segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Casamento Indiano


A gente sabe quando é paixão, está gravada no dna, não nos enganamos, seja qual for a idade, mesmo que leve tempo - para encontrar uma, para acabar com uma.
Nos atrapalhamos é na escolha entre seguí-la ou não, sobre qual seguir quando se é dado a paixões múltiplas, muitas vezes lutar contra a claustrofobia de uma escolha única, difícil avaliar as prioridades, saber o que tem mais peso para nós, o que - e se - conseguimos suportar, onde e quando dá para seguir o coração, até que ponto se acredita em recomeçar, até que ponto pode acreditar... a conjuntura, o destino, as possibilidades e impossibilidades entram fazendo a sua parte, para o bem e para o mal. Casamento pode resultar disso, ajudado muitas vezes pelo fato de que quando a gente toma a decisão, geralmente é muito novo para levar tudo isso em conta. Questões atuais e universais. É por conta delas que as famílias indianas resolvem meter a colher.


O Ocidente, a grosso modo, acredita em recomeçar, tanto que se renovou tanto. No Oriente, mesmo que também generalizando, é diferente.
Foi um choque descobrir como são calculistas e racionais as escolhas num casamento indiano. Logo numa terra tão marcada pela espiritualidade, o casamento por amor é olhado com muita desconfiança. Não dá certo, chegam a dizer.
Bom, quando nossos pais passavam para os filhos os valores e obrigações para a formação de um nobre caráter, já não estavam condicionando nossos sentimentos, e com isso, nossas escolhas futuras?


Mas existe mesmo uma grande diferença cultural entre os mundos. A interferência da família em questões que julgamos só nossas ( às vezes só julgamos), que vão determinar nossa vida adulta, o pragmatismo despudorado, a avaliação das vantagens, é tudo muito cru na Índia que eu conheci. Situações e aspirações financeiras são discutidas de maneira aberta e objetiva, relatam com naturalidade os noivos.
Na falta do pai, é o irmão mais velho que dá o aval para o casamento da irmã. Depois de prometidos, os noivos podem ficar muito tempo sem se encontrar, e nunca se encontram sozinhos. Isso pode estar acontecendo um pouco menos nas cidades mais modernas da Índia, mas ainda acontece com a maioria dos casais. Mesmo já adultos, e já tendo morado no Ocidente, voltam à Índia para se casarem, e se submetem às tradições.


Esta é uma festa num hotel de cinco estrelas, coisa muito valorizada num casamento por lá, pelo que pude ouvir e constatar. Ainda mais porque os convidados que vem de fora costumam ficar no próprio hotel.


Neste casamento, no Taj Mahal Hotel, em Nova Delhi, entre uma americana e um indiano, havia um homem encarregado de fazer turbantes nos homens não indianos.
A noiva se veste com um sari de festa, que não precisa ser branco.
É verdade que ouvi de uma indiana que os casamentos por amor estão aumentando, mas indianos adoram negociar, e me pareceu que um casamento é a suprema negociação de uma vida. Eles escolhem bem, avaliam a família, pedem ajuda aos astros, aos sacerdotes, examinam a palma da mão. Até porque a mulher vai sempre viver na casa da família do marido. E para sempre. Passa a ser dela a responsabilidade de cuidar dos idosos, do sogro, do marido, e morando na casa da sogra!
É mesmo abrangente um contrato de casamento na Índia. Abrange problemas que conhecemos, que não existem só lá, mas acho que eles carregam um pouco nas tintas...
Mundo antigo, questões eternas.
Mas confesso aqui o meu alívio ao tomar o avião de volta.


