quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

TOC, TOC, TOC



Penso que meio mundo tem um pouco de TOC, ou será que eu penso isso porque eu devo ter? Acho que a era digital acentuou essa síndorme, porque agora, quando você olha o relógio e vê 1:11, ou 2:22, vai me dizer que não acha que isso quer dizer alguma coisa, ou se sente compelida a fazer um desejo, só porque olhou no relógio naquela hora e não às 3:34! Não? Então eu tenho mesmo TOC.
Eu seria o paraíso dos numerólogos, se me dispusesse a procurar algum. Não vou, fiquei decepcionada quando recebi umas informações prêt-a-porter não solicitadas em que, entre outras coisas, condenavam o número quatro. Tinha acabado de voltar da China e lá me contaram que o estigma do número quatro se devia ao fato da pronúncia desse algarismo em chinês ser muito parecida com a da palavra morte. Da mesma forma com que os números de telefones com muitos números oito eram valorizados, pela energia circulante, os com quatro não eram aceitos, pelo mesmo motivo que muitos prédios não tem o quarto andar. Não é coisa de chinês, é coisa universal, pois em Nova York o andar que costumam suprimir em muitos prédios é o 13º.
Sendo assim, por que é que no Brasil, onde falamos português, o quatro também seria estigmatizado?
Não vou generalizar, melhor deixar os numerólogos ganharem seu dinheiro em paz, mas quando vejo uma letra indevidamente dobrada em algum nome, agredindo o idioma, fico injuriada. E lembro sempre da Lady Francisco que virou Franciscus. Será que a vida dela ficou mais alegre depois disso? Nunca saberei. Só sei que esse numerólogo que me chegou por meio de sua assessoria adiantava que se você morasse num apartamento em que a soma dos números do seu prédio e seu apartamento resultasse em quatro, melhor se mudar. Moro num assim há trinta anos, o que fazer? E arranjei um novo endereço em que a soma, da mesma maneira, é treze, e reduzindo com se faz, o resultado é...quatro!
Concluindo: não vou mudar meu nome para Wanda com W, fui feliz aqui e e serei feliz lá também (e que os chineses não me ouçam!)

domingo, 20 de novembro de 2011

De Cinema



Ontem revi o filme mais delicado e emocionante entre todos os que já vi. Gosto é mesmo pessoal, mas achei que não custava lembrar, já que não foi um sucesso retumbante, para quem não viu, embora rever seja até melhor: Finding Neverland – aqui, Em Busca da Terra do Nunca. Merecia todos os prêmios, se os prêmios fossem mesmo de quem merece ganhar. Com Johnny Depp, ainda mais que perfeito.
Não saberia dizer se gosto do meu nome, mas tenho uma alegria extra com essa história por Vanda ser uma versão de Wendy, e pensando nisso me dei conta de que a minha mãe acreditava, de verdade, em Neverland. Poderia ser uma fuga pelos deveres do mundo adulto, real e adverso, mas não, era por temperamento e imaginação, que ela conservou até o fim. Sonhar às vezes custa, sim, mas quem nasce com o dom de sonhar não escolhe, vai ser sempre iluminado.
Indo para o outro extremo, tinha visto na véspera um filme semi-documentário daqueles que jornalista gosta, mas que a maioria não deve conhecer, afinal, The Phenix City Story é de 1955, mas foi lançado em DVD na coleção Film Noir. Espanta ver no Alabama uma cidade com a barra pesada tão conhecida de quem vive no terceiro mundo, com toda a sorte de crimes sórdidos e truculentos, assassinatos, jogatina, lei do mais forte imperando, polícia comprada e conivente, até que aparece gente com coragem para botar pra quebrar, não revidando, mas com cabeça e sangue frio para conseguir impor a lei e a justiça. Não é só um discurso bom, é um filme bom, e apesar do contexto violento, também fala de sonho – nu e cru, mas carregado de idealismo. Sonho de verdade não é fuga, é escolha, e sempre demanda coragem. Coisa que a gente tem mais quando é jovem, mas mesmo muito cansada como ando agora, acho que existem uma frestas, umas brechas, uns fachos de luz para quem procura, mas é preciso acreditar no Peter Pan... saber, a gente nunca sabe, a questão é acreditar mesmo.

