domingo, 16 de outubro de 2011

O outro tronco do ipê


“Quando precisar de alguma coisa, peça a uma pessoa bem ocupada”, ouvia da minha tia, que ouvia da tia dela essa frase carregada de razão.
Não me lembro de viver antes uma época em que eu só conseguisse me sentar para tomar fôlego e me levantar de novo para dar conta de um a interminável lista de tarefas.
Nada de mais, sou jornalista, sou mãe - de filha criada, mas mãe é sempre mãe - dona de casa e hiperativa.
Além disso, cuido de uma obra, o que atualmente, nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, garante um lugar no céu, para quem tem fé, ou num manicômio, quase uma certeza. No meu caso, já renderia um livro equivalente ao Inferno de Dante.
Sou também vizinha de um terreno onde começaram uma obra, outra, da qual eu não cuido, só acompanho alerta, cuida dela uma construtora que parece ter como norma ignorar árvores em seus projetos, mesmo que elas existam há décadas, todas plantadas bem rentes aos muros, tanto as do terreno vizinho ao meu quanto a mangueira que ameaçam derrubar no Leblon. Seria muito simples incluí-las no projeto, mas se a vizinhança não grita, elas vão abaixo, como foram um pé de jasmim-manga e muitas palmeiras, “árvores ornamentais”, e por serem assim "consideradas" puderam ser derrubadas, da mesma forma que uma valente jabuticabeira, que tinha poucas raizes, já que fora plantada em cima da garagem da finada casa e se mantinha frondosa e carregada de frutos mesmo contando com pouco mais de um palmo de terra.
O desfecho de uma batalha envolvendo Associação de Moradores, autoridades encarregadas, fotos na mídia impressa e em abaixo-assinados nas portarias dos prédios mostrou que a luta não foi inglória.
Exigiu, além de trabalho e esforço, paciência para ouvir bobagens de vizinhos até então insuspeitos: - ah, tanto faz se derrubarem as árvores! Nossa, mas aqui já tem tanta árvore, pra quê mais uma? Ouvi isso de uma loura figura ao passar pelo tronco do ipê, transplantado para a praça aqui ao lado. Se travassem grandes e nobres lutas, eu ainda entenderia, pessoas perdem suas casas pelos mais variados descasos e desmandos, e nesse caso árvores não teriam tanta importância, mas não é por isso que desdenham a questão das árvores, é apenas o ser humano em seu pior momento, só conseguem alcançar a suspeição de que brigar pode prejudicar heranças ou poderosas construtoras. Vimos isso acontecer no terreno em frente, onde o velho proprietário, antes que fosse tarde, providenciou o tombamento ( no bom sentido) de todas as árvores existentes, o que obrigou a construtora a reduzir seus planos e subir ali um prédio um pouco mais civilizado.
O ipê não é nem de longe a majestosa árvore que foi, com a altura de oito andares, podado e desbastado para poder ser transportado, e não foi tarefa fácil, mas a construtora se curvou e se desencumbiu da transferência que a lei determinou com bastante competência. As duas jabuticabeiras sobreviventes já estão brotando novamente, transplantadas no prédio em frente, foram bem-vindas, já que tinham poucas raízes e não danificariam os canos que passam sob o jardim.
Existem grandes e pequenas lutas, variam com as oportunidades, coragem e sonhos. Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. Acho que não se deve fugir à luta, mas cada um sabe de si. Se elas mudam a paisagem, podem mudar um país e mudar o mundo.
Difícil mesmo/
é mudar/
uma pessoa.



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