Imagem Museu Histórico RJ. Foto Vanda V. Castro.
Do livro "1822", de Laurentino Gomes:
Quem observasse o Brasil em 1822 teria razões de sobra para duvidar de sua viabilidade como nação independente e soberana. (...) Era uma população pobre e carente de tudo, que vivia à margem de qualquer oportunidade em uma economia agrária e rudimentar, dominada pelo latifúndio e pelo tráfico negreiro. O medo de uma rebelião dos cativos tirava o sono da minoria branca.
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Frei Caneca, líder da Confederação do Equador de 1824 em Pernambuco, tinha um projeto razoável de Brasil, republicano e federalista, muito parecido com o dos Estados Unidos de hoje. Passou para a história oficial como um inconsequente porque perdeu. (...) Frei Caneca acabou seus dias diante de um pelotão de fuzilamento encostado no muro do Forte das Cinco Pontas, no Recife.
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Em 1787, quando ainda era embaixador em Paris, Thomas Jefferson foi abordado pelo mineiro José Joaquim da Maia, o Vandek, estudante da Universidade de Montpellier. Queria ajuda dos Estados Unidos para fazer uma revolução no Brasil. Jefferson, que tinha outras preocupações mais urgentes, recusou, mas fez questão de reportar o caso ao Departamento de Estado americano. Vandek morreu no ano seguinte, antes de voltar ao Brasil.
Do livro "1889", de Laurentino Gomes:
O historiador Sérgio Buarque de Holanda fala numa "constituição não escrita", diferente da Constituição real, que ditava a política do imperador mais de acordo com as conveniências do jogo do poder do que na letra da lei.
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"Entre nós, o que há de organizado é o Estado, não é a Nação", dizia, em 1887, o sergipano Tobias Barreto. (...) não é o povo, o qual permanece amorfo e dissolvido, sem outro liame entre si, a não ser a comunhão da língua, dos maus costumes e do servilismo". Visão parecida tinha o francês Louis Couty, professor estrangeiro da Escola Politécnica da Corte. Segundo ele, nas vésperas da Proclamação da República, faltava ao Brasil "um povo fortemente organizado, povo de trabalhadores e pequenos proprietários independentes (...) por si, sem um Estado-Maior constituído de comandantes de toda a espécie ou de coronéis da Guarda Nacional".
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O abolicionismo de André Rebouças, Luís Gama, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio era um movimento urbano, enquanto a escravidão permanecia como uma realidade rural. (...) Na campanha abolicionista havia, portanto, dois brasis em confronto. O primeiro, o dos defensores do fim da escravidão, era representado pelos advogados, professores, médicos, jornalistas e outras profissões urbanas - um país que frequentava escolas, atualizava-se pelos jornais, reunia-ae nos cafés para discutir as ideias e novidades do século XIX. O outro Brasil era o dos fazendeiros, ainda muito parecido com o da época da colônia - agrário, isolado, analfabeto, sem comunicações e conservador.
Os debates da época refletiam esse confronto. Em junho de 1884, o Imperial Instituto Baiano de Agricultura enviou uma petição à Câmara dos Deputadosna qual reclamava do movimento abolicionista. "A escravidão tendo entrado em nossos costumes, em nossos hábitos, em toda a nossa vida social e política, acha-se por tal forma a ela vinculada que extingui-la de momento será comprometer a vida nacional,perturbar sua economia interna, lançar esta na indigência, na senda do crime e no precipício de uma ruína incontável" alertava o documento. Parlamentares escravocratas ecoavam as reivindicações dos fazendeiros, evocando em seus discursos um cenário de catástrofe. "Os abolicionistas são salteadores; mas, para estes, tenho o meu revólver!", ameaçava Martinho de Campos, do Partido Liberal.
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Em 1884, Ceará e Amazonas se tornaram as primeiras províncias a abolir a escravidão no Brasil - quatro anos antes da Lei Áurea. Um motivo é que nessas regiões, o trabalho cativo deixara de ser importante para a economia (...) ao contrário do que acontecia no sul do Brasil, especialmente no Vale do Paraíba, cujas fazendas de café dependiam totalmente dos cativos.
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Escultura M. Oiveira, do antigo Cinema Palácio, RJ. Foto Vanda V. Castro.
Um episódio ocorrido em 1881 no porto de Fortaleza contribuiu para atrair as atenções para a luta contra a escravidão no Ceará. Foi o boicote ao embarque de cativos liderado pelo jangadeiro Francisco José do Nascimento, na época conhecido como "Chico da Matilde" e mais tarde rebatizado como "Dragão do Mar". Durante três dias, Nascimento e os colegas se recusavam a transportar para os navios um grupo de escravos vendidos para fazendeiros do sul do país. Em represália o jangadeiro foi demitido do cargo de prático da barra que ocupava na Capitania dos Portos do Ceará. A punição, no entanto, o promoveu de imediato à condição de herói do movimento abolicionista brasileiro.
Escultura M. Oliveira, do antigo Cinema Palácio, RJ. Foto Vanda V. Castro.
Em março de 1884, José do Patrocínio estava em Paris, fazendo propaganda do movimento abolicionista, quando recebeu a notícia de que, graças à luta do "Dragão do Mar" e seus jangadeiros, o presidente do Ceará, Sátiro Dias, acabara de anunciar o fim da escravidão na província. Alguns dias mais tarde, ao embarcar de volta para o Rio de Janeiro, trazia como troféu na bagagem uma cartinha do escritor Victor Hugo celebrando o feito cearense:
Uma província do Brasil acaba de declarar a escravidão abolida (...) esta notícia tem um alcance imenso. (...) O Brasil infligiu na escravidão um golpe decisivo. O Brasil tem um imperador, e este é mais do que um imperador, é um homem. Que continue. Nós lhe damos os parabéns e o homenageamos. Antes do final do século, a escravidão terá desaparecido da Terra. A liberdade é a lei humana.
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"Vocês fizeram a República que não serviu para nada. Aqui agora, como antes, continuam mandando os Caiado". CAPITÃO FELICÍSSIMO DO ESPÍRITO SANTO CARDOSO, bisavô do presidente Fernando Henrique Cardoso, em telegrama enviado de Goiás ao filho, Joaquim Inácio, que ajudara a proclamar a República em 1889.