domingo, 16 de outubro de 2011

O outro tronco do ipê


“Quando precisar de alguma coisa, peça a uma pessoa bem ocupada”, ouvia da minha tia, que ouvia da tia dela essa frase carregada de razão.
Não me lembro de viver antes uma época em que eu só conseguisse me sentar para tomar fôlego e me levantar de novo para dar conta de um a interminável lista de tarefas.
Nada de mais, sou jornalista, sou mãe - de filha criada, mas mãe é sempre mãe - dona de casa e hiperativa.
Além disso, cuido de uma obra, o que atualmente, nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, garante um lugar no céu, para quem tem fé, ou num manicômio, quase uma certeza. No meu caso, já renderia um livro equivalente ao Inferno de Dante.
Sou também vizinha de um terreno onde começaram uma obra, outra, da qual eu não cuido, só acompanho alerta, cuida dela uma construtora que parece ter como norma ignorar árvores em seus projetos, mesmo que elas existam há décadas, todas plantadas bem rentes aos muros, tanto as do terreno vizinho ao meu quanto a mangueira que ameaçam derrubar no Leblon. Seria muito simples incluí-las no projeto, mas se a vizinhança não grita, elas vão abaixo, como foram um pé de jasmim-manga e muitas palmeiras, “árvores ornamentais”, e por serem assim "consideradas" puderam ser derrubadas, da mesma forma que uma valente jabuticabeira, que tinha poucas raizes, já que fora plantada em cima da garagem da finada casa e se mantinha frondosa e carregada de frutos mesmo contando com pouco mais de um palmo de terra.
O desfecho de uma batalha envolvendo Associação de Moradores, autoridades encarregadas, fotos na mídia impressa e em abaixo-assinados nas portarias dos prédios mostrou que a luta não foi inglória.
Exigiu, além de trabalho e esforço, paciência para ouvir bobagens de vizinhos até então insuspeitos: - ah, tanto faz se derrubarem as árvores! Nossa, mas aqui já tem tanta árvore, pra quê mais uma? Ouvi isso de uma loura figura ao passar pelo tronco do ipê, transplantado para a praça aqui ao lado. Se travassem grandes e nobres lutas, eu ainda entenderia, pessoas perdem suas casas pelos mais variados descasos e desmandos, e nesse caso árvores não teriam tanta importância, mas não é por isso que desdenham a questão das árvores, é apenas o ser humano em seu pior momento, só conseguem alcançar a suspeição de que brigar pode prejudicar heranças ou poderosas construtoras. Vimos isso acontecer no terreno em frente, onde o velho proprietário, antes que fosse tarde, providenciou o tombamento ( no bom sentido) de todas as árvores existentes, o que obrigou a construtora a reduzir seus planos e subir ali um prédio um pouco mais civilizado.
O ipê não é nem de longe a majestosa árvore que foi, com a altura de oito andares, podado e desbastado para poder ser transportado, e não foi tarefa fácil, mas a construtora se curvou e se desencumbiu da transferência que a lei determinou com bastante competência. As duas jabuticabeiras sobreviventes já estão brotando novamente, transplantadas no prédio em frente, foram bem-vindas, já que tinham poucas raízes e não danificariam os canos que passam sob o jardim.
Existem grandes e pequenas lutas, variam com as oportunidades, coragem e sonhos. Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. Acho que não se deve fugir à luta, mas cada um sabe de si. Se elas mudam a paisagem, podem mudar um país e mudar o mundo.
Difícil mesmo/
é mudar/
uma pessoa.



domingo, 28 de agosto de 2011

Essência



Dia desses vi uma entrevista ótima com a Bibi Ferreira, em que ela foi perguntada sobre seus cinco casamentos – ela achava que foram só quatro, a Bianca Ramoneda informou que eram mesmo cinco, e a propósito disso a Bibi comentou que se soubesse que todos são iguais, ficava só no primeiro, já que todos foram rigorosamente iguais.
Dizem que nossa memória retém o que encontra eco em nós, vai de encontro ao que a gente pensa, pisa em algum calo ou na faca cravada no peito que, quando a gente sente, trata de acomodar novamente para continuar vivendo.
Em mim, o comentário bateu numa ponta de desânimo que me assalta de vez em quando e eu pergunto: pra quê tudo isso? Vale à pena o esforço, a confusão, o sofrimento que a gente causa ou experimenta, só para tentar avançar um pouquinho, melhorar um pouquinho, descobrir alguma coisa boa e nova? Já abandonei muitos textos pensando nisso. Pra quê escrever?
A História tem mostrado: o destino da humanidade é tentar descobrir a pólvora, nos dois sentidos, o verdadeiro e o irônico. Tudo é cíclico, vai e volta, o que muda mais é o tempo que a volta dá. O novo nos empurra pra frente, mesmo que nem sempre para melhor.
A antiga diarista da minha filha, falando com ela sobre a nova, perguntou: ela gosta de passar roupa? Se gosta, não é boa de faxina. Esperta filosofia. Temos fórmulas conhecidas, seguimos padrões, muita coisa a gente já sabe antes mesmo de comprovar. Ao longo da vida, a gente vai reconhecendo os modelos.
Somos milhões, ou bilhões. Podemos ser previsíveis, mas não somos tão iguais, ou não haveria tanta guerra, ou talvez até houvesse mais e não existiria ninguém mais vivo na Terra, porque quem aguenta um igual?
Temos sutis diferenças, e salve a sutileza e a diferença! Somos iguais a nós mesmos, nossa visão crítica (e nossos medos) é especialmente a dos nossos próprios defeitos.
Volto para o fio da questão existencial, o sentido da vida, e o que faz sentido na vida. Eu, desconfio até que nem para adubo servimos, mas estamos aqui, e a vida tem mesmo muita coisa boa, como a média com pão quentinho e manteiga que tomei hoje na padaria. Mesmo com as notícias da banca em frente estampadas nos jornais.
Escolhas e expectativas também variam, não só a de vida. Tudo ali no DNA. Um amigo, bem posto na vida, sócio do Country e cioso de tudo de bom que a vida pode oferecer, era amigo de um primo meu, que nunca trabalhou e vivia modestamente com o que herdou, e satisfeito.
O espanto do meu amigo não era com a “sorte” ou - para mim, misteriosa - escolha de não trabalhar e conseguir mais da vida, mas sim com a desambição do meu primo, e observou: ele não era bicão! Não estava nem aí para bocas livres!
Ele não entendia o espírito desprendido e às vezes bem desajuizado, recorrente em boa parte da família, mas eu entendo o espanto dele, porque é quase uma regra: quanto mais se tem, mais se quer, com a tendência de achar muito natural ter direito a tudo e mais um pouco.
Acho que estamos aqui para viver o melhor que pudermos, não complicar, viver e deixar viver, porque o inferno dos outros é também o nosso inferno.
Aprendi algumas coisas na vida. Temos que cuidar do nosso - mesmo se pequeno - espaço. Eu busco beleza, paz, equilíbrio e alegria.
Procurar com a maior calma e clareza possíveis a melhor escolha ou direção, em harmonia com o que está ao nosso redor e a maior generosidade que se conseguir ter com os outros e conosco mesmo. Cuidar do cotovelo, contra a dor e a psoríase. Saber analisar nossas reais possibilidades, sonhar sim, mas querer o impossível é caminho curto para a infelicidade.
Já a fórmula para conseguir isso, aí são outros quinhentos...


