Cuido de um jardim, insuspeito jardim para quem passa a apenas vinte centímetros dele, do outro lado do muro que beira a calçada que o separa da rua. O que faz pensar que é possível não saber o que se passa mesmo muito próximo, a um palmo da gente.
Num pequeno jardim - que pode ser muito alto para quem vem de baixo, ou muito baixo para quem vem de cima - orquídeas convivem com furtivas lagartixas, que dizem ter sangue frio, mas felizmente não morreram com o veneno das baratas, que não eram bem vindas, embora ali não causassem asco, já que naquele ambiente não eram de todo estranhas. Uma pequena quantidade de veneno foi necessária para manter esse pequeno quadrado harmonioso, e ele só mata animais de sangue frio, menos mal, mas isso foi motivo de grande preocupação pois poderei admitir ali a visita de um animal grande e peludo, mesmo depois de passar a vida a ignorar cachorros. O que me leva a registrar que é possível adquirir gosto e hábitos totalmente inexistentes, ou camuflados por décadas.
Além do veneno, sou aqui a única distribuidora de regas e adubos, adulando especialmente a pitangueira e o limoeiro, mas sobrando para as íris, as trialis, samambaias e avencas que brotam nas pedras, trevos e pelos- de-urso, a violeta, gerânios, aspargus e a romã. Plantada num vasinho ao pé da escada tem uma perfeita árvore-da-felicidade, mesmo que a gente saiba perfeitamente que felicidade não dá em árvore, assim como amor-perfeito, nem sempre se consegue no jardim. Reino nesse reino? Claro que não! As palmeiras são altas e continuam crescendo voltadas para o céu, indiferentes a qualquer tentativa de transferência ou redução de seu espaço, desconhecendo o que está mais embaixo. Estão ali para todo o sempre, com suas raízes imperativas. As lágrimas-de-cristo também vão para onde querem. Aceitam alguma condução, mas simplesmente secam quando a direção que se escolhe para elas não as satisfaz.
Tendo sido batizada com o mesmo nome de uma família de orquídeas, achei que poderia ter um dia um jardim totalmente florido. Pois sim. O reino vegetal é comandado pelo astro rei, o sol. É para ele que as flores fazem graça, ignorando os desejos e a mão de quem as cultiva.
Uma mangueira é uma árvore admirável, inspiração verde e rosa para tanta beleza criada em seu nome, mas frondosa, faz sombra no jardinzinho ao lado. No entanto, o cuidado com o jardim inspirou um trato na espaçosa vizinha, que, agora cuidada, voltou a produzir mangas, e recentemente podada, permite agora a passagem de generosos raios de sol matinal.
Um ato, um gesto, um feito qualquer pode mudar totalmente o clima e o rumo de um espaço, e até de muita gente, ao mesmo tempo em que pode também ser totalmente ignorado por uma multidão, porque o mundo é vasto e complexo, varia conforme o de ponto de vista. Distâncias foram sendo diminuídas a cada dia por balão, avião, satélite, fibra ótica, mas quanto mais coisa aparece no mundo, mais desconhecimento se cria. Pois hoje mesmo ouvi na feira que “a vida é fácil, o ser humano é que comprica”. Pura verdade, mas se nem as plantas seguem um manual, e se a gente não sabe o que se passa na terra um palmo debaixo delas, se um caramujinho pequeno pode fazer um grande estrago, como saber dirigir, agir, escolher, decidir, administrar, decifrar coisas tão complexas como um cérebro ou um coração? Quem manda é o sol, a rega, a razão, o caminho que se abre ou se fecha, porque dependendo da hora em que a gente olha, pode estar meio sombreado, pode ter passado a entrada e a gente não vê.
Explicação sempre existe para tudo nesse mundo, já certeza nunca se tem completamente. Como é que aparecem folhas de amendoeira no chão do jardim secreto, se a amendoeira fica lá na outra esquina? Pergunte ao vento. Saber? Quem sabe a lua sabe, ela está sempre lá no lugar dela, mesmo quando a gente não vê. Mas se quem sabe não conta, a gente segue na mesma, e hoje, anotado na agenda, só tenho o nascimento da primeira flor do limoeiro.
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