sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O Pará, tucupi, tacacá, açaí, viagem com açúcar e com afeto


Não sei se isso aqui é sobre culinária, amizade, saudade, blogs em geral ou a casa da minha avó. Por enquanto está mais para casa da Mãe Joana, mas vou ver se juntando pé com cabeça essa salada dá um caldo.
Fui para a cozinha com um belo livro de receitas paraenses que me mandou a Regina, ex-colega de muitos anos, que reencontrei graças a esse blog.
Enquanto operava o mixer, pensei que melhor seria substituir o creme de leite e a ricota por queijo cottage. E deu certo o delicioso Patê de Parma com castanha-do-Pará. E aí lembrei do Acre, onde os acreanos me contaram que agora é Castanha da Amazônia, com a autoridade que eles têm por serem seus maiores exportadores – se algum paraense contestar, que brigue com os acreanos, não comigo, que paraense é gente brava e querida - acreanos também.
Operava o mixer, pensava em blogs, seu valor e suas gratas conexões, e pensei num jornalista que ouvi criticando blogs em geral. Ele, jornalista profissional (como eu, e como muito blogueiro bom), não escreveria de graça. Ok. Ele e suas convicções, melhor, muito melhor deixar de lado e voltar para o patê. Ou para o Pará.
Tucupi, cupuaçu, açaí, disso tudo ouvia falar desde pequena na casa da minha avó. Ela recebia o Pará em casa, no Rio, com o carinho de amigos paraenses. Mas fazia para nós um bife e um ovo “estalado” que não existem mais, porque eram fritos na manteiga no tempo que manteiga não era pecado. Abacate se comia com farinha d’água, lembro até hoje.
Morava num sobrado, numa rua sem saída em Botafogo, e não sairia do bairro para nada, como ela dizia, seria, com foi, dali para o cemitério São João Batista, também em Botafogo. Na verdade, já não saía de casa desde que me entendi por gente. Comprava tudo pelo telefone, era conhecida de todo o comércio do bairro, pude constatar depois. E era uma autoridade na rua porque fornecia a bola para a pelada da garotada. Subia e descia as escadas várias vezes por dia, "se não fosse por isso, já estaria entrevada". E não tinha empregada fixa nem ninguém dormindo lá. Vivia só, com cinco cachorros, todos vira-latas.
Num pequeno quintal, uma barra, um cesto de basquete, que ela jogou com os netos até morrer, aos oitenta e dois anos. Um ano exato depois da morte do meu pai, ela desistiu de viver.
Era talentosa, independente e geniosa, a Vó Mindinha, e uma sogra muito difícil para minha mãe. Teria sido mais difícil ainda se tivesse que discutir política hoje, coisa que interessava a ela tanto quanto futebol. Mesmo assim, tenho dela e daquela casa a melhor lembrança que poderia ter, pela enorme ternura com os filhos e com os netos, mas não gosto de passar por lá. O passado deve ficar no passado, acho.
Lembranças. Todo dia 28 de agosto, aniversário dela, os oito filhos, noras, genros e trinta netos se reuniam na casa da rua Alfredo Chaves. Hoje é 28 de setembro, nome de rua, lembro de descobrir que foi assinada nesse dia a Lei do Ventre Livre, daí a rua, e como o pensamento viaja, pensando em política lembrei que esse foi o dia do debate presidencial no ano passado – porque cabeça da gente é território livre, pode ser a casa da Mãe Joana, e nela a gente não precisa nem juntar pé com cabeça, graças a deus. Aliás, quem será que foi Alfredo Chaves?

domingo, 16 de setembro de 2007


O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.
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Despedir dá febre.
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Viver é muito perigoso.
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Homem foi feito para o sozinho?
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Ciúme é mais custoso de se sopitar do que amor. Coração da gente – o escuro, escuros.
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Coração mistura amores - tudo cabe.
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Desespero quieto às vezes é o melhor remédio, põe a criatura solta. Medo agarra a gente.
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O sertão é do tamanho do mundo.
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Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
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Amizade dada é amor.
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A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.
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Esquecer para mim é quase igual a perder dinheiro.
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Um sentir é do sentente, mas outro é do sentidor.
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O sertão está em toda a parte.
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Sertão é o sozinho.
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Sertão: é dentro da gente.
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Sei de mim?
Cumpro.