Floradas na serra - orquídeas e manacás

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Preto e branco


A cerimônia que nesta noite se deu na sede da General Severiano foi para reverenciar os fundadores, representados por seus descendentes. Não fui à homenagem, guardei o convite, e não os reverencio menos por isso!
O Botafogo para mim não é só um retrato na parede.
É uma onda de afeto pelo meu pai e pelo padrinho querido, pelos outros tios e tias que jogaram e torceram durante todas as suas vidas, o respeito pelo entusiasmo e a admiração deles por terem tido, por sua vez, pai e tios fundadores de um clube que cresceu tanto e vai tão longe, muito além da vida que já se foi e dos campos em que correram e suaram a estrelada e tão idolatrada camisa.
Entendo de verdade os corações sinceros que ainda batem por isso. Entendo quando passam essa paixão espontâneamente para os filhos. Só não entendo quando ouço alguém, volta e meia, se referindo ao Botafogo: “- Um time de elite!” A gente sabe o que a "elite" fez e faz nesse país há quinhentos anos, eles não sabem o que dizem! Mas desejos são desejos muito além da nossa vã compreensão, e não se pode esperar que quem se assume ou se quer elite vá se olhar com olhar crítico. Ou vá querer saber que existe uma diferença entre ser privilegiado e ser superior, e aqui me refiro a superioridades admiráveis: talento, inteligência, generosidade, humanidade. E também um bom time, que jogue um bom futebol, por que não?
Já para ser privilegiado e disso se orgulhar, é preciso acreditar que nobres eram ungidos por Deus, e acreditar também em Deus, para começo de conversa. Achar muito natural ter acesso à escola, e tão natural quanto, que outros não tivessem, sem que aí coubesse qualquer questionamento. Isso eu não quero e nem entendo. Também não entendo a grande confusão que pode causar uma cor quando deixa de ser branca e vira vermelha! Sobre cor da pele, melhor não falar. Houve um tempo em que se podia jogar num clube mas não se podia entrar nesse clube pela porta social. Houve um tempo. A vida, como uma bola, não é estática.
Cresci ouvindo louvores e glórias sobre minha família paterna, uma família com barão, baronesa, senador, governador, ministro. Acredito na boa índole familiar, e dela temos queridos exemplos, e é com eles que fico, porque não fui testemunha ocular da História, e sabemos muito bem que a História depende de quem conta e escreve. Fico, portanto com o carinho que se encerra em nosso peito.


Augusto, meu pai


Maninho, meu tio e padrinho

quarta-feira, 27 de julho de 2011


“É que sinto falta de um silêncio.

Eu era silenciosa. E agora

me comunico, mesmo sem falar.

Mas falta uma coisa.

E vou tê-la.

É uma espécie de liberdade,

Sem pedir licença a ninguém.”

Clarice Lispector

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Humaitá – o que será


Pessoas têm humores, num dia estão tristes e noutros não, algumas acordam tristes num dia e noutros também, outras não ficam tristes nunca. Isso é normal, mas eu me sinto sempre o oposto de uma ciência exata. Não estou à procura de um diagnóstico, acho que venceu meu prazo de validade para investigar questões internas. Seja o que for, é isso. Foi o que se pode arranjar. E enquanto viver, terei sempre uma crise de identidade por perto.
A que mais me embaraça é ter que responder por que time eu torço. Eu realmente torço, para mais de um, e essa questão não será resolvida. Outras me confundem mais, mas aí a gente deixa de lado. Já entendi que há uma diferença entre coragem e loucura, só que acho muito difícil dizer o lugar certinho onde passa essa linha.
Vivo numa encruzilhada entre Lagoa, Humaitá e Jardim Botânico. Oficialmente é Lagoa, mas bem perto, no largo do Humaitá, chamado Largo dos Leões, tem uma loja que vende capas de almofadas bordadas com as características de cada bairro. São lindas, e tive que comprar as três: Lagoa, Jardim Botânico, Humaitá. Levei também Santa Tereza porque talvez eu não dê três pulos em rumo, como dizem em Minas, um pouco longe daqui.
Passei um bom tempo conversando com minha querida tia Mariazinha, procurando saber melhor de onde eu vim. A gente só se interessa pelo passado depois de passado um tempo na vida. Ela mora no Humaitá, ando muito por lá, e me contou um dia onde era a casa em que minha mãe morava quando se casou com o irmão dela, meu pai. Hoje existe lá um grande prédio, justo onde, por total acaso, tenho cruzado a rua todos os dias. Mesmo sem muito rumo, parece que não me perco.
E de tanto que eu sempre gostei de procurar, comecei há muito uma coleção de dicionários, e num de tupi-português fui procurar a tradução do nome – há controvérsias, mas tem sempre uma pedra no meio dos nomes indígenas que procuro, ou é dura, ou é preta, ou é podre, ou “a que agora é negra”, como dizem que quer dizer Humaitá. Devia ser uma grande pedreira a vida dos índios brasileiros, mesmo antes da devastação portuguesa.
Família, energia, alento, caminhos. Temos que pelo menos tentar escolher os nossos, até mesmo sem saber direito onde vão dar.


