domingo, 15 de julho de 2012

Filosofia barata e todo o sentimento

Minha filha, bem pequena, perguntou um dia: Mãe, o que é gay? Eu disse que era alegre, em inglês. Criança muitas vezes tem curiosidades menores e mais fáceis de satisfazer do que as explicações que deixam os adultos atrapalhados, mas ela desconfiou que não era só isso e continuou: então, o Dr. Oswaldo, o velhinho do quarto andar que vive rindo, é gay, por exemplo? Não era. Lembro disso com graça, e lembrei, a propósito de outro pensamento: eu não sou gay, embora queira muito ser alegre. Não quero me estender nesse assunto, tenho horror a preconceito, e acho que as minorias, que costumam ser discriminadas, têm mais é que botar a boca no mundo, mas até por isso mesmo, por sofrerem discriminação, minorias se juntam em grupos e se protegem. Não sou desse grupo, não conto com a proteção deles. Lembrei também com graça de uma amiga que me disse que mulheres mais velhas seguem essa tendência, mesmo tendo vivido como heterossexuais, se tornam homo. Nem vou comentar, porque não é o meu caso, nunca pensei ou assinalei nada nessa direção, não acho que seja simples assim e que cada um cuide da sua vida. Quem se expõe ou se exibe sexualmente geralmente tem alguma bandeira a defender, ou quer alguma coisa, e eu não quero nada, obrigada. Também não sou judia, povo que sofreu muita discriminação e costuma se ajudar e privilegiar os seus sempre que pode. Uma amiga novaiorquina, judia, por gostar muito da nossa família, não se conformava de não sermos judeus. Seria preciso que fôssemos para que nos aceitasse plenamente, e além disso não entendia brasileiros sem cara de índio. Queria saber de onde tínhamos vindo, antes de nascermos. Nunca contei a ela que tinha Pereira e Costa nos ascendentes, nomes tidos como de cristãos novos. Tenho outros nomes que sei que não são, e não queria tirar onda de judia em Nova York, mesmo vendo que lá é bem interessante ser judeu. Tive amigos próximos que se deram muito bem por isso, mas eu não era, e para mim dá muito trabalho fingir, eu não consigo, mesmo ouvindo que é uma desvantagem no mundo de hoje, e eu não acredito, porque a gente é o que é, pelo menos enquanto se está satisfeito ou aceita o que é. Eu só quero o que é meu, porque sei que o que eu sou ou tenho, ninguém tem, porque a gente, embora sendo só um indivíduo da raça humana, não é uma formiguinha, é único, tem a sua própria e individual impressão digital. Quando parece que a gente tem um pouco mais de tempo disponível, passa a lidar com todo o tipo de problemas novos que afloram nesse novo espaço, que na verdade nem existe, mas porque a gente permite, por não saber lidar direito com as novas acomodações. Família, vizinhos, demandas surgem de todos os lugares em seu caminho. Nosso espaço ainda vai ser delimitado novamente, nem que seja aos trancos. É preciso um período sabático para aprender, mesmo sem receber para isso, mesmo que a gente não seja uma estrela daquelas que os assessores conseguem que todas as revistas falem do seu período sabático e fazer com que pareça que todo mundo está interessado nisso. Não sou exibida, e de novo, não sou judia, sábado para mim é como domingo, ou sexta-feira, agora, mas sábado lembra mesmo folga, não é mesmo? Vem de tempos antigos, é da cultura que herdamos. Outra coisa em que penso: não sou jovem. Aos jovens, é permitido todo tipo de cabeçada, inexperiência