terça-feira, 12 de abril de 2011

Degenerar



O lugar que me coube na profissão que escolhi me poupa de lidar obrigatoriamente com grandes tragédias. Sou jornalista, no entanto, e essa é daquelas profissões que entram na corrente sanguínea, difícil calar ou segurar o teclado diante de uma notícia.
Sendo mãe, não posso imaginar dor maior do que perder um filho. Já ficamos agredidos e abalados apenas em saber que outras pessoas passam por sofrimento tão grande. Por isso admito que o desagrado e a rejeição que costumam provocar em mim a exposição do sofrimento não sirvam de parâmetro para medir a intensidade da cobertura de crimes e tragédias como a que aconteceu em Realengo. Críticar a cobertura pode parecer, para quem tem que lidar com notícias muito chocantes e tristes, injusto e até ofensivo, mesmo que não fosse parte da nossa cultura uma especial aversão a críticas. O que eu considero uma de nossas desventuras, porque crítica, bem como sofrimento – excluindo é claro as exceções traumatizantes - costumam proporcionar crescimento e evolução.
A minha primeira reação é a de respeito pelo sofrimento alheio. A única justificativa para expor pessoas que sofrem é denunciar injustiças, no sentido de que sejam punidas para evitar sua repetição. Aí eu penso: o que move uma cobertura é sempre a procura das causas?
É evidente que se fosse possível prever e antecipar um assassinato, não haveria assassinos. Mas da mesma forma que para se criar uma criança é preciso uma rede em volta dela, uma sociedade empenhada em protegê-la, detetar um psicopata, impedir que ele tenha acesso a uma arma, entre num lugar cheio de crianças indefesas e promova um massacre deveriam também ser tarefa de uma sociedade. Um doente mental é responsabilidade – embora seja uma difícil e triste tarefa – da família e também do estado. Um vizinho problemático pode ser detetado por um gesto de interesse ou ajudado por um gesto de carinho. Os problemas que temos aqui não vieram de Marte. O que é estranho também é humano, na medida em que faz parte da Humanidade, e o que me choca, na verdade, é constatar sempre o choque apenas em situações extremas. Não se trata de procurar culpas depois do leite derramado, mas muita coisa poderia ser evitada, sim, e com ajuda da mídia. Não, não tem perdão. Eu esperava da minha profissão um pouco mais de coração e massa cinzenta do que o que podemos procurar – até cansar - num megafone.

Um comentário:

Anônimo disse...

momentos tragicos como o que ocorreu no Realengo devem sobretudo fazer refletir, questionar e cobrar. todos ficamos chocados, sem palavras e nos colocamos no lugar daquelas familias, participamos da dor. os neios de comunicaçao, sobretudo a teve, tendem a apelar mesmo nestas horas. sem pudor e respeito.

av