quinta-feira, 24 de março de 2011

Bastidores


O filme não é de agora, mas nem por isso menos atual, “Broadcast News”, que no Brasil se chamou “Nos Bastidores da Notícia”, não se abateu com o tempo, como costuma resistir o que é bom de verdade. Lembro de gostar quando foi lançado, mas gostei ainda mais dele quando revi agora, já muito mais alerta para o mundo da televisão, mais precisamente, o mundo do jornalismo na televisão.
O filme mostra o que promete o óbvio título em português, mas isso não garante que a mensagem seja recebida, porque lembro também, e já se vão mais de 20 anos, de ouvir muita gente da televisão real se atendo ao que o filme tem de mais evidente e explícito, como a tensão dos fechamentos, a correria nos corredores, a eficiência das moças... O meio por aqui não ajudou a mensagem, porque muitas vezes o que se busca, mesmo que com afinco e a todo custo, é ficar na superfície. Da tela, e daí para a vida, pode ser um passo.
Fui atrás do currículo do diretor que provou conhecer tão bem os intestinos da máquina de fazer doido (como já dizia Sérgio Porto, que sabia do que estava falando porque também fez televisão): James L. Brooks foi redator de notícias na CBS. Criou outra redação de muito sucesso na televisão, a da série Mary Tyler Moore. Foi indicado 47 vezes para o Emmy, ganhou 20! No cinema, de “Laços de Ternura” a “Melhor Impossível”, foi diretor, roteirista, produtor. Também foi ator em Saturday Night Live.
Não, com um currículo desses ele definitivamente não fez um filme para mostrar como se corre nos corredores da televisão, nem sobre como um bonitão que sabe evitar as dobras na camisa fica melhor na tela do que quem realmente sua a camisa. Esse tipo de competência é muito valorizada, e é compreensível que seja, num veículo em que a imagem é fundamental, mas não deveria merecer por si só uma fatia tão grande do bolo. Daí para a onipotência absoluta sem dar muita bola para conseqüências – a não ser as que ameacem salário tão compensador – é uma armadilha muito difícil de escapar. O filme faz uma observação a grandes desigualdades salariais, mas surpreendente para mim foi ver que injustiças e demissões em bloco também aconteciam em redações do primeiro mundo.
Efemero não significa e nem deveria resultar superficial, mas se o tempo é curto, e com pouco tempo para decidir, a escolha nem sempre contempla o que é mais importante, mas o que cabe e o que mais agradará. É preciso ser rápido, é preciso ser sucinto, e saber resumir preservando a essência é uma arte, e talento também exige tempo e determinação para se cultivar, não é fruto de geração espontânea. A rapidez do veículo passa às vezes como uma enxurrada e pode justificar de tudo, manipulação, vulgarização, apelação, já que acreditam que a padroeira da televisão é Santa Clara, mas a televisão comercial se ajoelha mesmo é diante dos preciosos números da audiência. E pelas razões mais variadas pode cometer o pecado de reinventar a verdade, decidindo pesos, medidas, desfechos. Ou se anula a verdade: se não cobriram, não aconteceu.
O veículo exige esforço intelectual, mas isso não quer dizer reflexão. Tem pouco lugar para ela, trata de números a televisão: é caro fazer televisão, televisão dá muito dinheiro, televisão paga salários altíssimos - mesmo que não seja para muitos. Mas um veículo de tão extraordinário alcance é uma ferramenta preciosa para informar e educar, e é esse o seu principal sentido, já que cobra um preço tão alto, o de tornar crianças e adultos passivos diante de um eletrodoméstico. Seu conteúdo deveria ser coisa quase sagrada, já que toma o lugar de um brinquedo que desenvolve a criatividade, ou de um livro que cultiva a imaginação.
O mundo tem tecnologia para saber em quantos centímetros um terremoto abala a terra. Mas acho que vai demorar a avaliar o quanto essa onda que já varre o mundo há décadas abalou o comportamento da humanidade.
Apesar do adiantado da hora, o choro é livre e esperança é de graça. Temos o controle, nem que seja remoto, do ritmo e do conteúdo da nossa vida. Tenho um pé no passado, gosto de História, mas ando determinada a exercitar o desapego. Mas não a ponto de passar por tudo tão de repente que não sinta saudades do que já passou. Afinal, estou usando aqui um blog, instrumento que foi moderno ontem mas já se anuncia obsoleto, o que é que a gente pode saber de tempo e de futuro? Mas espero viver devagar o suficiente para poder perceber, escolher e saborear o que tenho pela frente.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Palpite Infeliz ou O Brasil não é o país do Carnaval ou Vamos reprimir a alegria



Deu no jornal "O Dia":

“ Os blocos que não desfilaram neste Carnaval estarão fora no ano que vem. A Prefeitura só vai conceder autorização na proxima folia para quem foi à rua neste ano. O motivo é o excesso de público, que extrapolou, e muito, as expectativas. Eram esperadas 2,6 milhões de pessoas, mas comparecerem 4,8 milhões. A intenção é cortar pela metade a quantidade de foliões na Zona Sul - estavam previstas 744 mil pessoas, mas compareceu 1,5 milhão. Os blocos devem ser direcionados para outras regiões.