ou desacerto. Não viveram ainda para saber de muita coisa, podem errar, e têm tempo para aprender. Quando a gente não é jovem, deve errar menos. Se não aprendeu, é porque é limitado ou não é sensível, ou então, quer errar mesmo. Erros também trazem vantagens na vida, sabia? Essa coisa de querer acertar sempre é até inconveniente e traz pouco lucro. Tenho todas essas limitações, tenho tido com frequência a sensação de ser uma casca de noz num oceano. Não que eu queira ser, nenhum homem é uma ilha, todo mundo precisa de amigos, nem que seja para fazer bem à saúde, que é o que a gente lê com frequência que a ciência já provou. Mas eu, que sou mulher, tenho tido vontade de aprender o que dizem que os homens têm, talvez até por inabilidade de administrar muitas situações ao mesmo tempo: separar tudo, cuidar de uma coisa só de cada vez, e não misturar tudo no mesmo saco de gatos como as mulheres costumam fazer, e por isso mesmo ficar muito, muito estressadas. E estressadas, às vezes lançam mão de todo tipo de defesa, até exagerada, acabando em ataques ou rasteiras, fuxicos, elocubrações, um perigo mesmo. O mundo masculino, pelo que observo, tem menos isso. É meio bruto, mas é mais explícito, mais corajoso, menos traiçoeiro. Já aprendi muita coisa que não me foi ensinada, por puro interesse: sei cozinhar sem ter aprendido, sei costurar sem nunca ter estudado, sei plantar, e já estou vendo que mesmo meio sem jeito, as plantas respondem quando a gente planta com amor. Tenho um pé de limão siciliano que é o meu mais recente orgulho. Queria que todo mundo soubesse tudo isso aí, o mundo seria mais igual, sem que umas pessoas dessem muito trabalho às outras, dando lugar a explorações, dependências, chantagens, manipulações. Já vi muita coisa no mundo para saber o que eu não quero mais ter por perto. Tenho sorte, não aprendi, nunca, a lidar com o que eu não quero para mim e para os outros, que eu sou até meio solitária, mas sou solidária, outra das minhas limitações, pois faz mais sucesso quem pensa: farinha pouca, meu pirão primeiro. Que se empanturrem de pirão, não estou nem aí. Mas sonho, e voto, por um mundo mais solidário, sem guetos, máfias ou patotas. Mais justo, que a minha cabeça é legal nesse sentido: sem informação privilegiada, sem cartas na manga, mas com oportunidades iguais. E ele caminha para isso, mesmo que embarrerem tanto. Mesmo que não chegue nunca lá, caminha para frente, sim. Nunca fui muito popular. Na escola, magricela de olhos e nariz grande, os apelidos iam de Pinóquio a Olívia Palito. Não me chateavam. Eu era querida pela minha mãe, e pelo meu pai também, e sendo assim, tudo que bate na gente já vem amortecido pela reserva de carinho, sejam apelidos, problemas de família, falta de dinheiro ou o que mais seja. E é o que a gente leva, para sempre, na vida, especialmente quando é na justa medida, porque quando é demais, estraga, e quando é assim a gente segue fazendo estrago. Uma pena. São demais os perigos dessa vida. Ninguém nasce sabendo, mas nasce com a obrigação de evoluir, é o que eu penso. E com direito a esperança de andar pra frente, sempre, para se aprimorar, até o fim. Uma casca de noz pode cruzar um oceano sem se quebrar, e sem alterar o seu DNA, mesmo passando por ambiente tão agressivo e inóspito. Não pode? Não? Bom, era o que eu pensava, e desavisada, já estou deixando para trás uma longa estrada vivendo assim...

