quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Se a NET é contra nós, só Deus será por nós...


Andou chovendo muito no Rio. Chuvas fortes costumam desabrigar uma legião de pessoas quando caem por aqui, e dessa vez caiu também muita terra, fechando o Túnel Rebouças, a principal ligação entre as zonas norte e sul da cidade. É claro que o fechamento do túnel transtornou o trânsito e a vida da cidade, foi manchetes dos principais jornais do país por vários dias (as dezenas de centenas de desabrigados da Baixada e outros municípios fluminenses já estão acostumados a ficar na sombra nessas ocasiões – sem holofotes e sem água fresca).
Muitas perguntas foram feitas pela mídia, muitas autoridades trocaram acusações e juras de ir até os tribunais, mas de concreto mesmo, além do muro de contenção em cima do túnel, ficou a certeza de que não saberemos ao certo o que provocou o desmoronamento que fechou o túnel.
De resto, ficou flagrante, além da falta de administração, a falta hábito de pensar no povo e dar satisfação a quem paga o pato e a conta, já que as autoridades admitiram que erraram não alertando a população sobre os transtornos que ela enfrentaria ao sair de carro para trabalhar - o que poderia ter reduzido consideravelmente o caos.
Quando se fala em problema na cidade, a NET não pode ficar de fora. Depois de cinco dias sem internet, devo admitir que o serviço melhorou um pouquinho: da última vez foram dez dias. Agora, ela vai, ela vem... uns técnicos vão, outros vem... uns dizem que é o modem velho que precisa ser trocado...eu digo que não pode ser, porque o meu modem não pode ser culpado pela falta de internet no prédio inteiro...depois de trocado, dizem que é uma pecinha da conexão no prédio...depois da troca da pecinha, minha conexão continua mais indo do que vindo, e de tanto que me vejo forçada a ligar para eles, eu correria o risco de acabar noiva dos atendentes da NET, se não fosse o problema da ligação cair com freqüência - será de propósito?
Só as contas chegam em dia, o que eu considero misterioso, diante de tanta indigência administrativa.
Em meados dos anos noventa, passei dois anos morando em Nova York. Dizem que escapei de dois anos de buracos sendo abertos na cidade inteira, para instalarem os cabos da NET. Quando voltei, tratei de incorporar a novidade - do século passado – à minha vida. Depois de vários desencontros e desacertos, chegou à minha casa a equipe da NET. Logo discordaram da indicação do ponto onde estava instalado o telefone, insistiam que o ponto era outro. Existia realmente um outro ponto, onde havia uma extensão desativada. O fio saía de dentro de um armário no fundo do corredor. Não era o ponto original, mas era o que eles queriam. Avisaram que teriam que serrar o armário e perguntaram: “Vocês têm aí uma serra tico-tico?” Foram postos para fora. Dias depois, outra equipe veio e instalou o cabo no lugar que foi mostrado inicialmente para a primeira equipe. E com isso, instalaram também, com garantia vitalícia, ou enquanto eu insistir na NET/VIRTUA, muita chateação e o pior atendimento do planeta.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Longa é a arte, breve é a vida*


O que melhor revela, traduz e documenta a vida, não é a ciência, é a arte.
Não sei se existe medida de valor para a arte, não o valor de mercado, mas uma avaliação possível para a criação. Não sei bem onde termina o artesanato e começa a arte, mas acho que essa medida tem a ver não só com a originalidade, mas com a emoção que a criação provoca.
Até mesmo quem só pensa em ganhar dinheiro na vida, acaba se rendendo a alguma manifestação artística quando quer usufruir do dinheiro que ganha, quando busca lazer e prazer: uma música, um filme, um livro, um quadro, um talento culinário, uma bela arquitetura, uma forma bonita. Pode ser esse o segredo do sucesso e da permanência da arte: exprimir com talento e precisão os sentimentos humanos.
Mas muitas vezes nem um atento consumidor de arte tem a idéia exata da distância e do contraste entre o processo de criação e o que resulta dele.
Uma ágil e leve bailarina voando no palco nem sempre revela o trabalho, as horas de dedicação diária e o sacrifício físico exigidos para chegar ao desempenho que admiramos. Os pés das bailarinas são testemunhas.
Vendo um quadro de formas simples, é difícil adivinhar os caminhos percorridos para alcançar a síntese e a harmonia de uma pincelada que pode até se parecer com um trabalho de criança.
O resultado pode ser lúdico, mas a realização não costuma ser. O esforço que a criação exige geralmente não é percebido. Tem mais restrição do que diversão o ofício da arte, ao contrário do que possa parecer para quem desconhece o processo. Vida de artista lembra muito mais boemia do que suor e seriedade, mas geralmente exige muito mais dedicação do que profissões exercidas dentro de um expediente de trabalho. Qualquer pessoa que põe talento e alma no que faz sabe disso, não é privilégio dos artistas.
Quando se tem um real talento, manifestá-lo e desenvolvê-lo nem sempre é uma escolha. Um dom pode ser quase um fardo. Isso explica porque muitos artistas nem gostam de falar do próprio trabalho, falam apenas para fins didáticos. E raramente se preocupam em parecer o que são, os verdadeiros são reconhecidos não pela aparência, mas pela obstinação: são compulsivos e focados. Sobre artistas de verdade, sei que não é a fama o que perseguem. Quem tem cabeça de artista traz na alma uma riqueza pessoal, mas além de talento, é preciso que tenham também vocação. Ao longo da história, muitos foram muito bem sucedidos, apesar da aura monástica e pouco abastada que julgamentos mais ligeiros associam à vida de artista. O sucesso financeiro em nada prejudica a sua arte mas quem tem alma de artista sabe que bom mesmo não é ganhar dinheiro como um fim, mas como um meio. Dinheiro é bom na medida do conforto e do prazer que nos permite ter. Ganhar dinheiro só para o cofre ou para o ego, aí sim, é o fim.
Não tem graça a vida sem arte. Também não é fácil entender a vida de quem vive para a arte. Férias, por exemplo, não costumam estar entre seus projetos prioritários, sob os mais variados pretextos – e em sociedades pouco civilizadas e menos desenvolvidas, sem política cultural, pretextos nunca faltarão para justificar um incessante expediente de trabalho.
Em países onde já se entende a arte como inerente à humanidade, sabem que ela não é um luxo, é vital como a agricultura.
A criação tem parte com o divino, e às vezes tira dos artistas seus pés do chão. A Pietá, de Michelangelo, é quase divina. Mesmo assim não fala, nem respira. Acho que é esse o nó na vida dos artistas. Uma roseira tem vida. Jardineiros não são artistas, mas lidam com a vida e por isso sabem que não se colhe sem plantar, que a colheita corresponde à dedicação recebida, e que até a terra precisa descansar.
Porque não os artistas? Não sei.
E não sei se existe equilíbrio possível entre a arte e a vida.
* primeiro aforismo de Hipócrates