Ontem

Hoje

sábado, 9 de julho de 2011

Em algum lugar


Vi, com tédio seguido de desconforto, o filme da Sofia Coppola, Somewhere, que aqui se chamou Um lugar qualquer - e acho que a tradução melhor seria Em algum lugar (mais uma vez, perdidos na tradução). Suspeito que era mesmo com tédio e desconforto que ela queria lidar, o que para mim ela fez com mais pretensão do que talento. Trata de uma vida ociosa e blasé, garantida pela fama de ator do personagem, inexplicável e rapidamente adquirida, como aliás sabemos que hoje acontece bastante, e até bem perto de nós. Para quê? A reflexão e o conteúdo crítico ficam por nossa conta, depois do filme encerrado, mas ele não me pareceu suficientemente poderoso para crescer como muitos filmes crescem bem depois de assistidos.
Fico com seu outro filme, Encontros e Desencontros (Lost in Translation), não só pelos belos olhos com que olho para o Japão, mas pelo conteúdo de humor e humanidade que se percebe ali.
Relações impessoais, sem particularidade ou consequência, tempos vazios, vida tediosa – tudo muito moderno, e tudo muito demais para quem vem de outro século, e não exatamente do final dele. O precário ator personificado no filme tem tudo a seus pés e se o filme não questiona isso, mostra que tudo cabe perfeitamente nesse estranho mundo. A única demonstração de sentimento vem da criança, os adultos ali não se salvam.
Minha geração sofreu com excesso de laços e compromissos, travas, culpas e exigências, e ainda não se desvencilhou por completo, que o movimento das pessoas dentro delas é mais lento que o da Terra e mais lento do que seus ligeiros meios de comunicação costumam apregoar. Tem que nascer de novo a cada dia. Mas tudo o que se conseguiu caminhar não foi para chegar à direção oposta. Liberdade não é ausência nem negação.
Perdida na minha própria tradução, ando com pouca vontade de falar das outras. E abandono o impulso tão caro, mas sempre tão fácil, de escrever, muitas vezes por descompasso com o nome que dei a esse espaço. Mas sei que o eixo do mundo não é o que a diretora Sofia mostra ali. Há esperança, em algum lugar.

domingo, 12 de junho de 2011

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Vi com tristeza a implosão da antiga fábrica da Brahma no Centro do Rio, para ampliação das arquibancadas do sambódromo. Era tombada, foi destombada para poder ruir. A Ambev pagou, aos cofres públicos nada custou, e era fundamental, segundo quem decidiu. Já foi fundamental em pé um dia, já que um dia foi tombada.
Antes ainda, abrigou fumaça na longa e típica chaminé, e apitos, como a outra fábrica que Noel imortalizou. Mas além da expansão dos ingressos para o samba, teremos ali nos Jogos Olímpicos competições de tiro com arco, portanto era indiscutível.
No pé da notícia, e tenho visto e dado poucas nos últimos tempos, mergulhada que ando em concreto e dissabores concretos, moradores desalojados se lamentam. Imóveis desapropriados e mal pagos forçarão certamente uma mudança para longe. Não saberemos se houve justiça ali.
Implodir vidas, planos e sonhos não demanda tecnologia, apenas a mistura de ingredientes do que a humanidade tem de pior: uma boa dose de insensibilidade, uma pitada de avareza, ganância, desrespeito, desonestidade quem sabe?
Em outros casos, um erro de cálculo, uma avaliação mal feita...
O que vale a vida e o que vale na vida?
Os problemas concretos básicos fundamentais e prementes vêm antes, é claro. Os outros ficam menos à flor da pele, temos camadas, como as que vão se sobrepondo em uma cidade que caminha.
Tristeza, nostalgia, destruição, impossibilidade, contrariedade, lamento.
Leite derramado.

