domingo, 21 de outubro de 2007

O pecado da cor


Depois de muito ler sobre racismo e não racismo no Brasil, e só conseguir ficar de cabelo em pé, fui procurar a opinião de quem tem a pele como testemunha.

“A mudança fundamental é a gente poder falar. Os primeiros lutadores eram mais perseguidos do que membros do Partido Comunista. Houve um tempo no qual era muito difícil, para os militantes, falar do movimento. Outro tempo foi o de contestação. A luta hoje é por participação na sociedade. A estratégia de protestar é fácil, basta agredir. A de conquistar é mais difícil.”

Sobre mestiçagem:
“Isso é bom porque criamos a raça-Basil. Mas não saiu tão perfeito, porque na América do Norte o negro vive melhor e lá muito mais negros participam da administração, das universidades. Cheguei a um banco, vi aquele monte de negros trabalhando, olhei na gerência, só tinha negros! Uma coisa que não existe no Brasil. Aqui tratam você muito bem, tanto quanto qualquer cliente que tenha conta, não discriminam, tudo bem. Mas até naquelas funções mais simples, de recepcionar uma pessoa, você não tem negros trabalhando. A negrinha não tem vaga nesse banco. Falei banco mas podia ser outro lugar. Então a mestiçagem foi muito boa, mas contribuiu para manter essa diferença.”

Sobre cotas:
“Sou favorável. Subir na sociedade depende da convivência. Um conhece um, outro conhece outro. Tanto é que a pessoa, mesmo sem ter preconceito doentio, diz: - eu vou na escola de samba, eu vou no botequim, eu vou na casa do empregado, tudo certo. Mas na festa de batizado da filha ele não leva esse pessoal. De modo que isso dificulta a ascensão. Por isso sou a favor de cotas.”

Segregação social?
“Sem dúvida. Se tivermos um governo preocupado em diminuir a pobreza, ele estará lutando contra o preconceito racial. Quando se diminui a pobreza, diminui-se o problema social, diminui-se o preconceito.”

“Até 1988, centenário da Abolição, grande parte da sociedade tinha certeza de que o Brasil não tinha problema racial. Com o centenário se discutiu muito isso e a sociedade se convenceu de que realmente no Brasil tem preconceito.”

“Dentro da minha família, a gente evitava falar, era perigoso. Você era doutrinado a não falar da cultura negra, religião afro, para poder avançar, conseguir emprego, estudar. Tinha de renegar a origem. Aquilo fica por toda a vida. Para tirar, você tem que fazer uma revolução no seu interior.”

Negro que sobe, casa com branca:
“Primeiro, somos iguais a qualquer um, influenciáveis. Os padrões de beleza que nos venderam a vida inteira qual foi? A mulher branca. Isso fica no inconsciente, arquivado. O outro motivo: quando ele sobe, nos lugares onde anda só tem branca. Se ele não casar com branca, só se for racista.”

Trechos da entrevista de Martinho da Vila no Almanaque Brasil de Cultura Popular – Novembro de 1999.

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