domingo, 23 de novembro de 2008
domingo, 9 de novembro de 2008
Pesquisa
Saí para andar na Lagoa e vi uma moça, bem nova e bonita, chorando. Copiosamente. O mundo estava desabando por ali. Estava sentada na murada, vestida para caminhar. Sozinha, ela aproveitou para chorar. Se eu tivesse certeza que ela queria ouvir alguma coisa naquele momento, mesmo de alguém desconhecido, teria dito para ela:
- Chora mesmo, é bom, mas pode acreditar, seja o que for, passa.
Todas nós choramos nessa idade. Depois também. Mais tarde, passamos a lamentar o fato de nosso choro ficar tão seletivo. O mundo já não nos pega desprevenidas com tanta freqüência, ficamos mais sábias e avisadas – ou mais defendidas - e temos saudades dos tempos mais ingênuos. Muita coisa já deixa de valer um bom choro como o daquela moça. Choros bons mesmo, desalentados, esses vão ficando raros. Passamos a chorar só em situações de leite derramado, causas perdidas, despedidas sem volta.
Cruzes.
Pensava era em felicidade quando sentei para escrever. O mundo mudou demais nas últimas gerações. Deve ter sido sempre assim, mas a gente repara mesmo é no nosso tempo. Mudou para melhor, eu acho sempre. Nem sempre, nem em todos os lugares, mas a humanidade, como um todo, evolui. A luta pela liberdade ganha sempre algum terreno, mesmo que seja contado em milímetros, se pensarmos em ditadores que caíram, alguns direitos conquistados aqui e ali. A humanidade avança, sou uma incorrigível otimista e esperançosa. Mas teria curiosidade de saber, mesmo sem acreditar em pesquisas, já que existe pesquisa de tudo nesse mundo, se haveria uma que aferisse o grau de felicidade que há no mundo pelas liberdades conquistadas nas últimas décadas. O mundo – e penso especialmente no das mulheres – estará mesmo mais feliz? Quanto mais feliz? Porque às vezes, passa bem rápido e vai embora, um pensamento: não é arrependimento, que ninguém me entenda mal, mas a gente paga sempre tão caro por qualquer avanço e mudança, não haveria de haver um jeito das mudanças cobrarem um preço um pouco mais baratinho?
sábado, 8 de novembro de 2008
Mudança
Depois da tapioca na feira, fui fazer as unhas – tentei mas nunca consigo ter um horário fixo para fazer em casa, e agora ando trocando o salão que freqüentei por vinte anos, ao lado de casa, confortável, silencioso e profissional, por um outro mais perto da minha filha. Não é só o preço, que é bem conveniente, mas é que lá a diversão é garantida.
Hoje as manicures estavam rindo ainda mais do que de costume – às vezes brigam, e aí riem também. Todas comentavam que o amor é lindo.
A explicação: o moço que vende balas em ônibus, há um tempo resolveu vender também por lá, cada vez mais freqüente. Tem um estoque variado, elas gostam. A dona do salão gosta porque ele troca o dinheiro dela, não falta mais troco para dar às clientes, facilita o dinheiro para gorjetas, etc. E de tanto ser chamado de amigo, ele ficou à vontade para trazer a companheira para pintar o cabelo ali. Gostou do ambiente, ficou mais à vontade, e passaram todo tempo aos beijos no salão, foi um acontecimento, para ele e para todos, era esse o motivo do alvoroço.
- Ele é doidinho, minha manicure explicou. Doidinho mesmo, tem carteirinha. Quis saber como é carteirinha de doido, ela não sabia direito, mas jurava que ele tinha, ele mostrou. Uma outra esclareceu: é isso mesmo, a carteirinha dele dá direito a andar no ônibus com um acompanhante, ele não pode andar sozinho. Ele anda, mas já que tem direito, quando pode, leva o amorzinho, que parece que não é tão amorzinho assim: enquanto pintava o cabelo de vermelho, declarou para as meninas que quer casar com ele porque ele tem dinheiro, que vendedor de bala ganha muito. Mas não vai ser assim, não, a família dela tem que conhecer e aprovar. Além de interesseira, a mulher tem um pouco de barba, continuaram me contando. Problema de hormônio, ela faz a barba, mas fica estranho. Aí achei que era demais, felizmente acabou meu tempo, e depois da rodada de mate que rola por lá, para clientes e profissionais, fui. No outro canto do salão uma delas comentava não entender a razão da ofensa por chamarem o Obama de bronzeado, se ela já tinha sido tanto chamada de encardida, mal lavada, tinta fraca - bronzeado até que era bonitinho... como sempre, por aqui, estamos acostumados a nivelar bem por baixo.