terça-feira, 15 de maio de 2012

Eça

Caí há pouco tempo na armadilha de (re) ver um capítulo de Os Maias, a melhor coisa que a Globo já produziu na minha modesta opinião. Não vejo novelas, a última que vi foi Gabriela - há décadas - que não por acaso partia também de um bom e sólido texto. Nem por isso pretendo conferir a nova versão, mas passei a preferir o curto capítulo de Os Maias, que o canal Viva exibiu até outro dia, a qualquer outro programa. Para quem não viu, existe o DVD, mas não contém a versão completa que se viu na tela, por isso me empenhei tanto em ver até o fim. Quando a série estreou, peguei o livro durante um fim de semana inteiro e não desgrudei até terminar. Acho que nem uma produção mais medíocre conseguiria apagar o esplendor do Eça: riqueza, beleza, orgulho, preconceito, amor, paixão, frivolidade, leviandade, idealismo, cinismo, esperteza, dignidade e rigidez, histerismo religioso, ganância, amizade, o ser humano no seu melhor e no seu pior, está tudo retratado ali. Fatalidade aparecia para encobrir pecados justamente condenáveis. O atraso e a hipocrisia da sociedade de Lisboa, a desigualdade entre as classes - não havia castas como na Índia, e nem precisava... As convenções acima de tudo, o casamento – não a felicidade, o real afeto, não a harmonia da família, mas a defesa da família para preservar a riqueza. O casamento, o sacramento, a religião católica imperando como se ainda na Inquisição, a divisão esquizofrênica a que o catolicismo nos conduziu, a culpa, o peso da culpa. Mais devassidão e dissimulação do que culpa, afinal, não dá para sufocar o tempo todo a humanidade, mas a culpa, sempre ela, lá. E a exclusão, ainda mais presente. A nobreza ciente de sua supremacia, os serviçais servis, a superior autoridade masculina, clara e aceita. Só perdia para a força do dinheiro, essa, maior do que tudo desde que o mundo se organizou assim. Ufa, caminhamos, um passinho à frente o mundo deu. Mesmo assim, essa triste herança conseguiu estender seu peso até os nossos dias, aos meus dias, pelo menos. O longo, belo e trágico romance termina como uma ode à amizade, e assim não erra. É mesmo na amizade que o mundo consegue um pouco mais de igualdade e harmonia, acho que é nela que se encontra até com mais frequência o sentimento de fraternidade.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Uma mulher e uma obra



Ah, como é bom não acordar esbaforida às 7 da manhã para entregar a chave para algum pintor, pedreiro, marceneiro ou serralheiro. Não importa se você tem um arquiteto – tive dois, projetista e finalizador, mas no fim das contas, você percebe que além de pagar as contas, trabalha mais do que todo mundo na obra. E vai entrando num mundo que não suspeitava existir: além de enriquecer o vocabulário – sanefa, cremone, palmela - descobre até gente louca por obra, até que se percebe que são é loucos mesmo. Só pode ser. Tudo bem gostar de ver as coisas irem ficando bonitinhas, mas viver cercada de marmanjos dizendo educadamente: -“Bom dia, D.Vanda”, e me olhando com aquela cara de superioridade e pena! Um dia entrei na obra e tinha doze deles. Outro dia cheguei e me espantei de ver todos os splits ligados (e com as janelas abertas). Perguntei como tinham ligado, se os controles estavam comigo. Um simplesmente me olhou de cima do seu metro e oitenta, espichou o braço, e mostrou como era fácil alcançar. Mulher, baixinha e sem entender de obra, só me restava mesmo sofrer calada, porque a cada coisa que reclama que não está como deveria, é porque você não entende de obra. Foi assim desde o dia em que eu disse para um marceneiro: eu não entendo disso, quem tem que entender, e resolver, é você! Pronto. Passei a ser a tonta senhora que não entende de obra, e por isso não compreendia as más soluções que me apresentavam. Não sou técnica em nada, mas mulher e mais velha que todos ali, sei o que não funciona numa casa, e isso deve ser respeitado, mas a obra é uma corrida insana de obstáculos, e o que revolta é que não haveria necessidade. Se tivessem tido escola, ou uma escola um pouco melhor, se só se comprometessem a fazer o que dão conta e não todo trabalho que aparece se... Bem, dizem que um dia acaba, e é nessa esperança que você se agarra e consegue forças para suportar os sobressaltos de cada dia. Mas antes de acabar, ela acaba com a sua paciência, o seu orçamento, a sua coluna, o seu labirinto, em suma, acaba com você. O que é estranho é que você conversa com todo mundo que faz ou fez obra, nos mais variados esquemas, maiores ou menores, com maior ou menor infraestrutura, e os relatos são iguais, obra é igual à mãe, só muda o endereço! Dizem que o que resta de você até esquece o que passou. E eu sei, muita gente sonharia com isso, estou chorando de barriga cheia, até porque sobrevivi. Sobrevivi, mas ainda não esqueci. Acho que a pessoa mais desejável numa obra é o chaveiro, que coloca as fechaduras definitivas, com todo mundo do lado de fora. Tem sempre uma pequena pendência, descoberta a cada dia que passa, a te lembrar do pesadelo. Mas já dá para ver que há vida fora do caos. Lá no fundo, lamento o know-how desperdiçado, mas não me meto noutra.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Blá, blá, blá, blog, blog, blog