- Até os mais antigos podem sofrer com a redução do número de dias autorizados para o desfile. Os blocos que forem às ruas sem autorização serão penalizados.

- A prefeitura promete endurecer o jogo contra os mijões. A Secretaria da Ordem Pública pretende multar os foliões mal educados. Este ano, foram 777 mijões flagrados. “

Achei que cabia perguntar:

Como foi feito o cálculo de pessoas esperadas?
Quem calculou os banheiros? Foi baseado nesse cálculo furado aí de cima? Quantos foram?
Se o Brasil é o país do carnaval, se o Rio é a capital do samba, se investem em turismo por aqui, se antes do carnaval se apressam em divulgar quantos transatlântios aportarão por aqui nessa época trazendo tantos milhares de turistas, mais o turismo interno, mais os próprios cariocas, tão genuinamente carnavalescos, é caso de reprimir e tentar reduzir o espírito carnavalesco? Não seria o caso de adequar a administração à realidade?

Eu sugiro uma auditoria no carnaval. Com números, muitos números.

As cidades do hemisfério norte e do extremo sul conseguem administrar nevascas e outras intempéries e nós não conseguimos administrar foliões? Eu só queria entender.
E lamentar a falta de um FEBEAPÁ – Festival de Besteiras que Assola o País – do Stanislaw Ponte Preta/Sérgio Porto, de um “O Pasquim” e de um jornalismo mais informativo, reflexivo e crítico.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Quarta-feira


Carioca tem o samba no sangue. Nem todos, é certo, mas uma rápida olhada só na lista e no tamanho dos blocos de rua que a prefeitura deixou sair esse ano me permite a generalização. Eu falei carioca. Talvez baiano também. Não sei o que aconteceu com os africanos que aportaram nos cafezais paulistas, só sei que lá não se faz samba como aqui. Nem acho razoável ter sambódromos espalhados pelo país afora, se é que algum pode ser considerado razoável.
Vi coisas estranhas nesse carnaval, entre um samba e outro. Entre elas uma apresentadora loura, surfando nessas ondas que se espalham na rede e batem na nossa caixa, caindo de pau no carnaval, nos recursos e no dinheiro que se gasta com o carnaval, na ilusão do dinheiro que não se ganha, com uma autoridade que me deixou com medo de ter pesadelo de noite. Esconjuro.
Dá problema uma explosão dessas nas cidades que por si só já são um problema? Dá. Quem tem culpa da imundície nas ruas? É só olhar a fila gigantesca que se forma diante de um banheiro químico e desconfiar que a culpa é menos dos porcalhões - que existem, é vero - do que de quem se arvora a administrar uma cidade grande e turística como o Rio. Isso sim, brincadeira de mau gosto. Ainda hei de ver uma loura enfezada na televisão espinafrando quem faz a conta dos banheiros que julgam suficientes. E não é só no carnaval. Turista tem por aqui o ano todo, e precisa de banheiro. Turista, ciclista, passante, passista, todo mundo precisa de banheiro. Várias vezes por dia, todo dia do ano. Também falava de gravidez indesejada, sexo irresponsável. Será que ela defenderia assim o direito das mulheres de fazer aborto? Sei não...
Eu não gosto de cidade suja, do engarrafamento que os blocos provocam. Nem de desperdício de dinheiro público. Tudo isso tem solução, honesta e racional, mas a culpa é do carnaval!
Acho que até fascismo tem limite – zero, de preferência.
Não entendo de economia, nem de samba entendo, só gosto, e muito. Eu e a torcida do Flamengo. Já de louras, há controvérsias, inclusive no Flamengo.
Outro artigo que me chega fala contra a ditadura da felicidade. Não quis ler e não gostei, porque detesto quem assina o dito artigo, embora saiba que ele não escreve mal. Eu mesma tinha começado a escrever outro dia que não é obrigatório ser feliz. Ainda bem que abandonei. Estou preferindo pensar que dever ser permitido ser alegre.
Andando na Lagoa hoje, numa bela manhã de quarta-feira de cinzas, assistindo a um quase engarrafamento de helicópteros chegando – volta do feriado? fiquei pensando no que não tem explicação. Não quero entender de nada, nem ter segurança de coisa alguma que eu tenha que decorar e que corra o risco de agradar ao patrão.
Só queria dar aqui o meu singelo porém honesto testemunho: acordei no sábado com a garganta doendo, alérgica, vinda de um mês com um resfriado crônico alimentado por ar condicionado e poeira de obra por todos os lados. Peguei umas quatro horas de chuva entre concentração e desfile, carreguei uma fantasia pesada, programa pra índio nenhum botar defeito, daqueles que por dinheiro nenhum a gente faz, só faz de graça, por pura diversão. E só.
Achei que ia baixar hospital. Baixei? Não, acordei ótima e repeti a dose ontem, mesmo tendo jurado que seria a última vez. Meus juramentos não valem nada, mas samba cura, eu juro. E deixo aqui meu oferecimento como voluntária para alguma pesquisa científica que explique esse mistério, desde que não seja para condenar o samba nem a alegria. Já para provar que cabelo louro pode fazer mal aos neurônios se não tomar muito cuidado, bem...