eu queria falar, só melhora a formação das pessoas, educação se dá de várias maneiras, mas aqui, o que se rotula de politicamente correto é tratado com superioridade e desprezo. Mostrar maus modos, maus sentimentos, péssimas atitudes, mesmo com uma moralzinha “salvadora” ou justiceira no final, só banaliza- o que resulta em quase legitimar - o que não se deve fazer, e falo de novelas que já cansei de não ver, mas basta olhar parte de um capítulo para constatar o que estou falando.
Já num filme como este, diversão e arte à parte, o que fica é a ausência ou a superação do preconceito com relação ao homossexualismo, ou às diferenças sociais, a crítica a um sistema desqualificado de saúde - sabemos bem a que a privatização da saúde leva. Ficamos com a generosidade do ser humano, justo vinda de quem tinha mais dificuldades a superar, e ficamos com a dica para não sermos ligeiros nos nossos julgamentos ou conclusões.
Aqui ainda se faz, com frequência, humor explorando o preconceito e a falta total de humanidade e educação. Dá mesmo um cansaço ver o longo caminho que temos a percorrer, mas para um país que esbanja energia e esperança, e salve ela, o desafio só estimula.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Nem céu de brigadeiro nem mar de almirante



A Revolta da Chibata, talvez o episódio popular mais conhecido da história do Brasil, completa 100 anos. João Cândido Felisberto, o “Almirante Negro” e os marinheiros amotinados só foram anistiados recentemente, em 2008.
O que detonou o levante foram as 250 chibatadas aplicadas em um marinheiro, mas a revolta já se formava desde que alguns marujos foram à Inglaterra e descobriram que só a esquadra brasileira ainda adotava castigos físicos. O que esse movimento teve de diferente dos outros foi o embate entre classes sociais diversas e também ter conseguido espaço nos jornais e nas conversas de rua. A abordagem da mídia era muito rígida e não dava espaço para nenhuma reflexão, mas apesar da visão crítica com que era tratado o episódio, ele não pode ser abafado.
A verdadeira história do Brasil começou a ser contada muito recentemente, a que eu aprendi na escola estava mais para história da carochinha. Aconteceram por aqui dezenas de movimentos que não mereceram o devido registro e são pouco estudados, mesmo com a farta documentação, eram olhados como criminosos quando não tinham origem em uma classe privilegiada. “Vindo de baixo, é crime”, explica o professor Hiran Roedel, da UFRJ, e é no jornal da universidade* que leio uma matéira sobre a Revolta, que se deu de 22 a 27 de novembro de 1910. “A república no Brasil não significou um processo de redemocratização. Ela veio para manter a política como privilégio de poucos". Os oficiais da Marinha vinham de famílias da alta sociedade, e o restante da tripulação era recrutado nos centros urbanos de um país que saía do tempo da escravidão. Os marinheiros eram, em sua maioria, filhos de escravos ou ex-escravos, enfrentavam problemas com a alimentação precária e insuficiente, mesmo sendo parte da "Esquadra Branca", orgulho do país, a terceira potência naval do mundo.
Estudar o Brasil de cem anos atrás não poderia ser mais atual para compreender o tratamento que ainda hoje é dado a quem ousa fazer política sem ter sido ungido pelos donos do poder por aqui através dos séculos. Quem mandou? A classe média, ascendente, tem os olhos voltados para cima, não quer tomar conhecimento ou quer esquecer quem está por baixo.
Só nos resta esperar que a história política do século XXI no Brasil não seja estudada nos jornais da época, a não ser para constatar o desesperado esforço para que tudo continue como dantes, per omnia saecula saeculorum, até o fim dos tempos.

* Jornal da UFRJ, edição de abril/2010 - Salve o "Almirante Negro", de Andreza de Lima Ribeiro.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Micro & Macro


Quando Clarice fala, com aquela claridade própria dela, que já nasceu incumbida, eu entendo completamente. Talvez esteja lá no bêabá da psicanálise, que eu desconheço, mas como me vem à cabeça a frase de Hey Jude, “don’t carry the world upon your shoulders”, vejo que é humano sentir o peso do mundo nos ombros.
Depois do evento tão desgastante e grandioso que foi e que é uma eleição brasileira, passei a pensar que talvez eu seja muito egoísta. Almejo, com toda a sinceridade e pureza da alma, uma vida amparada e satisfatória para os meus iguais, e iguais, no que diz respeito a direitos, realmente considero qualquer ser humano vivo neste planeta, começando pelos meus conterrâneos. Isso não é uma utopia, é uma obrigação das nações desde que se organizaram assim, e as mais organizadas chegam muito perto disso.
Se você recebe e administra a mensalidade de um clube, aquele dinheiro serve para pagar as despesas de manutenção, pagar a quem trabalha para que ele funcione, e os benefícios são de todos os sócios. Não é mais ou menos assim que deve funcionar um país? O que é comum é para ser partilhado por todos. Quem acha que não pode ser assim, eu acho que é porque quer uma parte maior para si, e tem gente que advoga isso até como regra divina, de tanto que se sente à vontade com uma fatia maior do bolo, ou o seu pirão primeiro. Pode soar muito simplista, mas acho que tudo é uma questão de escala, não é preciso reinventar a roda para grandes explicações.
Acho que é por isso que sempre votei pensando em liberdade, igualdade, fraternidade. Quem sabe é uma espécie de egoísmo?
Pensei nisso quando li uma vez que a grande liberalidade do povo holandês é na verdade um traço individualista muito forte, que tem uma fronteira muito tênue com o egoísmo. Fui conferir o que é liberalidade para ver se estava empregando a palavra certa, e achei como sinônimo generosidade, condição de ser liberal ao dar algo. Curioso porque eu entendo assim, mas acho que no mundo neo-liberal uma grande quantidade de cinismo se infiltrou entre o prefixo e a palavra, estragando tudo, mas é curioso mesmo como os extremos se esbarram.
Tenho particular apego ao lado La Rocque da família da minha mãe, primeiro, porque gostava do nome, que ela não nos deu, achou que o nosso já era comprido o suficiente, mas ao longo da vida, fui percebendo traços – sem medo de parecer pedante ou colonizada, o que sei que somos, não tem jeito - mas por constatar muita identidade com a região francesa da Bretanha, no norte do continente europeu, a começar pelo paladar. Quem sabe então sou mesmo bem egoísta, querendo que todos comam, estudem e morem, para poder cuidar da minha vida? Afinal, igual à Clarice, e infelizmente esse é o traço em que mais me assemelho a ela, nasci incumbida. Desde que me entendo por gente, cercada por minha grande família, sempre tive que cuidar um pouco de alguém. Não é uma queixa, é só uma constatação, porque não pode se queixar quem como eu, nesse ponto da estrada, ainda tem energia e possibilidade de se dedicar a tijolos, tintas e azulejos para fazer o que bem entender.
Meus melhores pensamentos vão para quem se dedicou, se empenhou e em última análise, votou para uma divisão mais justa e proveitosa para o país onde nascemos e vivemos. O conceito de humanidade me agrada muito mais do que o de nação, mas isso não significa falta de compromisso com o nosso país, se ainda falta tanto para podermos realmente nos orgulhar dele.
Aliviados e menos incumbidos por hora com a nação, podemos cuidar um pouco do nosso quintal, sem esquecer que o preço da liberdade é a eterna vigilância – se o clube é nosso, o zelo por sua boa administração também deve ser.