domingo, 25 de abril de 2010

Memórias de uma foca


Um colega de trabalho, me ouvindo contar que eu havia começado a carreira no Correio da Manhã, me chamou num canto e disse: você não devia dizer isso, vão achar que você é muito antiga! Hoje eu até sou, mas isso foi há muitos anos. Não sei qual era o problema dele, mas sugeria que eu escondesse o meu orgulho de ter trabalhado, mesmo ao apagar das luzes, no que eu considero o jornal mais importante desse país! Mesmo não vivendo mais os seus dias gloriosos, aquela redação tinha história...
Depois de publicar um histórico editorial, Niomar Moniz Sodré Bittencourt, editora e dona do jornal, quando a ditadura se instalou, precisou fugir pela porta dos fundos, enquanto uma repórter, que eu depois conheci ali, saía disfarçada de D. Niomar em seu carro, enganando o cerco já armado para prendê-la. Dali seguiu para Paris, onde se auto-exilou. Ela havia assumido o jornal depois da morte do marido, Paulo Bittencourt, em 1963. Participou ativa e vergonhosamente da campanha contra o presidente João Goulart para imediatamente se colocar contra a ditadura, e com isso entregar o jornal, falido e boicotado, ao triste destino que teve.
Isso eu ouvi e leio agora, mas já cheguei na “nova” fase. As histórias que se ouvia ali eram outras, era uma redação festiva e nada ortodoxa pelo que se contava. Eu passava ao largo, trabalhava muito, mas minha turma era mais da faculdade do que da redação. Quando entrei, ele já era regido pelos irmãos Alencar (Mário, Maurício e Marcello), que por conta da novela “Irmãos Coragem” passaram logo a ser conhecidos como “Irmãos Bobagem”, embora não me conste que fossem nada bobos. O dinheiro para manter o jornal, diziam, vinha do Ministério dos Transportes, que tinha à frente o Ministro Mario Andreazza, e tudo leva a crer que sim, pela cobertura que o jornal dava a cada estrada inaugurada.
Fui parar no jornal levada por uma prima da minha mãe que era casada com um dos editores. Tinha feito dezessete anos e ao contrário do meu ex-colega já da tv, não tenho medo das contas que possam fazer, estava inscrita no vestibular da ECO, Escola de Comunicação da UFRJ, que ficava a poucas quadras dali.
Se no começo eu tinha medo das ruas do centro da cidade, que achava estreitas e escuras, logo fiz daquele pedaço ao lado do SAARA, o comércio judeu e árabe, o meu paraíso, e era vítima apenas da própria timidez e formalidade. No primeiro dia, com vergonha de perguntar a pessoas que eu ainda não tinha conhecia – onde se almoçava por ali, atravessei a enorme Avenida Chile, para comer no Bob’s do Largo da Carioca. Logo descobri que repórter sem boca não se cria, e que havia um enorme restaurante “bandejão” no andar de cima do prédio, e era ali que todos comiam. Além de uma comida barata e bem razoável, o cardápio me divertiu, com suas opções de “Filé à Franceza, Filé à Brasileira, Filé à Venida”, certamente em homenagem à Avenida Gomes Freire que até hoje abriga o velho prédio.
Não virei uma jornalista como os que eu imaginava ser quando pus um pé na profissão. Mas também, a gente vê hoje cada papel de quem é figurão, e esses, eu nunca quis, não. Em um país que até hoje está engatinhando na área de respeito ao indivíduo e ao patrimônio público, e que não viu nascer durante sua colonização a admiração e o respeito pela força de trabalho, os profissionais da mídia não poderiam ter, como ainda não tem, vida fácil.
P.S.: foca, para quem não sabe, é jornalista novato, calouro. Não sei porque, só sei que se não fica logo esperta, vira comida de tubarão.

* a foto acima foi uma surpresa engraçada. Saiu no Jornal do Brasil, que era famoso pela qualidade e criatividade de suas fotografias. Numa entrevista coletiva, eu estava ao lado do cardeal Dom Eugênio Sales, tão pia e compenetrada, vestida de preto e branco, que devem ter achado que eu ficava bem na foto.

Nenhum comentário: