sábado, 3 de outubro de 2009
Degenerar
Li Leite Derramado, do Chico Buarque, num susto só, de ver que não existe ali nada que não me seja familiar, de entreouvir ou conhecer de perto mesmo.
Se alguma coisa ali soar falso, alguma tinta parecer carregada, deve ser menos por licença poética e mais porque quanto mais nobres se acham as famílias, menor a disposição de revelar seus intestinos, e a verdade acaba meio dissimulada. Quem lida com o poder costuma ficar mais à vontade para escolher a sua verdade, ou para não dar a mínima para ela.
O sentimento com a minha herança genética foi sempre uma mistura estranha de orgulho (justificado, em alguns casos), de tristeza, e de conflito, em proporções que não sei precisar.
Família é sempre família, a palavra já vem com sua dose de carinho, existem piores, existem melhores, certamente pior é não tê-la, e existe também até hoje a determinação de me libertar do que não me pertence por escolha, nesse legado sempre acidental.
Graças ao desvio de rota que meus pais tomaram, não seguindo o curso que podia se esperar que traçassem, parece que fui salva. Não confesso que vivi, sinto mais é que sobrevivi, mas não reclamo nem um pouco da conta. Sucesso e fracasso tem sempre facetas que oscilam entre o bem e o mal.
O descompasso com boa parte da família, provocado pelas diferenças que meus pais criaram, mais por atabalhoamento do que por escolha, mais por não saber lidar com o que no fundo não gostavam, do que propriamente por rebeldia, acabaram por me aguçar os sentidos para reconhecer onde existia menos pose e mais afeto.
Aceito bem a teoria de que “sem trauma não se cria”. E lembrando de Luiz XV, acho que depois do dilúvio é que há vida.
Andou há tempos circulando na internet, atribuído a Clarice Lispector, um texto que afirmava que a salvação é pelo risco. O texto não é dela, e a salvação não é pelo risco, a salvação é pelo trabalho, eu penso. Trabalho, talento e arte, isso sim merece tratamento nobre, e é o que melhora a raça.
Da mesma forma que acho que a função do mundo virtual é nos conectar melhor com o real, é o trabalho que dá ao lucro dimensões mais humanas, e dá sentido ao proveito e ao lazer.
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