quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Tudo isso e o céu também


São apenas cinco quadras da Visconde de Pirajá, em Ipanema - entre a dentista e a dermatologista - a distribuir garantias amor, dinheiro, felicidade eterna, emprego, negócios, a pessoa amada em três dias, a cura do pânico, da insônia, problemática com vício, frigidez, herança mal resolvida.
Ah, que bom seria...felizes dos que crêem.
A criatividade aí já garante pelo menos alguma diversão, mas é só. Eu puxei à minha filha: do alto dos seus sete anos de idade, andando de carro comigo, deu uma sonora gargalhada e apontou para um plástico no carro da frente que dizia “Eu acredito em duendes”.
Sempre achei melhor botar a mão na massa.
Mas não estará no humor a chave do caminho? A ver.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Crônica da casa assassinada









A menina de um aninho ficava na janela, encantada com o cachorro no jardim da casa, um pastor chamado Lobo. Com passar dos anos, o Lobo morreu, e foi substituído pelo grandalhão e muito peludo Aikito, que também teve o seu tempo, e a casa e seus donos viram os filhos saírem, os netos chegarem, as visitas, os aniversários, as correrias. A senhora viu a morte da amiga – sozinha e já centenária, da casa vizinha, viu também a morte do marido, mas foi dali retirada antes, não pelos seus próprios passos, já em uma cadeira de rodas, e não verá o fim da casa e das plantas de que cuidava com carinho, nem o fim das suas adoradas árvores. Um oiti, um ipê, um jasmim-do-cabo, com sorte alguma sobrará para lembrar a casa que havia ali. Os herdeiros têm metas e têm pressa, duas casas somadas resultam em um prédio e uma herança maior, uma sozinha é apenas uma casa, testemunha de um tempo que não cabe mais na cidade. E por acaso a casa, que agora desmorona, não foi testemunha da derrubada das outras, que deram lugar a prédios como o que um dia abrigou uma menina na janela?
Agora, resta o pó. E não é ao pó que retornaremos?
Antes disso, a perspectiva de novos e mais barulhentos vizinhos, já que mais numerosos, mais carros rolarão pela rua de paralelepípedos que um dia foi só de casas, e que desembocava numa lagoa, passando por uma fonte.
Saudade.

Saudade, essa palavra que tanto envaidece a língua portugesa, não é, no entanto, a minha preferida. Outras línguas dispensaram o seu peso, e se fosse eu a dona da língua, preferiria substituí-la, e ao peso que ela carrega, pela vida, pelo curso da vida.

(O título Crônica da Casa Assassinada, é de um livro do escritor mineiro Lúcio Cardoso, publicado em 1973).