segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Brasíndia


A Índia está em nós desde a primeira aula de História do Brasil, desde as túnicas da adolescência, as viagens dos Beatles, seus panos e seus gurus sempre nos fizeram sonhar. Para ser honesta, minha admiração só passou disso quando comecei a pesquisar o país que iria visitar profissionalmente, e vi que o guia da Índia que eu tinha nas mãos era muito mais grosso do que o da China, e o do Japão, que eu tinha lido antes.
Gostar mesmo, eu gostava era da comida indiana que provei muitas vezes fora da Índia.
É impossível não reverenciar a cultura indiana, mas passei a olhar com desconfiança e a questionar muito a manutenção cega dessa cultura que os indianos tanto enaltecem, geralmente com um olho nos negócios, não seria injusto afirmar.
No meu primeiro contato, descobri a porção de Índia que temos no Brasil, mais precisamente, em Minas Gerais. Eram fortes os laços amarrados por Portugal, que dominou Goa até 1962.
Ouvi mais do que pude comprovar: teriam vindo de Goa todos os governadores gerais a que o estado de Minas foi subordinado. A mãe do Aleijadinho não seria uma escrava africana, seria na verdade, indiana. No período do Brasil colônia, só não vieram mais indianos para cá porque as mercadorias que vinham de lá tinham prioridade nos navios, valiam mais do que um punhado de escravos. Mesmo assim, vieram – e continuam vindo – muitos indianos para ficar ou negociar por aqui.
O comércio de ouro e pedras preciosas, declarado ou não, oficial ou oficioso, até hoje mantem essa união. Minas sempre teve ouro e pedras, os indianos sempre adoraram jóias. Existem joalheiros em Jaipur, na Índia, que ainda mantem esse comércio, atravessando gerações há séculos, desde os tempos do Império.
Ainda hoje a Índia é o país das compras, e com isso continua a atrair a atenção do mundo todo. Não só especiarias, mas outras maravilhas, lindezas e delicadezas a preços muito baixos. Já garantia não se encontra com tanta abundância, meu colar era de vidro e se quebrou, minha pulseira era pintada e desbotou. Não importa, durando ou não, tudo é lindo e é um presente para os olhos. O artesanato se mantém pela obrigação de se seguir a profissão do pai, a organização dos ofícios distribuídos entre as diferentes castas acabou preservando muita coisa que, fora da Índia, só em algum lugar do passado. Grande parte da Índia é, ainda, o passado. As levas de colonizadores parecem ter deixado esse karma por lá. E talvez não haja no mundo país mais avesso a mudanças do que a Índia.
Muitas civilizações antigas como o Egito, vivem em grande parte por conta de seu passado. Mas a Índia parece viver ainda no passado, e deve interessar à sua classe dominante que as cosisas se mantenham assim. Sob o olhar da justiça social, a Índia já não parece tão misteriosa. Todas as crenças parecem ter um fundo econômico por trás, que não ajuda nem um pouco os menos favorecidos. Se todos os animais são sagrados, não se come nenhum deles – bem, a população hindu não come. Se o mar era olhado com desconfiança, o sal e os peixes estavam a salvo dos hindus e à disposição do colonizador ou estrangeiro que não praticasse essa fé. O ponto de vista econômico não parece ser o mais humano nem o mais charmoso para se olhar pessoas e credos, mas à luz da economia as injustiças ficam mais claras, não se escondem atrás dos panos – que por mais bonitos e preciosos que sejam, servem para distrair nossa atenção de uma realidade assustadora. Os excluídos, os sem castas, são cerca de 170 milhões, quase a população brasileira, e significam 16% dos habitantes da Índia, quando os de castas mais altas somam apenas 8%. A maior parte da população está nas castas intermediárias, o que não quer dizer que vivam bem.
O boom econômico promoveu um princípio de mudança, criando muitas oportunidades de trabalho nas cidades grandes, significando um pouco de mobilidade no duro sistema de castas. O outro lado da moeda é a intolerância que isso provocou. Os dalits, ou oprimidos, quando voltam para suas cidades demonstrando alguma prosperidade, cotumam ser violentamente atacados. Os de castas mais altas esperam a mesma subserviência de sempre. Casamentos entre castas começaram a acontecer, mas ainda provocam reações fortíssimas e muitas vezes trágicas. É um sistema tão arraigado na cultura indiana que Gandhi, que tanto lutou pela liberdade na Índia, não lutou contra as castas, ele lutou a favor dos oprimidos mas aceitou manter esse sistema.
Forte preconceito aliado a grandes interesses econômicos, parece que já vimos esse filme em algum lugar...

Continuo gostando muito de comida indiana...especialmente fora da Índia.

4 comentários:

Selma Boiron disse...

Estou adorando a India...pela televisão. Sem cheiro, sem ver as águas do Ganges banhando tudo e todos, sem ter q enfrentar aquele trânsito maluco, só vendo os panos, os monumentos, o artesanato. A cultura está me deixando mais telespectadora do q nunca. Visitante? Nããão, sou ocidental demais pra essas aventuras do outro lado do mundo...
PS - Ah! E Feliz Aniversário:D

vanda viveiros de castro disse...

Obrigada pelos votos, Selma. Fiz as pazes com os aniversários, gosto mesmo de comemorar o dia.

E acredite, a Índia vale a pena, seja ao vivo ou pela televisão, para os menos aventureiros. Eu prefiro ao vivo, embora prefira esquecer o que vi no Ganges!
Bjs

isabella saes disse...

Querida Vanda, parabéns!!! Não só pelo seu aniversário como tb pelo belo texto. Aproveito aqui para dizer que, ao contrário da Selma, é para lugares estranhos que gosto de ir. Estou planejando minhas próximas aventuras na Índia, no Egito e no Vietnã. Espero ganhar dindin suficiente para poder realizar mais esse devaneio turístico! Beijos nas duas.

Selma Boiron disse...

Q bom q há essas destemidas moças e seus blogs arrebatadores aqui mesmo no Brasil rsrsrs 'Feliz Ano Novo' pras duas! Pra tds!!!