segunda-feira, 2 de julho de 2007

Sanatório Geral


Tenho um sobrinho que, ainda bem pequeno, quando encontrava alguém da família logo avisava, mantendo a devida distância: “Não gosto de beijos”.
Já eu, gosto de beijos, mas descobri que não gosto de elogios. Achei que era por overdose – passei a vida coberta por eles, menina bonitinha, simpática, cuidadosa e obediente. Só bem mais madura consegui uma pista para entender porque é que eles me pesavam tanto. O Ministério da Saúde deveria advertir: elogio pode causar dependência. Aprecie com moderação.
Carinho é um sentimento abençoado, e muitos elogios vêm recheados dele. Mesmo dando graças por ele e pelo incentivo recebidos, devemos fugir de elogios em excesso - tanto de ganhar quando de fazer.
Existe uma ligação muito estreita entre elogio e expectativa, e daí a comprometimento e cobrança, fontes seguras de ansiedade. Quando se têm irmãos, então, e nem todos elogiados na mesma medida, tem-se a garantia de muito desconforto e bastante problema pela frente. Até bem pouco tempo, pais e educadores em geral não costumavam se preocupar com os traumas dos menos incensados.
Quem, mesmo não tendo participado de nenhum concurso de beleza, não escapou de ler “O pequeno príncipe”, entende bem disso: se você cativa, pode até não conseguir ter nas mãos um prisioneiro, mas pode ter as piores intenções. Mesmo sem ter consciência disso, como ocorria com freqüência nas gerações pré-Freud, pode-se, com a mais cândida das intenções, estar fazendo um estrago. Existe, porém, uma sutil, embora abissal, diferença entre o elogio que incentiva e o elogio que corrompe e aprisiona - este último, geralmente copioso e sistemático, quase compulsivo. Aprisiona e cobra, cobra um comportamento que tem mais a ver com o padrão, o julgamento e a expectativa de quem enaltece do que com o sujeito da ação enaltecida. Sob o peso dos elogios, tudo pode ficar mais difícil porque a exigência é maior.
Não quero ser ingrata, talvez tenha sido melhor do que o contrário, mas é possível também que o estrago seja tão grande quanto o benefício. Sei que faz toda a diferença quando a fonte dos elogios é querida e confiável. Certamente existem amor e carinho em algumas palavras enaltecendo nossas possíveis qualidades, mas sinceramente prefiro em espécie, isto é, em demonstrações concretas desses sentimentos, quando necessárias ou oportunas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ê, Wandinha
Juro que passarei a me conter, mas que a história do guri que não gostava de beijos está muito legal, ah isso não se pode negar.
Eu adoraria conhecer um moleque desses.
Bjs
Regina

isabella saes disse...

bom, como é que eu vou falar isso sem elegiar... ai, meu deus... enfim, sou amiga da Luiza, blogueira tb e (bem contida) gosto das suas palavras... hummm... acho que não vou conseguir me segurar. arghhhh.... vc escreve muito bem!!!! me perdoa pelo elogio, vai?! beijos, isabella.