terça-feira, 11 de setembro de 2007

Berço Esplêndido


Criar uma filha tendo que explicar que ela está dentro de um carro e uma criança igual a ela está na rua, trabalhando, e que pode ser uma ameaça e não uma criança com quem ela pode brincar, foi difícil porque é difícil explicar o que a gente pode até entender mas não pode aceitar. Você quer defender o seu filho, mas quer também que ele tenha sensibilidade e boa cabeça. E como criar uma criança independente em uma cidade grande, se eu saía de bicicleta sem ter nem que dizer onde ia? Saia justa e vida injusta não são ruins só para os mais injustiçados.
Educação é mesmo a chave para alguma mudança, e não é só a escolar, nem política.

É compreensível que, aos homens, cuidados na infância por uma mulher, possa parecer normal continuar a ter, na idade adulta, uma mulher cuidando deles. Seria natural na divisão de tarefas do passado, em que o homem matava o javali, ou ganhava dinheiro para manter a casa, e a mulher cuidava da casa e da cria.
Temos ainda o impulso atávico de cuidar da casa, mesmo que isso represente uma jornada dupla, ou múltipla – por isso é também feminina a culpa pela sobrecarga. Seja como for, a desigualdade costuma ser desastrosa e é responsável pelo fim de muitas parcerias.
Para uma mulher instruída e ativa profissionalmente, criada de maneira saudável, é difícil aceitar naturalmente a “obrigação” de cuidar de outra pessoa, adulta como ela, e que deve ser tão preparada quanto ela para cuidar de si. Cuidar de crianças é lei, e de lei. Cuidar de um marido, namorado, irmão, pai ou amigo, é um ato de carinho que pode dar muito prazer, mas deve ser encarado como um presente que uma mulher pode querer às vezes dar, e não como lei da natureza. Parece pré-histórico esse papo, mas pelo que observo, o discurso mudou mais do que a realidade.
Nos países de economia desenvolvida, com maior oferta de emprego e mais mulheres independentes economicamente, existem muito mais pessoas morando sozinhas do que havia no passado. Isso sim é uma mudança. Quando se têm filhos pequenos, morar sozinho já não parece tão bom.
As relações humanas não são regidas como se administra uma empresa, mas alguns princípios de uma administração profissional poderiam ser muito úteis em casa, como por exemplo, uma divisão de tarefas realmente democrática - quem sabe no âmbito doméstico seria mais fácil fazer o regime democrático funcionar? Não estou falando de lavar uma louça de vez em quando.
As mudanças que aconteceram são mais teóricas do que reais e mais localizadas do que generalizadas. O homem – salvo abençoadas exceções da regra - continua sendo um animal conservador quando se trata de conservar privilégios, regalias, direitos adquiridos. De modo que, para as mulheres que têm uma profissão ou um emprego, geralmente sobra trabalho dobrado ou a tarefa ingrata e muito pouco romântica de botar a boca no mundo, sempre.

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