terça-feira, 19 de abril de 2011

O samba mandou me chamar


Carioca da Zona Sul não conhece a Zona Norte, e não será de metrô que conhecerá, se ouvir o que a mídia e os motoristas de taxi da cidade dizem sobre o metrô do Rio (seriam isentos?) Na contramão do que acabei de citar, peguei o metrô no sábado à noite, para o lado que vê o Cristo de costas. Meu destino ia além da estação terminal - a Pavuna - para onde só mesmo um bom samba me levaria por livre e espontânea vontade. O samba histórico do Almirante, que imortalizou o bairro dessa estação, não foi a única lembrança que me veio ao longo da viagem - Botafogo, Flamengo, Largo do Machado, Catete, Glória, Cinelândia, Carioca, Uruguaiana, Presidente Vargas, Central, Cidade Nova, São Cristóvão, Maracanã, Triagem, Maria da Graça, Nova América/Del Castilho, Inhaúma, Engenho da Rainha, Thomaz Coelho, Vicente de Carvalho, Irajá, Colégio, Coelho Neto, Acari/Fazenda Botafogo, Engenheiro Rubens Paiva, Pavuna. Conheço metade delas, da outra metade, em cada nome, alguma referência.
Estive uma vez na casa do Engenheiro Rubens Paiva, que hoje batiza uma estação. Eu era adolescente e a casa, muito longe dali, era no Leblon, numa festa de aniversário em que não se poderia imaginar o destino trágico que a covarde ditadura militar lhe reservaria.
Estive em Del Castilho com a minha filha, em tempos já mais alegres, atrás de alguma coisa que só tinha numa loja daquele shopping, e lembro de passar por um Rio rural, verdinho, e minha filha brincar comigo, dizendo que eu já ia querer morar em Maria da Graça.
Por ali foi o trem entrando pelo túnel do tempo, nessa viagem que não tinha nada a ver com as recomendações que me fizeram, meninas no vagão voltavam para casa brincando de adedanha com os pais, eu estava sozinha mas não me senti sozinha, porque o clima era quase interiorano. As áreas externas do trajeto são coalhadas de luzes no escuro, não se vê bem à noite as grandes favelas que os trilhos atravessam. Minha vida foi voltando para trás, à medida em que o trem avançava. Estive em muitos trens pela vida afora, mas esse acabou me levando para o trem que eu via passar em Itaipava, que agora só existe na minha memória de infância. Tinha ficado triste durante o dia, pensando no rumo que a vida toma, deve ter sido isso.

O destino era um show em comemoração aos 20 anos da Casa da Cultura de São João de Meriti, na Praça da Prefeitura, e a recomendação era não sair do metrô até que chegasse o meu resgate para lá. Enquanto esperava, fiquei olhando as levas de gente que chegavam nos trens seguintes. A moda propriamente dita não era tão diferente por lá, embora o resultado fosse. Jeans hoje uniformiza bastante, mas o jeito de usar, de não se incomodar com o que sobra fora das peças, sempre muito justas, difere um pouco. Muitas cabeleiras louras e alisadas. Pensei que o que provoca mais contraste do que o poder aquisitivo é a cultura, portanto, o contraste poderia ser menor, mesmo vivendo a realidade do mundo capitalista – não fosse o nosso capitalismo mais selvagem do que os olhos com que a Zona Sul do Rio vê a Baixada Fluminense.
Mal vi São João, mas me disseram lá que foi melhor assim... Não é um lugar bonito, é certo, e me veio um impluso de baixar ali com um caminhão de mudas para plantar árvores em cada esquina. Isso já faria uma enorme diferença em pouco tempo. Mas não será o atual prefeito que fará isso: ele administra o que é a maior densidade demográfica do país - e talvez das Américas - com 93 por cento de rejeição. Fiquei pensando na explicação para a triste sina da cena política do Estado do Rio de Janeiro, há tantas décadas, com tão escassas exceções.

Mas eu ia de encontro à mais pura alegria, e foi mesmo alegre o show na praça. Alegre e retumbante. De onde eu estava, de cara para o palco, as potentes caixas de som estouraram todas as minhas tentativas de gravação, não valeram os registros, mas soube ali que foi em São João de Meriti que viveu João Cândido Felisberto, o Almirante Negro, muito homenageado.
A viagem de trem foi curta, o show foi curto, como a vida é curta. Curta! É o que eu espero ainda aprender a fazer. Já tenho a filha que quis. Não fiz um livro, mas escrevo aqui o que me apraz. Posso não conseguir plantar as árvores que eu sinceramente gostaria de plantar, mas decidi ter um jardim, e vou conseguir. Já encontrei ali um pinheiro, e quem sabe as raízes dos futuros canteiros vão me ensinar a plantar as minhas próprias raízes, em paz com a régua e o compasso que a vida generosamente me deu.