Grande Sertão: Veredas João Guimarães Rosa 1956


(rosas em um quintal no Assentamento São Francisco, sertão de Minas)
Fui rever a exposição, agora no MAM, para levar a tia Dedé, colega do Guimarães Rosa no Itamaraty, onde ele trabalhou por vários anos no Departamento de Fronteiras. Costumavam tomar juntos o mesmo lotação para Copacabana, em tempos mais singelos e mais tranquilos no Rio.
Fui premiada: Rosa e sertão fazem tão bem à alma quanto um banho numa vereda, e ainda deixam a necessidade urgente de uma nova visita - ao Rosa e ao sertão.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

I’m tired, je suis fatigué


Além de cair no ridículo, e nos assombrar com aquelas
caras de dragões andróides, o natimorto movimento Cansei
ainda conseguiu tirar de nós, pobres e honestos mortais,
o direito de cansar sossegado, e de dizer:
cansei, sem perturbar com sua nefasta lembrança
o simples e justo direito que temos,
em algum momento da vida, de cansar.
Às vezes a gente cansa. Não para de trabalhar, não pode. Mas cansa.
Não deixa de comer, não vai cortar os pulsos, mas cansa.
Tipo pare o mundo que eu quero descer.
A pior coisa de não ter mais vinte anos não são algumas rugas e
alguns quilos a mais que a gente acumula: é não ter mais o direito
de fazer bobagem e isso ser engraçadinho – para os outros e para nós mesmos.
A idade nos obriga a um pouco de compostura e sabedoria.
I´m so tired, I can´t stop my brain, my mind is on the blink,
I’d give everything I’ve got for a little peace of mind.
Eu e o John Lennon.
Tem (muitas) pessoas e coisas que atrapalham o mundo.
De idéias de jerico, como minha avó dizia, a instalações esdrúxulas,
má arquitetura, má música. Tudo tem seu lugar ao sol,
mas cabe a nós o esforço para não deixar que ocupem muito espaço.
E isso cansa.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Berço Esplêndido


Criar uma filha tendo que explicar que ela está dentro de um carro e uma criança igual a ela está na rua, trabalhando, e que pode ser uma ameaça e não uma criança com quem ela pode brincar, foi difícil porque é difícil explicar o que a gente pode até entender mas não pode aceitar. Você quer defender o seu filho, mas quer também que ele tenha sensibilidade e boa cabeça. E como criar uma criança independente em uma cidade grande, se eu saía de bicicleta sem ter nem que dizer onde ia? Saia justa e vida injusta não são ruins só para os mais injustiçados.
Educação é mesmo a chave para alguma mudança, e não é só a escolar, nem política.

É compreensível que, aos homens, cuidados na infância por uma mulher, possa parecer normal continuar a ter, na idade adulta, uma mulher cuidando deles. Seria natural na divisão de tarefas do passado, em que o homem matava o javali, ou ganhava dinheiro para manter a casa, e a mulher cuidava da casa e da cria.
Temos ainda o impulso atávico de cuidar da casa, mesmo que isso represente uma jornada dupla, ou múltipla – por isso é também feminina a culpa pela sobrecarga. Seja como for, a desigualdade costuma ser desastrosa e é responsável pelo fim de muitas parcerias.
Para uma mulher instruída e ativa profissionalmente, criada de maneira saudável, é difícil aceitar naturalmente a “obrigação” de cuidar de outra pessoa, adulta como ela, e que deve ser tão preparada quanto ela para cuidar de si. Cuidar de crianças é lei, e de lei. Cuidar de um marido, namorado, irmão, pai ou amigo, é um ato de carinho que pode dar muito prazer, mas deve ser encarado como um presente que uma mulher pode querer às vezes dar, e não como lei da natureza. Parece pré-histórico esse papo, mas pelo que observo, o discurso mudou mais do que a realidade.
Nos países de economia desenvolvida, com maior oferta de emprego e mais mulheres independentes economicamente, existem muito mais pessoas morando sozinhas do que havia no passado. Isso sim é uma mudança. Quando se têm filhos pequenos, morar sozinho já não parece tão bom.
As relações humanas não são regidas como se administra uma empresa, mas alguns princípios de uma administração profissional poderiam ser muito úteis em casa, como por exemplo, uma divisão de tarefas realmente democrática - quem sabe no âmbito doméstico seria mais fácil fazer o regime democrático funcionar? Não estou falando de lavar uma louça de vez em quando.
As mudanças que aconteceram são mais teóricas do que reais e mais localizadas do que generalizadas. O homem – salvo abençoadas exceções da regra - continua sendo um animal conservador quando se trata de conservar privilégios, regalias, direitos adquiridos. De modo que, para as mulheres que têm uma profissão ou um emprego, geralmente sobra trabalho dobrado ou a tarefa ingrata e muito pouco romântica de botar a boca no mundo, sempre.