sábado, 8 de novembro de 2008
Mudança
Depois da tapioca na feira, fui fazer as unhas – tentei mas nunca consigo ter um horário fixo para fazer em casa, e agora ando trocando o salão que freqüentei por vinte anos, ao lado de casa, confortável, silencioso e profissional, por um outro mais perto da minha filha. Não é só o preço, que é bem conveniente, mas é que lá a diversão é garantida.
Hoje as manicures estavam rindo ainda mais do que de costume – às vezes brigam, e aí riem também. Todas comentavam que o amor é lindo.
A explicação: o moço que vende balas em ônibus, há um tempo resolveu vender também por lá, cada vez mais freqüente. Tem um estoque variado, elas gostam. A dona do salão gosta porque ele troca o dinheiro dela, não falta mais troco para dar às clientes, facilita o dinheiro para gorjetas, etc. E de tanto ser chamado de amigo, ele ficou à vontade para trazer a companheira para pintar o cabelo ali. Gostou do ambiente, ficou mais à vontade, e passaram todo tempo aos beijos no salão, foi um acontecimento, para ele e para todos, era esse o motivo do alvoroço.
- Ele é doidinho, minha manicure explicou. Doidinho mesmo, tem carteirinha. Quis saber como é carteirinha de doido, ela não sabia direito, mas jurava que ele tinha, ele mostrou. Uma outra esclareceu: é isso mesmo, a carteirinha dele dá direito a andar no ônibus com um acompanhante, ele não pode andar sozinho. Ele anda, mas já que tem direito, quando pode, leva o amorzinho, que parece que não é tão amorzinho assim: enquanto pintava o cabelo de vermelho, declarou para as meninas que quer casar com ele porque ele tem dinheiro, que vendedor de bala ganha muito. Mas não vai ser assim, não, a família dela tem que conhecer e aprovar. Além de interesseira, a mulher tem um pouco de barba, continuaram me contando. Problema de hormônio, ela faz a barba, mas fica estranho. Aí achei que era demais, felizmente acabou meu tempo, e depois da rodada de mate que rola por lá, para clientes e profissionais, fui. No outro canto do salão uma delas comentava não entender a razão da ofensa por chamarem o Obama de bronzeado, se ela já tinha sido tanto chamada de encardida, mal lavada, tinta fraca - bronzeado até que era bonitinho... como sempre, por aqui, estamos acostumados a nivelar bem por baixo.
A distância entre os dois salões é de três quadras, mas quanta diferença. Isso seria impensado no outro salão, onde as moças falam baixo e só aceitam o biscoitinho que vem no nosso café se for disfarçado, e falam muito veladamente de insatisfações trabalhistas. O serviço é igual, mas a clientela dele certamente não curtiria tanta descontração, e eu compreendo.
Mas viva o direito – e a chance - de escolha. E viva a diversidade. É normal que haja sempre uma luta de forças em torno dos direitos e das autoridades, e administrar sem dominar pela intolerância é muito mais difícil.
Já na rua, cruzei com uma antiga manicure, que tinha se demitido, e me convidou para conhecer um outro salão.
Mudança, por necessidade ou escolha, transita melhor se há diversidade.
Caminhando, com essa situação prosaica e doméstica na cabeça, pensei em como o Brasil é estanque com suas castas mal assumidas, pouco precisas e por isso nunca abolidas. E de tão velhas, parecem que são leis de Deus. Aliadas à ditadura que a falta de oportunidades propicia, conduz à imobilidade. Falta ar nesse país tão vasto. Mudança aqui costuma se dar quando se chega no limite, muitas vezes depois de muito sofrimento.
Temos um longo, muito longo caminho pela frente.
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2 comentários:
Salão de beleza rende uma tese antropológica e tanto! kkkkkk Salve as manicures!
As manicures são mesmo ótimas, e falando em tese antropológica, eu ainda não falei da primeira parada antes das manicures, a da barraca de tapioca da feira, que dá pano pra manga, é só apurar os ouvidos...
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