terça-feira, 12 de abril de 2011

Degenerar



O lugar que me coube na profissão que escolhi me poupa de lidar obrigatoriamente com grandes tragédias. Sou jornalista, no entanto, e essa é daquelas profissões que entram na corrente sanguínea, difícil calar ou segurar o teclado diante de uma notícia.
Sendo mãe, não posso imaginar dor maior do que perder um filho. Já ficamos agredidos e abalados apenas em saber que outras pessoas passam por sofrimento tão grande. Por isso admito que o desagrado e a rejeição que costumam provocar em mim a exposição do sofrimento não sirvam de parâmetro para medir a intensidade da cobertura de crimes e tragédias como a que aconteceu em Realengo. Críticar a cobertura pode parecer, para quem tem que lidar com notícias muito chocantes e tristes, injusto e até ofensivo, mesmo que não fosse parte da nossa cultura uma especial aversão a críticas. O que eu considero uma de nossas desventuras, porque crítica, bem como sofrimento – excluindo é claro as exceções traumatizantes - costumam proporcionar crescimento e evolução.
A minha primeira reação é a de respeito pelo sofrimento alheio. A única justificativa para expor pessoas que sofrem é denunciar injustiças, no sentido de que sejam punidas para evitar sua repetição. Aí eu penso: o que move uma cobertura é sempre a procura das causas?
É evidente que se fosse possível prever e antecipar um assassinato, não haveria assassinos. Mas da mesma forma que para se criar uma criança é preciso uma rede em volta dela, uma sociedade empenhada em protegê-la, detetar um psicopata, impedir que ele tenha acesso a uma arma, entre num lugar cheio de crianças indefesas e promova um massacre deveriam também ser tarefa de uma sociedade. Um doente mental é responsabilidade – embora seja uma difícil e triste tarefa – da família e também do estado. Um vizinho problemático pode ser detetado por um gesto de interesse ou ajudado por um gesto de carinho. Os problemas que temos aqui não vieram de Marte. O que é estranho também é humano, na medida em que faz parte da Humanidade, e o que me choca, na verdade, é constatar sempre o choque apenas em situações extremas. Não se trata de procurar culpas depois do leite derramado, mas muita coisa poderia ser evitada, sim, e com ajuda da mídia. Não, não tem perdão. Eu esperava da minha profissão um pouco mais de coração e massa cinzenta do que o que podemos procurar – até cansar - num megafone.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Bastidores


O filme não é de agora, mas nem por isso menos atual, “Broadcast News”, que no Brasil se chamou “Nos Bastidores da Notícia”, não se abateu com o tempo, como costuma resistir o que é bom de verdade. Lembro de gostar quando foi lançado, mas gostei ainda mais dele quando revi agora, já muito mais alerta para o mundo da televisão, mais precisamente, o mundo do jornalismo na televisão.
O filme mostra o que promete o óbvio título em português, mas isso não garante que a mensagem seja recebida, porque lembro também, e já se vão mais de 20 anos, de ouvir muita gente da televisão real se atendo ao que o filme tem de mais evidente e explícito, como a tensão dos fechamentos, a correria nos corredores, a eficiência das moças... O meio por aqui não ajudou a mensagem, porque muitas vezes o que se busca, mesmo que com afinco e a todo custo, é ficar na superfície. Da tela, e daí para a vida, pode ser um passo.
Fui atrás do currículo do diretor que provou conhecer tão bem os intestinos da máquina de fazer doido (como já dizia Sérgio Porto, que sabia do que estava falando porque também fez televisão): James L. Brooks foi redator de notícias na CBS. Criou outra redação de muito sucesso na televisão, a da série Mary Tyler Moore. Foi indicado 47 vezes para o Emmy, ganhou 20! No cinema, de “Laços de Ternura” a “Melhor Impossível”, foi diretor, roteirista, produtor. Também foi ator em Saturday Night Live.
Não, com um currículo desses ele definitivamente não fez um filme para mostrar como se corre nos corredores da televisão, nem sobre como um bonitão que sabe evitar as dobras na camisa fica melhor na tela do que quem realmente sua a camisa. Esse tipo de competência é muito valorizada, e é compreensível que seja, num veículo em que a imagem é fundamental, mas não deveria merecer por si só uma fatia tão grande do bolo. Daí para a onipotência absoluta sem dar muita bola para conseqüências – a não ser as que ameacem salário tão compensador – é uma armadilha muito difícil de escapar. O filme faz uma observação a grandes desigualdades salariais, mas surpreendente para mim foi ver que injustiças e demissões em bloco também aconteciam em redações do primeiro mundo.
Efemero não significa e nem deveria resultar superficial, mas se o tempo é curto, e com pouco tempo para decidir, a escolha nem sempre contempla o que é mais importante, mas o que cabe e o que mais agradará. É preciso ser rápido, é preciso ser sucinto, e saber resumir preservando a essência é uma arte, e talento também exige tempo e determinação para se cultivar, não é fruto de geração espontânea. A rapidez do veículo passa às vezes como uma enxurrada e pode justificar de tudo, manipulação, vulgarização, apelação, já que acreditam que a padroeira da televisão é Santa Clara, mas a televisão comercial se ajoelha mesmo é diante dos preciosos números da audiência. E pelas razões mais variadas pode cometer o pecado de reinventar a verdade, decidindo pesos, medidas, desfechos. Ou se anula a verdade: se não cobriram, não aconteceu.
O veículo exige esforço intelectual, mas isso não quer dizer reflexão. Tem pouco lugar para ela, trata de números a televisão: é caro fazer televisão, televisão dá muito dinheiro, televisão paga salários altíssimos - mesmo que não seja para muitos. Mas um veículo de tão extraordinário alcance é uma ferramenta preciosa para informar e educar, e é esse o seu principal sentido, já que cobra um preço tão alto, o de tornar crianças e adultos passivos diante de um eletrodoméstico. Seu conteúdo deveria ser coisa quase sagrada, já que toma o lugar de um brinquedo que desenvolve a criatividade, ou de um livro que cultiva a imaginação.
O mundo tem tecnologia para saber em quantos centímetros um terremoto abala a terra. Mas acho que vai demorar a avaliar o quanto essa onda que já varre o mundo há décadas abalou o comportamento da humanidade.
Apesar do adiantado da hora, o choro é livre e esperança é de graça. Temos o controle, nem que seja remoto, do ritmo e do conteúdo da nossa vida. Tenho um pé no passado, gosto de História, mas ando determinada a exercitar o desapego. Mas não a ponto de passar por tudo tão de repente que não sinta saudades do que já passou. Afinal, estou usando aqui um blog, instrumento que foi moderno ontem mas já se anuncia obsoleto, o que é que a gente pode saber de tempo e de futuro? Mas espero viver devagar o suficiente para poder perceber, escolher e saborear o que tenho pela frente.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Palpite Infeliz ou O Brasil não é o país do Carnaval ou Vamos reprimir a alegria



