sábado, 20 de agosto de 2016

Olímpica, Estoica, Helênica e Inocente


Pulei da cama e fui até a beira da Lagoa, bem pertinho, para tentar fotografar ou apenas guardar na retina talvez a última imagem ao vivo da “nossa” olimpíada. Sabia da canoagem hoje, e que seria na Lagoa.
Já que as canoas não estavam lá, e eu não tinha me informado direito, acostumada a ver as competições aquáticas volta e meia na esquina, apelei para o guarda nacional que fica ali, devidamente camuflado e de metralhadora em punho.
Respondendo ao meu “bom dia, ele falou assim: “Veja bem, coração, eles hoje não saem daqui, na canoagem remam menos que no remo, o percurso é mais curto, então ficam só do lado de lá."

Aaahhh!Do outro lado, eu teria visto também o triatlo, que passaria logo ali, mas eu estava do lado de cá, precisava tomar café, e já estava satisfeita, tinha tentado. E que importância tem uma Olimpíada? Para muita gente, nenhuma. Especialmente se não moram ou não estão no Rio, é quase um pecado se alegrar com ela! Já li e ouvi mais de um paulista afirmando isso, as “olimpíadas tristes”, disse um deles, mostrando - entre outras coisas que não vou dizer - que eles não sabem que a felicidade é uma gota de orvalho numa pétala de flor, voa tão leve, tem a vida breve, e se você quer um pacote inteiro de felicidade, não vai ter, assim no atacado, ela não vem, não vem... vale comer pelas beiradas, saber aceitar as que estão a seu alcance! Vale brigar por ela, claro, mas vale mais até saber que uma coisa não anula outra, e que é essencial saber como brigar, e mais do que isso, saber porque se está brigando. E de preferência, nunca porque as uvas estão verdes!
Eles não sabem, bobinhos, que as Olimpíadas, além de terem sido acordadas num momento mais feliz desse país, além de já então inevitáveis, além de ser um evento que independe do golpe que estamos sofrendo, e que não têm que pagar por isso, elas têm o seu lado alegre, trazem, também, alegria. A cidade se mostrou adequada para elas, que tem que acontecer em algum lugar, e foi aqui. Muita coisa boa vai ficar, sim, e o que foi feito de maldade, foi feito porque as pessoas que decidem às vezes são más e não fomos fortes o suficiente para evitá-las antes. E quem foi? Onde? E o evento aqui foi muito útil para espalhar pelo mundo, de muitas formas, corajosas e criativas, denúncias sobre o golpe de estado em curso no país.
O Rio não tem culpa, pelo contrário. Brasília, por exemplo, tem culpa, o golpe é que fica muito longe. Se a capital fosse aqui, já teria sido desmoralizado. Vai daí que quando ouço ou leio um discurso que me parece mal colocado, tenho logo vontade de responder. Bobagem. As pessoas não estão falando comigo, não querem resposta, querem ter razão. Elas estão falando com elas, para elas, no máximo, para agradar quem já pensa como elas. Isso sim, é triste. As Olimpíadas, não.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

O QUINTAL


Quando a gente nasce num quintal, vai conhecendo as possibilidades: colher umas frutas, plantar bananas, plantar bananeiras pra se distrair, nada de muito grande nem espalhafatoso, quintal não é latifúndio, criar gado, um bifinho, isso não é para o bico de quem nasce num quintal. Planta umas ervinhas, planta boldo que faz bem pro fígado, capim-cidreira, alecrim, quem tem um canteirinho assim pode até dar uma de curandeiro. Já um cirurgião, muita especialização, num quintal, não pode ser. Quintal tem limite. Tem muro, mesmo que nem sempre seja de concreto. Quando você cresce, é curioso, é sonhador, resolve olhar além do muro. A mãe puxa logo a gente pela blusa, vem pra dentro e pra baixo, o que é isso, meu filho, subir aí faz mal, é perigoso, desce daí. Mas você insiste, quer ver o mundo! E quintal tem mosquito, caramujo, lama, atoleiro, berne, verme, carrapicho, carrapato, micuim. E o quintal do vizinho não é sempre mais bonitinho? E não é que ele é? E grande! Verdinho!
Peraí, o meu poderia ser assim, eu sei fazer ele ficar bonito assim! Não poderia?
Usou o tempo certo do verbo, poderia, poderia, poderia, mas não é, e não será. Botou o nariz pra fora, pode vir bala, gás venenoso, uma bota enorme de um ser estranho muito maior do que você, perigos horríveis, que não só te proíbem de conquistar o quintal alheio, mas quando você se faz notar corre o risco de perder o seu! Um susto, um espanto!

Mesmo assim, tenho minha liberdade. De ir e vir - dentro do quintal. Ela não morre, se o espírito é livre! Nem que seja até num espaço menor, que caiba direitinho dentro da nossa cabeça. Liberdade ainda que tardia, ainda que seja para finalmente subir para o éter, as amarras acabam por se soltar um dia.
O céu ficou até um pouco azul depois da chuva, será que vai voltar a chover? Será que o sol vai abrir? São as atribulações de quem vive num quintal, é no que a gente pode pensar sem correr um grande risco de cair do muro, cair da cama quando sonha. Quem sonha logo percebe que pode ter pesadelo. Cair e se machucar. A mãe não avisou?