quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Icebergs, relevos e transparências


A humanidade, uma cidade, cada pessoa é um iceberg do qual só se conhece a pontinha. Ninguém, com diploma ou sem, pode dizer que domina os subúrbios, os subterrâneos, os subterfúgios do coração, as surpresas da alma, as coisas que não são ditas.
Sobre o que se diz e o que se escreve, no entanto, ter algum compromisso com os fatos do jeito que eles se deram me parece necessário, ou nossas expressões acabarão totalmente irrelevantes e descartáveis.
Vivi, por isso conheço de perto uma parte pequena da história do jornalismo brasileiro, e no entanto constato quase diariamente que essa pequena parte que conheço é muito pouco e muito mal conhecida. O Brasil não é um país acometido de falta de memória, é um país onde se trava uma luta de foice contra a memória, ou a favor da irrelevância dela. Acabo de ler que perdemos mais uma batalha: constataram a ineficácia do gingko biloba!
Nos tempos da ditadura militar, quase todas as pessoas com quem eu convivia eram contra a ditadura. A luta por mais liberdade igualava a todos. Finda a ditadura, acho que a única saudade possível daqueles tempos sombrios seria a da ilusão de que todos eram idealistas, generosos e humanitários e que continuariam sempre lutando por um país melhor. Pura ilusão de quem era muito jovem. Liberdade é uma excelente bandeira, mas sozinha não faz verão, em um país de forças tão desiguais.
Sempre que leio alguma coisa sobre alguém que viveu aqueles tempos, é raro encontrar alguém que não tenha sido da turma do Pasquim. Era uma turma até pequena, com quem convivi durante décadas, mas a julgar pelo que leio frequentemente, e é o que vai ficar arquivado na Biblioteca Nacional, só o guarda da minha esquina talvez não tenha feito parte daquela turma.
Nos meus breves tempos de jornalismo impresso, ouvia bastante que “papel aceita tudo”, uma advertência à temeridade de se acreditar no que se escrevia irresponsavelmente.
Hoje vejo que “avançamos”: não só aceita tudo como tudo – sendo verdadeiro ou falso - se justifica em prol de alguma causa, nobre ou não, isso é irrelevante, como pode ser irrelevante pensar, pesar, escolher, se esmerar, criticar. O importante é sobreviver, e bem, cada vez melhor, de preferência. Quem vai discordar? Nada mais subjetivo do que um julgamento. Mas falta de relevo não produz um horizonte de total monotonia?
Licença poética deveria ser reserva dos poetas. Falando em poetas, lembro Drummond, que já fez parte da equipe de um glorioso Caderno B, e sua advertência sobre novidades: quem quiser ter um Ano verdadeiramente Novo, tem que tratar de fazê-lo novo! Ele não vem embutido no calendário.
Feliz Ano Novo a quem quiser e souber fazê-lo!

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