
Papéis resistem. Tem garras, e proliferam. Antes eram pastas de documentos que hoje são quase históricos, quem sabe um dia virarão um livro. Idéias de pauta, fotos bonitas (guardadas, como a mãe fazia, para trabalhos de escola), lembranças, informações para matérias. Documentos de processos que um dia encontrarão solução. Ou a lixeira.
Receitas culinárias, um armário à parte. Agora surgiu ao lado da cadeira do computador uma mesinha, já com pequenas pilhas de coisas fundamentais, idéias para desenvolver, que me olham pelo lado direito. Gosto de me informar sobre o que me interessa, sobre o que acho que importa, ou o que importa é só o que está previsto que eu faça? É preciso ser equilibrista, de circo mesmo, ou mais forte ainda, para acomodar tudo. E conseguir avaliar o quanto o mundo nos empurra sem andarmos com os nossos próprios pés e pelos caminhos que escolhemos.
Não é justo nem produtivo lamentar o que já foi trilhado, nem se desentender com a própria cabeça, mas a vida pede mais simplicidade e frugalidade à medida em que nosso tempo fica mais curto. E tudo pede tempo, que quanto mais passa, menos sobra. Focar não é palavra imperativa agora? Passar a limpo, ficar compacta, leve e objetiva. Numa cabeça livre, quem sabe só entra o que a gente quer? A palavra que me vem nem som bonito tem, mas rede é a sensação que me envolve nesse momento, uma rede para descansar, junto com a rede para me jogar como faço aqui. O pensamento, por ironia, me trouxe mais uma dualidade, dois mundos antagônicos numa só palavra. Nada de novo aqui no litoral.
Não sei, mas já desconfio que a mudança está no jeito de olhar e de andar, mais do que na mudança em si. Vou conseguir ser única, sábia – ou mesmo sabida - inteira e compacta um dia? Mudança é desapego. Contatos e anúncios de apartamento já formavam uma pilha na mesinha ao lado antes de irem para o lixo. Serviram, no entanto, para revelar que o que eu quero não está anunciado, mas mesmo assim vou encontrar.
Nessa rede tão absorvente que abracei nada se paga, só a satisfação é garantida, quem milita aqui costuma ainda ganhar um olhar de viés - como se o mundo real passasse por um criterioso controle de qualidade - vindo dos especialistas estabelecidos e chancelados – que também se servem da rede, vale lembrar.
Como tudo que há nesse mundo, seja na feira ou na rede, é preciso saber escolher.
Feito o poeta Gentileza, que espalha seus escritos gentis pela cidade, gostaria de dar aqui a minha contribuição em alegria, mesmo que as vezes ela seja escassa até para consumo próprio. Para bem viver, além de determinação, imaginação e talento, é preciso ter coragem para vencer o medo do abismo entre perder e ganhar. E poder contar com o auxílio luxuoso de uma rede – ou das duas.