Deu no jornal "O Dia":

“ Os blocos que não desfilaram neste Carnaval estarão fora no ano que vem. A Prefeitura só vai conceder autorização na proxima folia para quem foi à rua neste ano. O motivo é o excesso de público, que extrapolou, e muito, as expectativas. Eram esperadas 2,6 milhões de pessoas, mas comparecerem 4,8 milhões. A intenção é cortar pela metade a quantidade de foliões na Zona Sul - estavam previstas 744 mil pessoas, mas compareceu 1,5 milhão. Os blocos devem ser direcionados para outras regiões.

- Até os mais antigos podem sofrer com a redução do número de dias autorizados para o desfile. Os blocos que forem às ruas sem autorização serão penalizados.

- A prefeitura promete endurecer o jogo contra os mijões. A Secretaria da Ordem Pública pretende multar os foliões mal educados. Este ano, foram 777 mijões flagrados. “

Achei que cabia perguntar:

Como foi feito o cálculo de pessoas esperadas?
Quem calculou os banheiros? Foi baseado nesse cálculo furado aí de cima? Quantos foram?
Se o Brasil é o país do carnaval, se o Rio é a capital do samba, se investem em turismo por aqui, se antes do carnaval se apressam em divulgar quantos transatlântios aportarão por aqui nessa época trazendo tantos milhares de turistas, mais o turismo interno, mais os próprios cariocas, tão genuinamente carnavalescos, é caso de reprimir e tentar reduzir o espírito carnavalesco? Não seria o caso de adequar a administração à realidade?

Eu sugiro uma auditoria no carnaval. Com números, muitos números.

As cidades do hemisfério norte e do extremo sul conseguem administrar nevascas e outras intempéries e nós não conseguimos administrar foliões? Eu só queria entender.
E lamentar a falta de um FEBEAPÁ – Festival de Besteiras que Assola o País – do Stanislaw Ponte Preta/Sérgio Porto, de um “O Pasquim” e de um jornalismo mais informativo, reflexivo e crítico.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Quarta-feira


Carioca tem o samba no sangue. Nem todos, é certo, mas uma rápida olhada só na lista e no tamanho dos blocos de rua que a prefeitura deixou sair esse ano me permite a generalização. Eu falei carioca. Talvez baiano também. Não sei o que aconteceu com os africanos que aportaram nos cafezais paulistas, só sei que lá não se faz samba como aqui. Nem acho razoável ter sambódromos espalhados pelo país afora, se é que algum pode ser considerado razoável.
Vi coisas estranhas nesse carnaval, entre um samba e outro. Entre elas uma apresentadora loura, surfando nessas ondas que se espalham na rede e batem na nossa caixa, caindo de pau no carnaval, nos recursos e no dinheiro que se gasta com o carnaval, na ilusão do dinheiro que não se ganha, com uma autoridade que me deixou com medo de ter pesadelo de noite. Esconjuro.
Dá problema uma explosão dessas nas cidades que por si só já são um problema? Dá. Quem tem culpa da imundície nas ruas? É só olhar a fila gigantesca que se forma diante de um banheiro químico e desconfiar que a culpa é menos dos porcalhões - que existem, é vero - do que de quem se arvora a administrar uma cidade grande e turística como o Rio. Isso sim, brincadeira de mau gosto. Ainda hei de ver uma loura enfezada na televisão espinafrando quem faz a conta dos banheiros que julgam suficientes. E não é só no carnaval. Turista tem por aqui o ano todo, e precisa de banheiro. Turista, ciclista, passante, passista, todo mundo precisa de banheiro. Várias vezes por dia, todo dia do ano. Também falava de gravidez indesejada, sexo irresponsável. Será que ela defenderia assim o direito das mulheres de fazer aborto? Sei não...
Eu não gosto de cidade suja, do engarrafamento que os blocos provocam. Nem de desperdício de dinheiro público. Tudo isso tem solução, honesta e racional, mas a culpa é do carnaval!
Acho que até fascismo tem limite – zero, de preferência.
Não entendo de economia, nem de samba entendo, só gosto, e muito. Eu e a torcida do Flamengo. Já de louras, há controvérsias, inclusive no Flamengo.
Outro artigo que me chega fala contra a ditadura da felicidade. Não quis ler e não gostei, porque detesto quem assina o dito artigo, embora saiba que ele não escreve mal. Eu mesma tinha começado a escrever outro dia que não é obrigatório ser feliz. Ainda bem que abandonei. Estou preferindo pensar que dever ser permitido ser alegre.
Andando na Lagoa hoje, numa bela manhã de quarta-feira de cinzas, assistindo a um quase engarrafamento de helicópteros chegando – volta do feriado? fiquei pensando no que não tem explicação. Não quero entender de nada, nem ter segurança de coisa alguma que eu tenha que decorar e que corra o risco de agradar ao patrão.
Só queria dar aqui o meu singelo porém honesto testemunho: acordei no sábado com a garganta doendo, alérgica, vinda de um mês com um resfriado crônico alimentado por ar condicionado e poeira de obra por todos os lados. Peguei umas quatro horas de chuva entre concentração e desfile, carreguei uma fantasia pesada, programa pra índio nenhum botar defeito, daqueles que por dinheiro nenhum a gente faz, só faz de graça, por pura diversão. E só.
Achei que ia baixar hospital. Baixei? Não, acordei ótima e repeti a dose ontem, mesmo tendo jurado que seria a última vez. Meus juramentos não valem nada, mas samba cura, eu juro. E deixo aqui meu oferecimento como voluntária para alguma pesquisa científica que explique esse mistério, desde que não seja para condenar o samba nem a alegria. Já para provar que cabelo louro pode fazer mal aos neurônios se não tomar muito cuidado, bem...

