Andei lidando nas últimas semanas com uma modesta herança mais concreta que a genética, e igualmente trabalhosa, um pequeno apartamento onde passei um curto - mas cheio de lembranças - período na infância, transição entre a casa da minha avó paterna, no Posto Seis, e a mudança para Itaipava.
A casa de Copacabana, onde morei até os cinco anos, que ficava a duas quadras da praia do Arpoador, tinha dois andares, quintal, cachorros, papagaio e ainda galinhas que meu pai, embora médico, insistia em tentar criar. Para horror da vizinhança e de toda a família, posso imaginar.
Esse apartamento da Rua dos Oitis, na Gávea, fica num predinho onde um dia foi a casa da avó materna. Avó abençoada, deixou ali sua boa energia.
Em Itaipava, ganhei o presente de poder explorar o mundo numa pequena bicicleta, sem medo ou vigilância, mas a primeira lembrança eram os canteiros das casas simples da vizinhança, como era a nossa, cheios de plantas mituradas sem muita ordem. Além do gosto pela liberdade, vem daí o gosto pelas pitangueiras, árvore bonitinha que só.
Volto à Rua dos Oitis, e ao apartamento que é quase um karma. Fazia quinze anos que não entrava lá, precisava ser novamente alugado, não é só meu, mas a incumbência de cuidar dele é, há décadas, já que sou a única a morar por aqui.
Consertar o que se estragou é sempre mais difícil do que começar do novo, mas é preciso, e em vez de chorar as pitangas, entre pedreiros e bombeiros, a surpresa de encontrar pelo caminho um pouco da infância pela janela: uma nesga da antiga vista dos sinos da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Gávea, que eu lembrava de ver quando era pequena.
Sendo felicidade um luxo que nem sempre se pode ter, aprendi a sair atrás das sensações agradáveis. A caminhada pelo Jardim Botânico ali ao lado, a tapioca na feira de sexta-feira, bem em frente ao Braseiro da Gávea. A pracinha onde eu brinquei acabou sendo a mesma onde minha filha tomava os primeiros banhos de sol, depois de tantas mudanças, não por escolha mas por puro acaso.
A Rua das Acácias, na outra esquina, é cheia de oitis. Já a Rua dos Oitis, é cheia de acácias. E na rua ao lado... pitangueiras.
Um pote de mel comprado no mercado próximo trazia de brinde uma promessa: um vasinho de fibra de côco e duas sementes de... pitanga! Serão mais duas pitangueiras no jardim provisório da minha janela, à espera de uma varanda, ao lado de muitas pimenteiras zelando pelo sucesso dos sonhos. E pelas minhas contas, em seis anos já tenho um outro programa diferente para fazer: geléia de pitangas.
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