terça-feira, 31 de março de 2009

Dois mundos


Uma amiga que morou recentemente na Índia me deu uma informação curiosa e surpreendente, que parecia não bater com a que li e escrevi outro dia. O livro “O Tigre Branco”, do indiano Aravind Adiga, premiado e best seller no resto do mundo, fracassou na Índia, mas é o primeiro caso que conheço de best- seller- pirata, oferecido e vendido nas esquinas de Mumbai. Achei estranho, mas depois de pensar por alguns minutos, acho que entendi: ele foi um fracasso de vendas na Índia que tem dinheiro para comprar livros, da classe média alta para cima, a Índia da Luz, mas estava fazendo o maior sucesso entre os habitantes do mundo que ele retrata, a Índia da Escuridão, como ele divide no romance. Faz sentido.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Procuras


- “Oi vadia!”
- “Oi cachorra!”
Quando duas moças se cumprimentam assim, conforme entreouvido por aí, alguma coisa está mudada. Mas pode ser que nem tanto quanto parece. Cariocas têm uma informalidade e um humor meio peculiares, que podem atiçar a imaginação além da conta.

- “Minha mãe dizia: nada de moça de segunda a quinta. E os dias “nobres” ficam para a farra? Nada disso!”
Aí, acho que os tempos mudaram, sim, a “farra” a que essa mãe se refere perdeu um pouco o sentido hoje. Mas não todo.
- “Rachar a conta no restaurante? E na primeira vez? Se acontece comigo, vai ser uma vez só. Se não pode, não convida".
- "Rachar motel?? Jamais! Mas conheço quem racha. Estão mesmo folgados.”
- “O cara liga e diz: Vem pra cá! Você pega o seu carrinho, ou pega um taxi! E vai para a casa dele! F - - - delivery! Se você pensar, valemos menos que uma prostituta. Ele tem todas as facilidades e não tem que pagar. Sou formada, tenho MBA, emprego. Não é complicado isso?”.
Céus...
Outra pessoa da turma comentou: "Vivemos numa sociedade falocrata". Não ajudou muito a constatação. Mas serviu para me lembrar que alguns meninos que eu conhecia eram acordados pelas mães todas as manhãs com café na cama. Pode dar certo?
A conversa (não o cumprimento acima!) é entre moças novas, bonitas, saradas, formadas, batalhadoras, da zona sul do Rio de Janeiro. Não sei o que dizer nem o que pensar, a única coisa que me ocorre é que pessoas são únicas, gente não é gado, e belos encontros acontecem e acontecerão. Talvez o problema seja mais demográfico do que de qualquer outra natureza.
Pensei também que eu não teria a menor chance nesse mundo, em nenhuma fase ou idade.
A conversa estava boa, mas voltei a me concentrar no pilates. Meia hora de bicicleta antes, e as indispensáveis caminhadas na Lagoa. É bom fazer alguma coisa por nós. Sem pressão, apenas seguindo um caminho bom. Depois de uma temporada de suco verde, a dieta da sopa...e quem sabe um tal regime japonês. Se os índios contam as luas, por aqui contamos os verões. O seguinte não vai ser igual a esse que passou.
Suspeito que cuidando do corpo – e ele responde! - a cabeça melhora. São difíceis os encontros. Estar de bem conosco já garante a metade.
Abri uma revista e li a Dilma falando sobre “ficar”, e pensando na filha:
- “... nós mulheres estamos danadas...porque esse negócio de ficar não funciona bem para as mulheres...a gente precisa de uma certa sedução, de corte, do processo da conquista. Não pode ser aquele sincericídio horroroso que há no ficar”.
É.
Não acho que o passado era mais feliz, acho só que a vida com regras mais definidas era mais simples.
Minha torcida aqui pelas meninas.

