sábado, 1 de dezembro de 2007

Santa Rede de cada dia


As últimas gerações da minha família eram tão católicas que suspeito que estariam dando bandeira de cristãos novos. Se é fato que estes adotavam nomes de acidentes geográficos e árvores frutíferas como sobrenomes, além do La Rocque, minha mãe tinha Costa e Pereira, que não me deixariam mentir.
Pensando em religião, lembrei do amigo Redi, que dizia que era judeu mas não era muito católico... salve a mistura e o sincretismo tão à brasileira que conhecemos por aqui. Acabei de ver num programa de televisão que exu só é associado ao demônio sob a ótica das religiões ocidentais. Por representar uma força tempestuosa, sexual inclusive, mas sem nenhuma alusão ao pecado, tanta energia e liberdade sem culpa só poderia ser coisa do demo. Acho que tanto católicos quanto espíritas, por exemplo, pregam com muita grandeza a generosidade e a fraternidade, mas usam como trunfos a culpa e o medo do inferno. E axé é construção, serve para arquitetar tudo de bom.
Por tudo isso, mesmo tendo fé e respeitando todas, faço minhas as palavras do Frank Sinatra: sou a favor de qualquer coisa que ajude a passar a noite, sejam orações, calmantes ou uma garrafa de Jack Daniel’s. Bem, hoje eu diminuiria a dose. Muita coisa que não fazia mal antes agora faz. Quem poderia imaginar que um dia até o leite sofreria restrições?
O mundo sofreu mudanças profundas na minha geração.
Difícil até de lembrar como era antes da www. Merecia uma padroeira essa milagrosa rede. Lembro de rirem de mim porque não lembrava como se comprava leite antes do saquinho plástico e da caixinha. Não lembrava como era distribuído na cidade, porque na roça lembro bem, era o Seu Júlio, que passava numa carroça pela estrada em Itaipava, e trazia uma leiteira de metal, que no dia seguinte era trocada por outra. Os três dedos de nata que ficavam em cima eram de puro creme de leite – o que sobrava das nossas colheradas virava manteiga, que meu pai gostava de fazer, batendo e trocando várias águas. Seu Júlio trabalhava no castelo de Itaipava, que era da família Smith de Vasconcellos, família paulista que achou de construir um enorme castelo de pedra como se no vale do Loire estivesse, mas se encontra mesmo às margens do Rio Piabanha.
Passando de Itaipava para o mundo, quero ser a primeira a pedir bênçãos para essa rede, quando houver alguma santa protetora, o que não seria descabido, Santa Clara não é protetora da televisão? Santa Vanda não é protetora dos peregrinos? Teremos para quem rezar, por exemplo, a cada vez que a Virtua enguiça, rezar para que respondam às nossas mensagens, mesmo que algumas vezes o silêncio possa ser mais revelador do que as respostas.
Como nada é perfeito, assessores de imprensa caíram na rede pra valer - mesmo assim a enxurrada de mensagens ainda é melhor do que atender ao telefone alguém querendo saber se em nossas pautas atuais cabe a clientela que representam. O jornalismo também mudou demais nos últimos tempos, como mudou a medicina – daria para imaginar profissionais desses dois ramos sendo oferecidos por assessores de imprensa? Deve ser culpa da Lusitana, de tanto rodar trazendo mudanças.
A rede também não é perfeita para contatos muito pessoais. Ouvi um dia no programa do David Letterman uma pertinente observação sobre os percalços da comunicação pelo computador: a emoção e o tom se perdem ou nunca chegam a seu destino do jeito que saíram, viajam tão mal quanto alguns vinhos, e podem trazer confusões, decepções e contratempos. Mesmo com todas as mudanças, os sentidos humanos continuam, portanto, na crista da onda (ao contrário dessa expressão!).

2 comentários:

Anônimo disse...

A vida antes da rede parece distante milênios mesmo. E a correspondência via email, depois do alvoroço causado pela rapidez e pela nova linguagem, mostra algumas sombras. Concordo que as emoções, por vezes, não passam como queremos quando são escritas para viajar via rede. Chegam ate´, às vezes, a passar o contrário. Pude verificar que os desentendimentos não existem e´ na troca de emails amorosos. Nos outros, principalmente nos de trabalhio, e´preciso ter um cuidado enorme pra não acabar dizendo o que não se queria.

Anônimo disse...

Vanda, tua mãe era La Rocque, também parenta da família deste nome aqui do Pará?
bjs
Regina Alves