segunda-feira, 23 de março de 2009
O país dos milionários
“Slumdog Millionaire/ Quem Quer Ser Um Milionário”, ou cão de favela milionário, traduzindo ao pé da letra, não lota os cinemas indianos. No início das sessões, como é hábito no país, o público se levanta e canta o hino nacional. O filme, que ganhou oito Oscar, é discutido na Índia em programas de televisão, mas lá ele perde porque fere o orgulho nacional da classe média ascendente indiana.
E tem o mesmo destino de um livro muito bom, que é um best seller mundial. “O Tigre Branco”, de Aravind Adiga, conseguiu ganhar o Booker Prize em Londres, foi traduzido para mais de 30 línguas, mas na Índia não só foi arrasado pela crítica como é um fracasso de vendas.
Como corda em casa de enforcado, é fácil de entender que o terceiro mundo seja muito sensível aos seus problemas. Não se trata disso, aqui. Indignação e ofensa por ver suas desigualdades e injustiças expostas, em vez de querer discuti-las, é a incompreensível contribuição para a perpetuação delas – avareza e egoísmo são comportamentos conhecidos, o que não quer dizer compreensíveis ou aceitáveis.
A verdade é que houve na Índia, em 2000, um milionário como o do filme.
Harshvardhan Nawathe, conhecido pelo apelido de Harsh em seu país, como conta uma matéria do Der Spiegel, é o personagem de verdade do filme. Ele foi o primeiro e único até hoje a vencer a versão indiana do nosso “Show do Milhão”. Ele não era como as crianças da favela, sua família era bem modesta mas cuidou dele.
Reconhecido nas ruas e muito mais popular do que o filme “de Hollywood” por lá, ouvia do pai policial, que trabalhava no combate à corrupção, muitas histórias de fraudes, evasão fiscal e também a leitura do “Mahabharata”, o épico heróico ancestral da Índia. Sua mãe o convenceu a se candidatar porque quando assistiu o programa viu que ele sabia todas as respostas. Ganhou 10 milhões de rúpias, quase 200 mil dólares, assistido por 350 milhões de pessoas, um terço da população indiana.
Durante um ano ele recebeu cartas, pedidos de autógrafos, de doações, de casamento. O pai já estava aposentado há sete anos, mas mesmo assim corriam histórias de que teria subornado o apresentador, que esteve envolvido em um escândalo de impostos na época.
O menino foi usado, assediado, transformado em marca, era muito educado para recusar as propostas, ficou num primeiro momento seduzido com a fama, mas não perdeu a cabeça. Até hoje existem oito shopping centers em Mumbai com o seu nome. Passou por uma depressão, mudou-se para Edimburgo, onde conseguiu um MBA com louvor, pediu à mãe – bem ao estilo indiano - que encontrasse uma mulher que soubesse lidar com o mundo de Bollywood mas não se deixasse levar por ele. Casou-se com uma ex-atriz de novela, cuida de um filhinho de quatro meses, trabalha com crianças de uma favela de Mumbai, como gerente de uma ONG indiana que garante professores, livros, aulas de informática, até que as crianças se formem.
No momento está empenhado em conseguir doadores para que a fundação aceite mais oito mil crianças em seu programa de apoio. Vive uma vida discreta, cuidando da família e do trabalho.
Talvez sua história tenha inspirado o livro “Rupees! Rupees!”, no qual o filme é baseado. Ele não sabe, porque o autor, um diplomata indiano, nunca fez contato com ele. Nem o diretor do filme.
De qualquer forma, acho que a vida se saiu aqui ainda melhor do que a arte.
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5 comentários:
Obrigada por essa bela estoria !! Vi o filme, que achei muito bem feito e bonito, apesar de um tanto americanizado. Nao podia imaginar que um caso semelhante tivesse existido mesmo. Me parece que a estoria verdadeira é muito mais bonita.
bjs
AV
AV, eu gostei do filme, que me pareceu mesmo inspiradíssimo em Cidade de Deus, parece até homenagem ao filme do Fernando Meirelles. Claro, escolheram contar uma história de amor com final feliz, bem à moda Hollywood e Bollywood, mas acho que foi uma boa escolha, para agradar, mas mostrando uma realidade indiana que o país tanto rejeita.Bjs.
Pois é, cara blogueira....Lá, eles não se identificam com a India-mundo-cão, enquanto nós, aqui c/ nosso Cidade de Deus parecemos não nos incomodar com a má-figura nossa estampada nas telonas. Somos tão f....qto mas menos hipócritas. Será?....Ah, desconsidere os hífens postos a mais, por favor. Ando precisando reaprender portugues :p bjks!
Querida Selma, às vezes duvido se somos menos hipócritas ou mais cegos e cínicos - mas acredito que estamos melhores um pouco na foto do que os indianos, sim, a impressão que tive foi a de um país com a mão nos olhos para não enxergar o que só enxergando se consegue mudar. Mas não quero dar uma de rota falando da esfarrapada... beijos terceiromundistas!
Eu adorei o filme!!! Recomendo. Beijos.
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