segunda-feira, 23 de março de 2009

O país dos milionários


“Slumdog Millionaire/ Quem Quer Ser Um Milionário”, ou cão de favela milionário, traduzindo ao pé da letra, não lota os cinemas indianos. No início das sessões, como é hábito no país, o público se levanta e canta o hino nacional. O filme, que ganhou oito Oscar, é discutido na Índia em programas de televisão, mas lá ele perde porque fere o orgulho nacional da classe média ascendente indiana.
E tem o mesmo destino de um livro muito bom, que é um best seller mundial. “O Tigre Branco”, de Aravind Adiga, conseguiu ganhar o Booker Prize em Londres, foi traduzido para mais de 30 línguas, mas na Índia não só foi arrasado pela crítica como é um fracasso de vendas.
Como corda em casa de enforcado, é fácil de entender que o terceiro mundo seja muito sensível aos seus problemas. Não se trata disso, aqui. Indignação e ofensa por ver suas desigualdades e injustiças expostas, em vez de querer discuti-las, é a incompreensível contribuição para a perpetuação delas – avareza e egoísmo são comportamentos conhecidos, o que não quer dizer compreensíveis ou aceitáveis.
A verdade é que houve na Índia, em 2000, um milionário como o do filme.
Harshvardhan Nawathe, conhecido pelo apelido de Harsh em seu país, como conta uma matéria do Der Spiegel, é o personagem de verdade do filme. Ele foi o primeiro e único até hoje a vencer a versão indiana do nosso “Show do Milhão”. Ele não era como as crianças da favela, sua família era bem modesta mas cuidou dele.
Reconhecido nas ruas e muito mais popular do que o filme “de Hollywood” por lá, ouvia do pai policial, que trabalhava no combate à corrupção, muitas histórias de fraudes, evasão fiscal e também a leitura do “Mahabharata”, o épico heróico ancestral da Índia. Sua mãe o convenceu a se candidatar porque quando assistiu o programa viu que ele sabia todas as respostas. Ganhou 10 milhões de rúpias, quase 200 mil dólares, assistido por 350 milhões de pessoas, um terço da população indiana.
Durante um ano ele recebeu cartas, pedidos de autógrafos, de doações, de casamento. O pai já estava aposentado há sete anos, mas mesmo assim corriam histórias de que teria subornado o apresentador, que esteve envolvido em um escândalo de impostos na época.
O menino foi usado, assediado, transformado em marca, era muito educado para recusar as propostas, ficou num primeiro momento seduzido com a fama, mas não perdeu a cabeça. Até hoje existem oito shopping centers em Mumbai com o seu nome. Passou por uma depressão, mudou-se para Edimburgo, onde conseguiu um MBA com louvor, pediu à mãe – bem ao estilo indiano - que encontrasse uma mulher que soubesse lidar com o mundo de Bollywood mas não se deixasse levar por ele. Casou-se com uma ex-atriz de novela, cuida de um filhinho de quatro meses, trabalha com crianças de uma favela de Mumbai, como gerente de uma ONG indiana que garante professores, livros, aulas de informática, até que as crianças se formem.
No momento está empenhado em conseguir doadores para que a fundação aceite mais oito mil crianças em seu programa de apoio. Vive uma vida discreta, cuidando da família e do trabalho.
Talvez sua história tenha inspirado o livro “Rupees! Rupees!”, no qual o filme é baseado. Ele não sabe, porque o autor, um diplomata indiano, nunca fez contato com ele. Nem o diretor do filme.
De qualquer forma, acho que a vida se saiu aqui ainda melhor do que a arte.

terça-feira, 17 de março de 2009

O papel da mídia


Não é o de embrulhar peixe.
Como passei minha vida profissional sempre em alguma redação, posso dizer que até hoje não existe ( mesmo para as pessoas de boa fé ) clareza, definição e certeza suficiente sobre o limite entre cobrir ou não cobrir, ser afoito ou ser furado, brigar por audiência sem atrapalhar, prejudicar, invadir ou até acabar com a vida de quem está, em última análise, nos ajudando a ganhar a nossa.
São muitas as questões, e muito, muito poucas as discussões. Existem certamente no meio acadêmico, em sites e blogs, em alguns sindicatos, talvez, e onde mais seja será sempre em escala muito menor do que entre a massa que exerce o ofício de falar ou escrever para muitos leitores.
O Brasil está longe de estar pronto, é um país apenas remexido. Formação mais acurada se dá em áreas mais técnicas, onde ela é absolutamente essencial. Fora disso, estamos sempre meio atrasadinhos, o que é agravado pela cultura, tão arraigada, de desconfiar de transformações significativas. São bem aceitas por aqui novidades aparentes, que retardam mudanças radicais. O país parece sempre em movimento, mas a moda muda sem mudar na essência. Todos aceitam que precisamos mudar, mas que há pouca esperança de que isso aconteça. Os problemas são sempre os mesmos, as pessoas são todas farinha do mesmo saco - disseminar a crença de que por aqui nada muda é o melhor caminho para se deixar tudo como está.
O curioso é que passamos por uma mudança bem radical nas duas últimas eleições. Não é pouca coisa, em um país de eternas capitanias hereditárias, eleger um ex-operário.
Como não é qualquer país do primeiro mundo que elege um presidente negro. Mas lá, a comemoração se dá mesmo por quem não espera grandes mudanças, mas é capaz de ver a última eleição americana como um marco histórico e redentor de muitas injustiças do passado e do presente. Aqui, mesmo quem teme grandes mudanças, há de concordar que o Brasil é um país de grandes desigualdades, e que seria melhor para todos que elas fossem menores. Mas nunca vi por aqui o sentimento de que só o fato de elegermos por duas vezes um ex-operário merece comemoração porque já é em si um fato histórico, digno, sim, de ser comemorado, independente de ser ou não ideal, de se gostar do eleito. Falo do fato em si.
Estou falando, repito, de pessoas de boa fé. As de má fé sabemos o que querem.
Acho que nos falta grandeza. Sem perceber, somos dominados pela cultura da “farinha pouca, meu pirão primeiro?” Ou levantamos, sem pensar ou reagir, a bandeira de quem pensa assim? Por que se reage com mais indignação contra erros de Português do que contra denúncias de corrupção pesada com dinheiro público, que poderia estar sendo usado na saúde, por exemplo? Menos dinheiro na saúde não pode ser responsável por falta de assistência e morte?
Parar para pensar - jornalistas trabalham com a cabeça, mas parece que a sombra do período autoritário não se foi quando passamos a eleger presidentes.
Posso não ter sabedoria suficiente, mas esperança não me falta. Já que lembrei um ditado, prefiro ficar com o “água mole em pedra dura, tanto bate...”. O problema é o tempo que leva, e o que se perde nessa estrada, mas tenho esperança de ver minha profissão encarada com mais cuidado, mais seriedade, mais questionamentos, e uma melhor compreensão do seu alcance. O Brasil vendeu mais carros, mais computadores, mais eletrodomésticos nos últimos anos. Vendeu mais jornais? Subiu a audiência dos jornais de televisão? Isso precisa nos preocupar, e sinceramente. Porque escolhas erradas, insinceras ou desconectadas podem resultar numa perda assim como a da galinha dos ovos de ouro.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Flora brasiliensis