Convidados a caminho de uma cerimônia.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O destino


As granadas estouravam e as balas zuniam no dia em que cheguei à Índia. Tomei a decisão de começar a viagem por Delhi e terminar por Mumbai, mas segundo a nossa primeira reserva, estaríamos no Taj Mahal Palace que foi atacado, e esse blog poderia já não estar mais aqui. Nosso repórter valentão lamentou muito o fato de não poder mandar matéria literalmente no calor dos acontecimentos, mas como ele dependeria mais dos favores de um terrorista paquistanês do que da minha limitada produção, louvei nossa boa estrela.
Bombaim virou Mumbai, para infelicidade de muitos indianos, que não precisam de mais infelicidades do que as que já têm, sob a minha ótica pessoal, social e ocidental, mas que ainda por cima lamentam ver as cidades em que nasceram ou vivem rebatizadas –Madras virou Chenai, Benares virou Varanasi, Delhi tem nova no nome, mas continua Delhi, e continua velha.
Bombaim, ou Bombay, antigo nome do novo centro financeiro da Índia, vem do português, boa baía, e é um nome bonito. O país recebeu como herança dos tempos coloniais a língua inglesa, e agora faz muito uso dela, com os seus serviços e call-centers que conversam com o mundo – relutei em dizer que faz bom uso, só quem se esforça para entender o inglês falado por um guia indiano sabe do que estou falando.

Não só de bombas, espiritualidade, sujeira e injustiças sociais vive a Índia.
Está aberta a temporada de casamentos por lá, e isso aparecia a cada momento da nossa viagem. É só sair na rua, a qualquer hora, de qualquer dia da semana, para cruzar com um cortejo colorido e barulhento festejando a data mais importante na vida de um indiano. Tem para todos os gostos. Entrar num hotel, seja de quantas estrelas for, e ver a tenda armada. Abrir o jornal e ler os classificados. Dizer que é solteiro e ver a reação que provoca – todos vão querer te arranjar um - casamento! Talvez tenha sido a maior surpresa da viagem.

Nunca tive notícia de um povo na terra que procurasse tanto a orientação dos astros como os indianos, isso eu comprovei, e pode bem ser verdade que os reis magos tenham saido da Índia para homenagear Jesus que nascia na manjedora seguindo a estrela que os levou a Jerusalém, valorizando riquezas, ouro e presentes como eles bem valorizam até hoje.

Os indianos se casam fazendo um mapa astral, que precisa coincidir, e que leva em conta muitos antecedentes familiares.
É ainda um pouco confuso para mim o que tem mais peso, pois parece que misturam tudo nessa previsão pré-matrimonial, os astros, as castas, especialmente a divisão entre castas, banidas por lei há mais de cinquenta anos mas ainda totalmente presente na vida dos indianos. E conhecendo o jeitinho indiano, duvido que não haja uma conta de chegar para acomodar interesses. Mas o mapa é importante num país em que os pais procuram noivos e noivas para os filhos nos classificados de domingo, independente dos candidatos e candidatas já terem morado por muitos anos nos Estados Unidos ou na Europa, caminhando com as próprias pernas e trazendo um MBA debaixo do braço. Isso tudo está no anúncio, junto com a apregoada beleza física dos candidatos.
Além disso, depois que casam, não se separam, é o jeito com que se organizam. Podemos imaginar o que acontece extra-oficialmente, já que o peso e a determinação da cultura não costuma conseguir sufocar desejos e sentimentos, e o ser humano não pode ser tão diferente assim só porque nasceu na Índia.
Isso é regra geral, é claro que a Índia também tem suas exceções, e está mudando e se voltando muito rápido para o mundo ocidental, como nunca antes visto num país que se orgulha de ter a única cultura da antiguidade ainda bem viva no mundo – mesmo que isso signifique viver sob bombas trazidas frequentemente por paquistaneses radicais.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

INDIA


Voar é um milagre dos céus, caímos sem pára-quedas num outro mundo. São trinta horas de viagem, incluindo aeroporto e conexão. Para digerir a India, é preciso bem mais que isso. Ninguém volta da India igual ao que era antes, foi a primeira frase que me disseram, no primeiro contato que fiz. Preciso mesmo de tempo para dizer porque.