quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Caminhos escuros, olhos abertos


Escrever ajuda a organizar as idéias. Reler pode ajudar a perceber as que não se sustentam, as que estão fora de propósito ou lugar... nada como um texto depois do outro para assim, branco no preto, perceber mudanças por que a gente vai passando. Já nada como um dia depois do outro, eu não sei se concordo, às vezes a gente prefere um que já passou, mas eles passam mesmo sem a nossa aquiescência. Não dá para aceitar todos os ditos populares. Mas que as aparências enganam, enganam. Por isso a gente não deve viver cheia de certezas e conclusões apressadas.
Lembro que a minha mãe me falou de um padre amigo que lia o jornal sempre antes de entrar no altar para celebrar uma missa, o que era visto com estranheza. Um dia tomaram coragem na sacristia e pediram uma explicação para esse hábito inusitado que julgavam impróprio, e ele explicou: era assim que se preparava para aquele ato de fé, rezando pelas vítimas nas notícias que lia. As notícias já eram muito mais tristes e trágicas do que alegres naquela época. Nos fazem tristes, mas geralmente não nos conduzem ou orientam no sentido de modificá-las, e assim acabam vazias, só trazem a angústia da impotência. Qual o sentido de informar apenas para manipular sentimentos?
O Ocidente, mesmo considerando as extremas desigualdades existentes, dando uma grossa generalizada, parece ser mais limpinho e organizado que o Oriente, onde lugares com os padrões do primeiro mundo parecem existir mais como ilhas isoladas. É claro que não se mede desenvolvimento pelas aparências materiais, ele precisa se dar em todos os sentidos para corresponder ao significado mais amplo da palavra, mas as necessidades básicas não são básicas?
Com toda a riqueza e diversidade de cada cultura, mesmo sendo tão forte o peso da cultura, é difícil digerir flagrantes diferenças sociais. Já chegar à raiz delas, é mais complexo ainda.
As coisas nem sempre são como parecem à primeira vista, e uma olhada rápida pode nos levar a caminhos equivocados.
Países colonizadores ficaram ricos explorando suas colônias, que mesmo independentes custam muito a se libertar. O desenvolvimento que alcançaram foi voltado para produzir ou escoar riquezas, as estradas de ferro que eu admirei na India devem ter servido muito aos ingleses, como as nossas que continuam ativas servem aos intermináveis e impressionantes trens de minério que várias vezes vi passar em terras mineiras.
Que governante, em qualquer tempo ou lugar do planeta, faria ou fará diferente? O povo nunca foi prioridade em lugar nenhum, não seria nem como audiência de tv, se isso não significasse dinheiro.
Os pastos daqui alimentam os bois que acabam nos pratos do lado de cima do globo, o lucro volta para os mesmos poucos bolsos daqui que já são abonados. Não mudando o modelo, as coisas não podem mesmo mudar muito.
Bom, pelo menos os indianos são, em larga maioria, vegetarianos. Seu processo de independência se concretizou com a marcha do sal, o movimento de Gandhi incitando o povo da terra a não pagar pela riqueza retirada de suas próprias águas.
As vontades e as crenças são misteriosas, mesmo não sendo visíveis ou palpáveis, quando tomam corpo, podem vencer árduas batalhas. Os indianos adoram o Ganges, o rio sagrado, e em tempos antigos desprezavam o mar, chamado de água negra. Pensei: não eram águas de beber, e traziam os invasores, seria por isso?
Jodhpur, na India, é conhecida como a cidade azul, cor antes reservada para as residências dos brâmanes, a casta mais alta, mas que a população se apressou em adotar. Mais fácil pintar a parede de azul do que derrubar o sistema de castas.
Sabedorias, fraquezas e sonhos, já isso é comum a todos os povos da terra.

11 comentários:

Selma Boiron disse...

Adorei seu post - só pra variar. É aquela releitura das impressões de uma viajante sensível e atenta mostrando, em paralelo à nossa realidade, que no fundo, no fundo, somos BEM iguais. Mas sabe, adorei mesmo a 'subversão' chicobuarquiana da ordem da expressão preto-e-branco. No caso dele, para rimar com soneto - e, segundo o próprio, mais poético do que colecionar tamancos! No seu caso, hmmm, bom, creio mesmo que há um soneto nas conclusões finais. Ainda que sem métrica, ainda que sem rima :) Abs!

Selma Boiron disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
isabella saes disse...

Pois é, Vanda, no fundo somos todos iguais. Adorei o "Globo Repórter" sobre a Índia, principalmente a "Yoga do Riso". Depois passa lá no meu blog. Tomei a liberdade de fazer referência ao programa e ao seu blog tb. Beijos.

Selma Boiron disse...

Hmmm, Bellíssima, tb a-mei a tal yoga risonha. E faz msm TODO sentido se a gente pensar no sorriso dos bebês, motivado por pura repetição mas q deixa a gente td feliz! Vou lá no Mente Inquieta agora, bjks blogueiras!

vanda viveiros de castro disse...

Bella, tome seeeempre essa liberdade! Ainda mais que o programa passou mas fica no site, onde tem também fotos, making of e o texto, as pessoas continuam podendo ver lá, e até ver o que não se viu no programa. Volto logo que puder no seu site, com tempo.
Fico feliz com o retorno, seu e da Selma, o programa, mesmo entrando tão tarde, agradou bastante. É difícil mostrar coisas novas de um país tão explorado, mas a Índia surpreende, e ainda vai render muito por aqui. Beijos agradecidos!

Sergio Brandão disse...

Oi, Vanda! Cheguei até aqui via "Mente Inquieta" (Isabella Saes)... Gostei muito das reflexões que vc propôs e compartilho suas idéias... É difícil mesmo aceitar os valores de outros povos no dia-a-dia, quando se tem visão e comportamento tão etnocêntricos... Infelizmente, "perdi" esta edição do "Globo Repórter", mas depois vou ver se consigo recuperar alguma parte pela internet... E depois voltarei aqui, com mais calma, para ler o post sobre a sua viagem à Índia! Bjs.

Suellen Analia disse...

Olá, Vanda!
Vim aqui por recomendação da Isabella, e gostei muito.
Ótimo texto.
É engraçado a gente pode visualizar, mesmo que seja por um texto, um pouquinho do outro lado. E mais legal ainda, é percebermos que somos bem parecidos.

Beijo, Vanda.
Voltarei!

vanda viveiros de castro disse...

Oi Sérgio, suas visitas e comentários são muito bem-vindos por aqui!
Os textos mais antigos tem muitas outras viagens, e se quiser ver o programa da Índia, ele está lá: http://globoreporter.globo.com
Beijos, Vanda

vanda viveiros de castro disse...

P.S: Sergio sem acento!

vanda viveiros de castro disse...

Oi Suellen, é isso mesmo, somos parecidos, mesmo sendo de outra terra, outra cor, ou tendo os olhos mais puxados ...constatei isso claramente no Japão, como conto num texto mais antigo. Tem muita história por aqui sobre outros cantos do mundo, volte sempre!
Beijos,
Vanda

vanda viveiros de castro disse...

E à Selma, que fez uma alusão a um verso de um dos meus gurus, já que "estamos" na Índia - Chico Buarque - explico que a subversão foi menos por pretensão poética e mais pela observação da minha base blogueira - afinal, aqui, escrevo branco no preto... já lembrar o Chico, com ou sem propósito ou mérito, é sempre muito bom... beijos da Vanda