quarta-feira, 17 de março de 2010

Dupla face


Se uma coisa te abala fora da medida, procure na infância a explicação. Leiga de todo, me surpreendeu mesmo esse elementar veredito, mas vejo que infância é coisa dispersa, temos muitas infâncias, amadurecemos aos trancos e aos pedaços, por isso o sentido é buscar no passado os tropeços que passaram batidos e nos engasgam mesmo quando nos falha a memória. O corpo tem memória, nem sempre consciente.
Não sou cinéfila, gosto de cinema, não sei se tenho filmes cult, tenho filmes caros, dos que dão vontade de ver e rever muitas vezes. Podem ser de qualquer gênero, alguns até ficam datados, podem decepcionar um pouco, mas o sentimento que um dia provocaram, não. É o dom da arte verdadeira, que fala com as nossas emoções.
“Violência e Paixão” é um dos que não me deixam, por mais que mude a moda. Mesmo envelhecido, através da história que conta continua a falar sobre diferenças, incompreensões mudas, impossibilidades, desencontros surdos. “Gruppo di famiglia in um interno”, de Luchino Visconti, em italiano, “Conversation Piece” em inglês. Gosto igual dos títulos, menos do que recebeu aqui.
Burt Lancaster é um professor que vive sozinho com seus livros, cercado de toda a sua arte. Ceder à proposta de deixar uma marquesa ocupar seu apartamento de cima já é quase uma violência para ele. Junto com ela vem sua filha, o namorado e o amante, e todos os insetos que entram quando se abre uma janela. Malditos, benditos. Escolhas e o que se perde com elas.

Um ser dividido: muito pequena, descobri o mar e a montanha, que não se somavam. Cheiro de sal ou cheiro de mato, eles se alternaram na minha vida desde muito cedo, quando tinha um perdia o outro. Quando a gente é criança, acha que tudo é para sempre, e quando gosta muito, a perda é sempre muito sentida.
Estou mesmo disposta a desbancar a maldição da bipolaridade: nosso coração é bipolar – quando não é tri – e nosso gosto pode muito bem nos levar de um polo a outro por genuíno sentimento de prazer e alegria mesmo.
Nada mais novo que um dia, nada mais difícil do que a ventura de virar uma página.

2 comentários:

Kalaari disse...

Querida Vanda,
Há muito que não vinha ao teu blog, mas a minha vida é um carrossel.Sem
paragem... Estou farta de aviões, de malas, de tudo... Cansei. Vim aqui para me descontrair, e desejar-te tudo de bom. Nem tempo temos para cultivar amizades... Enfim... Beijão grande da
Vera Lucia

vanda viveiros de castro disse...

Querida Vera Lucia, se sua vida é um carrossel, esse blog é uma caixinha de surpresas! Sempre muito boas, felizmente. Sei que quando é demais enjoa, mas ando com muita saudade de uma boa
estrada... mesmo sem grandes viagens, ando também com a vida muito corrida, mas volta e meia lembro do seu blog, sempre pensando em visitá-lo com mais tempo, o que quero mesmo fazer breve. Grata pela visita e pelos votos.
Beijos da Vanda