A distância entre os dois salões é de três quadras, mas quanta diferença. Isso seria impensado no outro salão, onde as moças falam baixo e só aceitam o biscoitinho que vem no nosso café se for disfarçado, e falam muito veladamente de insatisfações trabalhistas. O serviço é igual, mas a clientela dele certamente não curtiria tanta descontração, e eu compreendo.
Mas viva o direito – e a chance - de escolha. E viva a diversidade. É normal que haja sempre uma luta de forças em torno dos direitos e das autoridades, e administrar sem dominar pela intolerância é muito mais difícil.
Já na rua, cruzei com uma antiga manicure, que tinha se demitido, e me convidou para conhecer um outro salão.
Mudança, por necessidade ou escolha, transita melhor se há diversidade.
Caminhando, com essa situação prosaica e doméstica na cabeça, pensei em como o Brasil é estanque com suas castas mal assumidas, pouco precisas e por isso nunca abolidas. E de tão velhas, parecem que são leis de Deus. Aliadas à ditadura que a falta de oportunidades propicia, conduz à imobilidade. Falta ar nesse país tão vasto. Mudança aqui costuma se dar quando se chega no limite, muitas vezes depois de muito sofrimento.
Temos um longo, muito longo caminho pela frente.
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Duas cidades - quantas tribos?
publicado em 26/08/2007
Acabo de vir do Quênia, um país menor que o estado de Minas Gerais, onde convivem 42 tribos, cada qual com sua língua. Lá, custavam a acreditar que o Brasil quase todo falasse português. Mas quantas tribos teria o Brasil?
Rio e São Paulo. As maiores cidades do país, quase vizinhas, considerando o tamanho do Brasil, e tão distintas (no sentido de diferentes, apenas).
Sou naturalmente carioca, não tive escolha, nasci aqui, mas se tivesse, seria. Sou crítica com o Rio, mas quando ouço elogios a São Paulo, e qualquer comparação, faço como Noel: me calo, tudo penso e nada falo. Acho que não cabe, nem a comparação nem a desvantagem para o Rio.
Ouvi de uma amiga gaúcha que as qualidades do Rio acabam sendo seus pecados. Entendi e concordei. O humor, a irreverência, a complacência, o jeitinho que a então capital desenvolveu para driblar toda a sorte de proibições impostas pelos portugueses ao Brasil colônia, acabaram resultando em transgressão, descuido e malandragem, no mau sentido também.
Eu diria que o mesmo aconteceu em São Paulo, em outra direção: trabalho, respeito pelo trabalho, e muita seriedade, quando desvirtuados, resultam em ganância, prepotência, exploração e desigualdade ainda maiores do que as que vemos por aqui.
O ar de cidade de primeiro mundo que reina em alguns quarteirões paulistanos, que os enche de orgulho, é o resultado natural de uma cidade com dinheiro e sem praia. O MAM certamente não é o MOMA, mas o MASP também não é, e por que não poderia ser? Falta dinheiro, cultura, generosidade?
Não espero que nenhum paulista concorde comigo, muitos parecem ter muito pouco senso crítico com relação à sua cidade: por muito tempo acreditaram, ou talvez ainda acreditem, ser o Rio, sozinho, a capital nacional da violência. Recusam-se a entender que empurrar a miséria e as conseqüências dela para baixo do tapete, ou para a periferia, além de ser indecente (ça va sans dire), não só não cola como não é bom negócio. E os limites de uma cidade tão grande podem ficar bem estreitos.