Uma amiga construiu uma casa na serra. Assustada com o buraco do ozônio, quis se proteger do derretimento das calotas polares.
Estava no paraíso, mas não levou um ano para desistir de morar ali. Questionada, respondeu: “O elemento humano lá é fraco”.
Lembro sempre dessa minha amiga quando entro no Facebook.
Sou blogueira há muitos anos, mas no Facebook entrei desconfiada. Cheguei a sair, mas voltei. Gosto muito do meu canto, mas sou voltada pro mundo, sossego não é isolamento. Queria acompanhar pessoas queridas que não tenho próximas, queria me comunicar. Muito menos que fuxicar ou colecionar “amigos”. Frugal, prefiro as notícias que me dão, e que gosto de dar. Procurar, só mesmo por profissão.
Queria partilhar o que tenho na cabeça e nas gavetas, para que não fique fechado por cá. Por isso resolvi espanar a poeira do meu blog, que só me dá alegrias. Outro dia li que blog é coisa do passado. Deve ser, porque eu também sou. Só sei que não me dei tão bem com o mundo sucinto. Minha curta exeriência no Twitter não vingou. Sei que são canais muito bons para divulgar, espalhar, arregimentar, sejam ideias ou produtos, isso nem se discute. Continuo no Face, mas tempo é coisa danada, difícil de ter para gastar e péssimo para conservar as coisas como são, à medida em que passa...
O tempo que se perde sem nem se dar conta, informações que você preferia não ter, as frases, as frases, ai,as frases! Parece que o FB nasceu para frases, se alimenta de frases, se Clarice fosse viva, teria que ser apresentada à maioria que ela assina por ali, e dá-lhe Veríssimo, Borges ou qualquer outro nome que dê peso e importância ao que quer que se escreva. Muitos tiveram a sorte de morrer antes, sendo assim poupados do desgosto de ver até que ponto chega a cara de pau alheia – para deixar barato. As frases substituíram os ditados e provérbios, mas esses, os que o tempo preservou, sobreviveram pela sabedoria que contêm, e essas frases, fresquinhas, que a gente vê todo dia, ainda não passaram pelo justo destino que um dia a maioria terá: o esquecimento.

Já ouvimos que o gibi ameaçava a boa literatura, a televisão seria o túmulo do cinema, o computador acabará com os livros de papel, e vemos que o que não acaba nunca são as profecias, mesmo que os profetas sejam falsos...
Amigos que gostam do meu blog não me poupam de cobranças e sugestões.
Cobram foco, objetividade, querem sucesso! Que não me entendam mal, eu não reclamaria se assim fosse, mas não foi o que eu mirei aqui.
Escrever pede dedicação, escrever bem demanda dedicação e talento.
É preciso pensar para escrever. Quando a gente escreve, passa a limpo o pensamento, e se aprimora. Vale o tempo que cobra.
Já as frases... as que batem com nossos sentimentos, ficarão. Gostei especialmente da "freudiana" ali de cima *. Respeito muito a diversidade e a liberdade de escolha e expressão, mas exercer nosso senso crítico não é apenas um direito, é um exercício muito aconselhável.

(*Antes de se diagnosticar com depressão e baixa auto-estima, esteja certo de que você não está, na verdade, cercado por idiotas).

domingo, 1 de janeiro de 2012

Ano Bom


Existem outros calendários,
nem todos celebram o ano novo hoje,
muitos acham que é pura convenção,
muitos se vestem de branco e soltam foguetes,
outros precisam molhar o pé na água salgada...
salve o que cada um acredita e o que nos diverte.
Eu acredito que novo mesmo é o que é vivo.
Viva a vida!
Salve 2012!