O Rio tem mais um ipê, plantado hoje pelo príncipe Charles no Jardim Botânico.
O da foto é particular, espremido nos fundos de vários prédios - de vez em quando acontece, na janela da área, essa explosão amarela.
Não tenho jeito com a fauna, muita simpatia mas pouca intimidade com cachorros, não curto muito gato.
Isso um dia preocupou minha filha, que felizmente achou que a flora poderia ser minha redenção. Para ela, quem não gostava de bicho não tinha bom coração, mas já que eu gostava tanto de planta, calculou que isso poderia compensar.
Fui salva dessa vez. As mulheres más ficaram restritas aos filmes noir.
A gente quer comida, diversão e arte.
Respeito, igualdade, trabalho, educação.
Tudo de bom...e um mundo florido também.
Por que não?

domingo, 1 de março de 2009

No escuro


O filme “Call Northside 777”, de Henry Hathaway é de 1948.
O título no Brasil não conta: “Sublime Devoção” – esse tem a desculpa de ser de outro tempo, mas desde sempre, títulos que os filmes estrangeiros recebem aqui são uma história à parte. Títulos disparatados, ligeiramente ridículos ou, o que é pior, completamente reveladores, não devem ser surpresa para espectadores atentos. Já ouvi muitos casos risíveis de títulos em Portugal, mas não passam de mais piadas de português: "Psicose" em Portugal NÃO se chamou “O Filho que Era Mãe”! Chamou-se "Psico". Rimos, mas como é de praxe, não olhamos para o nosso umbigo.
Que tal “o Homem que Burlou a Máfia”("Charley Varrick" no original, EUA, 1973)? Será que é preciso ver o filme, depois de ler esse título? Esse não é piada. “Os Brutos Também Amam”, para “Shane”: mais um pouco e vira redação de escola.
Bom, voltando ao filme em questão, eu vi hoje um filme de sessenta anos atrás, diferente dos que de vez em quando vejo na tela aqui de casa. Reclamo da maioria dos filmes dessa época, especialmente dos filmes “noir”, que a wikipedia classifica como "filmes de um mundo cínico e antipático", e eu classifico como “filmes de mulher má”. Tem sempre uma mulher bem má na história, sórdida, pérfida, para desgraçar ou enlouquecer homens que podem não ser tão bons mas têm mais boa fé. Isso me deixa meio revoltada, independente dos filmes serem bons, como geralmente são. Pior do que as mulheres, só os jornalistas ficam, quando tem jornalista na parada. Está aí o clássico “The Front Page” que não me deixa mentir. Jornalista é pior do que mulher má, é desclassificado. Não sei o que o cinema americano tinha contra mulheres e jornalistas, mas existe uma quantidade enorme de filmes que não me deixam mentir.
Pois esse é um filme de jornalista bom. Quer dizer, não começava bom, era na verdade o menos bom da história – que eu não vou contar – mas a história era tão boa que ele foi melhorando, tão boa que parecia ficção – e é uma história real.
Bons tempos. Tempos em que os jornais dependiam das histórias que publicavam e do que os jornalistas escreviam para vender jornal. O dono do jornal consultava o jornalista sobre a história que ele ia escrever, ou estava escrevendo, o trabalho que ele estava assinando. A cidade inteira acompanhava, e a venda sustentava o jornal. Não era o anunciante que dava as cartas, não eram interesses misteriosos, desconhecidos e incompreendidos justamente por quem arregaça as mangas e faz o jornal. Evoluímos?
Às vezes a gente nem repara que o mundo está torcido e de cabeça para baixo. Ficção, realidade, o jeito é procurar na wikipedia para saber o que é o quê.