Nesse quesito, não fossem as duas cidades derrotadas, eu ainda acho que a miséria e a violência carioca resultaram um pouco mais “democráticas”. Já que por aqui as zonas se esbarram a ponto de quase se misturar, quem sabe a chance de diminuir as distâncias entre pobreza e riqueza sejam maiores?? Interrogação dupla, porque as balas zunem sobre nossas cabeças, e a caravana passa. Mesmo que seja em graus diferentes, de onde vem tanta anestesia? Podem ser duas cidades queridas, o que não quer dizer que sejam alegres.
Na residência paulistana mais rica que visitei profissionalmente, fazendo uma entrevista muito simpática à dona da casa, havia muitas salas, muitos quartos, copeiro, arrumadeira, muita riqueza. O comentário da minha equipe ao sair me chamou a atenção: não nos foi oferecido um copo d’água, nas várias horas que passamos lá. Nenhuma obrigação de fazê-lo, mas contrastou com a casa seguinte que visitamos, muitíssimo mais simples e muito mais acolhedora. Aceitamos isso naturalmente, mas qual a lógica?
Nada na linha de que o dinheiro não traz felicidade, sempre achei que a classe dominante quer que o povo acredite nisso para deixá-la lucrar em paz. O dinheiro não precisa trazer nenhum ônus, mas uma sociedade mal construída e injusta permite que pessoas argentarias, insensíveis ou mesmo desonestas sejam muito bem sucedidas. E onde há mais dinheiro, maior a chance de pessoas dispostas a tudo para não mudar as regras. Geralmente com bem menos classe do que imaginam ter.
Em São Paulo, tem um monte de gente assim. No Rio também. E como se não bastasse, ainda recebe reforços de todos os cantos do país. Alguém sabia, antes de ver nas páginas policiais, que o senador e ex-governador do Amazonas Gilberto Mestrinho tinha uma bela casa em São Conrado? Eu gostaria de saber a taxa de ocupação anual dos apartamentos da Vieira Souto, em Ipanema. Se adotassem ali as mesmas regras exigidas para o green card americano, que cobra a presença lá de seis em seis meses, acho que a metade dos proprietários ali perderiam seus direitos. É grande o número de apartamentos que vivem fechados.
Sou testemunha o tempo todo do comportamento prepotente, canalha mesmo, da minha vizinhança na zona sul do Rio: madames e empregadas passeiam cachorros sem lenço e sem documento para recolher a sujeira que produzem. Limpar as ruas não custa nada, afinal, dinheiro público não tem dono, e quem quiser que se desvie como puder e trate de conviver com a imundície. Pitbulls sem mordaça ameaçam a todos, sem a menor possibilidade de seus donos se importarem com a clara lei municipal. Nenhuma chance de serem incomodados pela fiscalização. Festas a incomensuráveis decibéis roubam a noite da vizinhança, sem a menor cerimônia e sem que ninguém reaja – meus vizinhos, quando comento, juram que não ouviram nada, mesmo quando incluem uma bateria de escola de samba até as quatro da manhã. Podem diferir na embalagem, lá e cá, mas o conteúdo é o mesmo. Temos "coisas de primeiro mundo", dizem, mas a civilidade ainda é de quinta.
Na verdade, não estou falando apenas de duas cidades, elas comportam muitas cidades partidas dentro delas. Como muitas outras pelo país afora. Um país extremamente autoritário, tão pouco democrático que isso costuma passar até sem ser notado – a não ser que se sinta na pele.
Existe explicação para tanto corporativismo entre a elite branca, que, no entanto é tão pouco solidária entre si?
Acho que apenas a certeza de que, quando a lei não é cumprida, maior a garantia de se contar com a impunidade, quando for necessário.
Daí para o crime organizado, é menos que um passo.
sábado, 1 de novembro de 2008
Nada de novo na frente ocidental
Mesmo que muito do que vejo e leio me desagrade, sou jornalista, preciso me informar e acompanhar o trabalho dos meus colegas.
Tento passar o mais ao largo possível de histórias tristes, deprimentes e/ou escabrosas, em que o fato de saber ou não o que está acontecendo não vai ajudar a ninguém, nem fazer o mundo melhor.
Se um homem caiu num poço na Flórida, isso interessa a quem é próximo dele, aos bombeiros, aos bombeiros da cidade vizinha se tiverem mais recursos, a quem puder ajudar, e certamente quem é especializado sabe onde procurar ajuda, não é preciso botar nenhum anúncio no jornal, e angustiar o mundo inteiro. Não tenho necessidade nem intenção de sofrer além da minha cota.
