terça-feira, 24 de agosto de 2010

Antes


Antes e depois de ir ao sertão por motivos profissionais, li e me abasteci, em livrarias e sebos, dos livros de Guimarães Rosa. Conheço, no entanto, amantes verdadeiros de literatura que não se apaixonaram pela sua linguagem. Ele é inquestionável, mas não é unanimidade, assim como García Márquez e seus Cem Anos de Solidão. Muita gente boa não consegue passar da primeira fase do livro, e eu quando li pela segunda vez, gostei ainda mais. Como quase tudo na vida, é questão de preferência, mesmo, às vezes o livro não te pega.
Pois bem, com relação ao Rosa, eu sou toda unanimidade, mas se pudesse, do alto da minha insignificância, diria para ele uma ou duas coisas:
Coragem é o que a vida quer de nós, ele disse. Acho que agora o que ela exigiria de nós é um pouco mais que isso, é preciso loucura, alienação mesmo para conseguir levar uma vida um pouquinho acima da linha do satisfatório, que o Rosa não tinha a menor idéia do que o mundo se tornaria, e num futuro tão próximo do tempo em que viveu. Talvez o dele não fosse nem tão melhor, mas não se tinha tanta notícia. Ruim, quase sempre. Totalmente feliz, hoje, só alienado, ou apaixonado, o que é coisa meio parecida.
Sei de mim? cumpro. Quando faz um pouco mais do que cumprir, a gente não sabe no que dá, mas mesmo assim vai em frente - certamente o Rosa sabia que ninguém fica sossegado quando apenas cumpre.
Mas quem disse que quem é feliz se aquieta? Nem que seja para descobrir que era feliz e não sabia. Talvez a complicação maior hoje seja administrar a pressão que sofremos para a busca da felicidade, da realização plena. Ser triste já foi moda no passado, ser desajustado já foi quase o padrão ideal há um tempo, mas hoje é meio fora de cogitação. Não que a humanidade esteja mais solidária e preocupada com o seu semelhante, nada disso, acho que a questão é vender ou oferecer alguma coisa para quem pode comprar, só isso. Cada um tem sua própria medida, é certo, mas não é tarefa fácil reconhecê-la, nem mantê-la. Aliás, medidas pessoais, ao pé da letra, é um bom exemplo do que falo, outra imposição da exigência do ideal.
Coração da gente - o escuro, escuros. Dele, o Rosa entendia. Estive no sítio em que ele pernoitou, quando voltou à sua Cordisburgo, seguindo uma boiada na viagem que resultou no livro Grande Sertão, Veredas. O quarto em que ele dormiu foi conservado intocado, me contou a senhorinha, junto com o galanteio que ele lhe fez, elogiando-a para o seu marido. Bastou.
E ela era louca pelo marido, segundo me confessou, mas jamais esqueceu aquela visita tão extraordinária.
Era um sedutor, e os muitos anos de cidade grande devem ter lhe dado coragem para ser mais extrovertido. As palavras custam muito a ser ditas no interior de Minas, muitas vezes, nunca são, e a gente nunca vai saber se é melhor ou pior que não sejam.

2 comentários:

Selma Boiron disse...

Tão bom um 'séjour'na roça....Viver lá pra sempre, nem pensar! Aliás, qs nd 'pra sempre', só ser feliz =D Mas q roça é 'bão', ô...lá isso é...
Abçs aquarianos!

vanda viveiros de castro disse...

É verdade, Selma, pra sempre não diria, mas naquela roça deu vontade de voltar muuuuitas vezes! Abraços!