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Tudo isso e o céu também


São apenas cinco quadras da Visconde de Pirajá, em Ipanema - entre a dentista e a dermatologista - a distribuir garantias amor, dinheiro, felicidade eterna, emprego, negócios, a pessoa amada em três dias, a cura do pânico, da insônia, problemática com vício, frigidez, herança mal resolvida.
Ah, que bom seria...felizes dos que crêem.
A criatividade aí já garante pelo menos alguma diversão, mas é só. Eu puxei à minha filha: do alto dos seus sete anos de idade, andando de carro comigo, deu uma sonora gargalhada e apontou para um plástico no carro da frente que dizia “Eu acredito em duendes”.
Sempre achei melhor botar a mão na massa.
Mas não estará no humor a chave do caminho? A ver.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Crônica da casa assassinada









A menina de um aninho ficava na janela, encantada com o cachorro no jardim da casa, um pastor chamado Lobo. Com passar dos anos, o Lobo morreu, e foi substituído pelo grandalhão e muito peludo Aikito, que também teve o seu tempo, e a casa e seus donos viram os filhos saírem, os netos chegarem, as visitas, os aniversários, as correrias. A senhora viu a morte da amiga – sozinha e já centenária, da casa vizinha, viu também a morte do marido, mas foi dali retirada antes, não pelos seus próprios passos, já em uma cadeira de rodas, e não verá o fim da casa e das plantas de que cuidava com carinho, nem o fim das suas adoradas árvores. Um oiti, um ipê, um jasmim-do-cabo, com sorte alguma sobrará para lembrar a casa que havia ali. Os herdeiros têm metas e têm pressa, duas casas somadas resultam em um prédio e uma herança maior, uma sozinha é apenas uma casa, testemunha de um tempo que não cabe mais na cidade. E por acaso a casa, que agora desmorona, não foi testemunha da derrubada das outras, que deram lugar a prédios como o que um dia abrigou uma menina na janela?
Agora, resta o pó. E não é ao pó que retornaremos?
Antes disso, a perspectiva de novos e mais barulhentos vizinhos, já que mais numerosos, mais carros rolarão pela rua de paralelepípedos que um dia foi só de casas, e que desembocava numa lagoa, passando por uma fonte.
Saudade.

Saudade, essa palavra que tanto envaidece a língua portugesa, não é, no entanto, a minha preferida. Outras línguas dispensaram o seu peso, e se fosse eu a dona da língua, preferiria substituí-la, e ao peso que ela carrega, pela vida, pelo curso da vida.

(O título Crônica da Casa Assassinada, é de um livro do escritor mineiro Lúcio Cardoso, publicado em 1973).

domingo, 30 de janeiro de 2011

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Mundo Cão


Faz 15 anos, vi com minha filha em NY um espetáculo do Alvin Ailey American Dance Theater. A surpresa ficou por conta da platéia do teatro, quase que 100% formada de negros muitíssimo bem vestidos.
Minha filha, em todo o seu tempo de escola no Brasil, teve uma única coleguinha negra, bolsista da creche onde estudava, filha de um porteiro no Leblon.
Como eu acredito que a explicação do contraste tão grande entre essas duas realidades tem muito mais a ver com a reforma agrária que lá foi feita quando aboliram a escravidão e aqui não, acho que a mistura de horror e desprezo que o movimento dos sem terra provoca por aqui deve ser, mesmo que bem lá no fundo, horror e vergonha pelo bonde que perdemos, e pela prova clara da nossa rude falta de humanidade, tacanha a ponto de prejudicar o crescimento do país por todo esse tempo. A escravidão foi abolida aqui um dia, mas o escravagismo não nos deixou, apenas ficou quase invisível (para quem não sente isso na pele, naturalmente) de tanto que o olhar está acostumado à nossa realidade distorcida. Natural. Natural?
Nossas catástrofes também não são democráticas, e o que não achamos natural é quando vemos que elas não atingem apenas pretos e pobres.