Mesmo assim, elas nos entram pelos olhos e ouvidos e pior do que elas, porque mais próximas de nós, reações e opiniões, em sua maioria, decepcionantes também.
Tudo o que soube sobre o mais retumbante seqüestro trágico da vez ou da hora, soube pela televisão ou pela imprensa:
- uma menina de quinze anos namorava, desde os doze anos de idade, um tosco ignorante que se achava o dono dela a ponto de acabar por matá-la.
- a polícia que tentou - e não conseguiu - negociar não era a polícia adequada, depois se questionou até o seu direito de estar lá.
- várias emissoras de televisão entrevistaram o seqüestrador enquanto ele tinha armas e vítimas em seu poder. Um infeliz desequilibrado e perigoso, como provou ser, se sentindo cada vez mais senhor e dono da situação, centro das atenções, a mercê de comentários e perguntas de pessoas que não sabem e nem tem que saber como lidar com pessoas nessa situação.
- uma vítima de 15 anos sai e volta ao cativeiro.
- Vi em algum lugar uma faixa com a frase: as autoridades dialogam com um seqüestrador mas não dialogam com a polícia. A polícia civil estava em greve, greve reprimida por outros policiais, militares. Ouvi até que a idéia no momento era tirar a atenção das chocantes imagens de polícia enfrentando polícia, mas isso deve ser fruto da imaginação fértil da oposição ao governo, no caso o de São Paulo. O Brasil tem lugares que parecem o fim do quinto mundo, mas esse era bem perto da capital de São Paulo, onde existe um povo (com as exceções de praxe) que se acha. Bom, aí, cada um que ache o que quiser.
- li hoje uma nota de um colunista de tv, em tom de crítica, mas que acabava por amenizar a cobertura, dizendo que os tablóides ingleses pagariam qualquer coisa, em dinheiro vivo, por uma entrevista com algum envolvido na história. Gostaria de saber se a polícia de qualquer lugar do segundo mundo que fosse, deixaria de isolar não só a área mas qualquer comunicação com o seqüestrador que não fosse a de quem deveria negociar. Essa observação o jornalista da nota não fez.
A mídia então passou a cuidar da ficha policial do pai da menina morta. Não valia nada, parece. Não li nada sobre a aparência do sequestrador, visivelmente espancado, logo depois de preso.
Apenas mais um assassino, e uma menina pobre, de periferia, que não inspiram maior solidariedade fora dos holofotes. Morreu outra da mesma idade, bem perto dali, também assassinada pelo namorado. Quem lembra o nome dela?
Acabei de rever ontem o filme A Primeira Página (The Front Page, Billy Wilder, com a atuação dos sempre magníficos Jack Lemmon e Walter Matthau), e o momento em que a minha profissão consegue ficar melhor na foto é com a frase “minha filha, case-se com um coveiro, com qualquer um, mas não se case com um jornalista”. Isso era em Chicago, nos anos 20.
Ainda hoje, não vivem atropelando qualquer resquício de bom senso, decência ou humanidade ao dar ou cumprir uma ordem? Nem sempre é só pelo salário – e eu compreendo muito bem que um salário justifique escolhas que não faríamos se não fosse por ele, especialmente em um país com tão pouco respeito pelo trabalho alheio.
Ouço que se uma emissora não faz, a outra faz e leva a tão preciosa audiência, como se isso fosse lei divina, sem o menor questionamento da causa a que isso serve. Por que que é que as pessoas querem ver isso? Querem sentir emoções que não sentem na própria vida? Querem ver alguma coisa mais trágica do que a própria realidade para se sentirem menos infelizes? Falta imaginação ou cultura para procurar coisa melhor? Seja o que for, a explicação, e a culpa, me parece que vão bater direitinho onde a maioria dos que dão as cartas não quer que se chegue.
Notícias de lugar nenhum. Longe de nós, é apenas circo, não é vida real. Mesmo a discussão do processo, quando acontece, é distante, quase abstrata. E assim vamos ficando um pouco mais insensíveis, com o passar do tempo. Faz sentido.
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