domingo, 21 de outubro de 2007

O pecado da cor


Depois de muito ler sobre racismo e não racismo no Brasil, e só conseguir ficar de cabelo em pé, fui procurar a opinião de quem tem a pele como testemunha.

“A mudança fundamental é a gente poder falar. Os primeiros lutadores eram mais perseguidos do que membros do Partido Comunista. Houve um tempo no qual era muito difícil, para os militantes, falar do movimento. Outro tempo foi o de contestação. A luta hoje é por participação na sociedade. A estratégia de protestar é fácil, basta agredir. A de conquistar é mais difícil.”

Sobre mestiçagem:
“Isso é bom porque criamos a raça-Basil. Mas não saiu tão perfeito, porque na América do Norte o negro vive melhor e lá muito mais negros participam da administração, das universidades. Cheguei a um banco, vi aquele monte de negros trabalhando, olhei na gerência, só tinha negros! Uma coisa que não existe no Brasil. Aqui tratam você muito bem, tanto quanto qualquer cliente que tenha conta, não discriminam, tudo bem. Mas até naquelas funções mais simples, de recepcionar uma pessoa, você não tem negros trabalhando. A negrinha não tem vaga nesse banco. Falei banco mas podia ser outro lugar. Então a mestiçagem foi muito boa, mas contribuiu para manter essa diferença.”

Sobre cotas:
“Sou favorável. Subir na sociedade depende da convivência. Um conhece um, outro conhece outro. Tanto é que a pessoa, mesmo sem ter preconceito doentio, diz: - eu vou na escola de samba, eu vou no botequim, eu vou na casa do empregado, tudo certo. Mas na festa de batizado da filha ele não leva esse pessoal. De modo que isso dificulta a ascensão. Por isso sou a favor de cotas.”

Segregação social?
“Sem dúvida. Se tivermos um governo preocupado em diminuir a pobreza, ele estará lutando contra o preconceito racial. Quando se diminui a pobreza, diminui-se o problema social, diminui-se o preconceito.”

“Até 1988, centenário da Abolição, grande parte da sociedade tinha certeza de que o Brasil não tinha problema racial. Com o centenário se discutiu muito isso e a sociedade se convenceu de que realmente no Brasil tem preconceito.”

“Dentro da minha família, a gente evitava falar, era perigoso. Você era doutrinado a não falar da cultura negra, religião afro, para poder avançar, conseguir emprego, estudar. Tinha de renegar a origem. Aquilo fica por toda a vida. Para tirar, você tem que fazer uma revolução no seu interior.”

Negro que sobe, casa com branca:
“Primeiro, somos iguais a qualquer um, influenciáveis. Os padrões de beleza que nos venderam a vida inteira qual foi? A mulher branca. Isso fica no inconsciente, arquivado. O outro motivo: quando ele sobe, nos lugares onde anda só tem branca. Se ele não casar com branca, só se for racista.”

Trechos da entrevista de Martinho da Vila no Almanaque Brasil de Cultura Popular – Novembro de 1999.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Ao sabor do vento


A gente pode viver muito tempo tendo a ilusão de que a nossa vida nos pertence, quando na verdade ela é assim uma espécie de concessão da prefeitura, que pode ser resgatada a qualquer momento.
Até tenta dirigir o barco na direção que quer que ele vá - isso ajuda, eu acho.
Já faz um tempo, estou deixando a vida me levar.
Dizer que assim é mais relaxante é mentira, não é.
Viver não é relaxante.
Mas, desincumbidos da obsessão de dirigir a vida, sobra mais tempo
para aprender e curtir.
Curtir as boas coisas – mesmo poucas ou pequenas – que nos aparecem no caminho.
E aprender que mesmo determinados a ir numa direção,
a vida às vezes nos leva para outra.
Deixar um pouco para os outros a decisão. E para nós, a escolha.
Viva a vida.