sábado, 26 de janeiro de 2008

Klaatu barada nikto



Se o general de Gaulle disse que o Brasil não era um país sério, foi porque não nos conhecia o suficente para desconfiar que o que ele supôs ser falta de seriedade era, na verdade, excesso de ideologia. A falta de seriedade brasileira é científica. Talvez nosso povo inzoneiro não preste atenção suficiente para ver a que ponto somos regidos pela ideologia que aqui impera.
Pode fazer parte dessa ideologia a lenda da manga com leite – um veneno criado para afastar os escravos ou empregados do leite da fazenda do patrão (se não é verdade, é bem achado...).
Revolta contra política assistencialista, vinda de um povo que é expoliado há séculos e que reage tão pouco, acho que faz parte também.
Indignação contra pagamento de impostos, idem.
Falta de memória também ajuda muito esse projeto ideológico. O culto e a exaltação de tudo que é novo vem sempre a calhar. Descartar tudo que é velho - começando por empregados que ganham mais do que é possível pagar para um novinho em folha. E incentiva o consumo.
Reclamação, reunião, união, odeiam muito tudo isso por aqui.
Entrei numa luta esta semana para salvar uma pitangueira, que foi arrancada do jardim do meu prédio pela ventania do último sábado. Uma árvore de quinze anos, já cheia de pitanguinhas. A única iniciativa da síndica foi querer doar a árvore para uma amiga. Os porteiros foram convencidos de que seria impossível replantá-la, embora estivessem preservadas todas as raízes. A pobre árvore já tinha sido quase trucidada a golpes de facão – é impressionante o espírito de lenhador furioso que uma árvore é capaz de provocar nas pessoas. Bastante “podada”, depois de vários dias de telefonemas e tentativas, a árvore foi replantada. O condomínio me deve essa. Em espécie. Mas de antemão já me considero bem paga.
Acho mesmo que é tudo parte de um grande plano, e não é divino. Já nascemos aqui com uma semente cultivada há vários séculos.
Revi um filme curioso essa semana – O dia em que a terra parou (The Day the Earth Stood Still, Robert Wise, 1951).
Klaatu, um extraterrestre, desce em Washington para advertir os terráqueos: se continuássemos a fazer bobagens, boa coisa não aconteceria com a Terra. Um filme ecologista, num sentido bem amplo. Ele bem que poderia descer no Brasil para lembrar que o sistema que vigorou por aqui nos últimos séculos, nas últimas décadas, enfim, sempre, não deu certo, e que mudanças radicais são questão de sobrevivência.
Rir e depreciar tudo que não aprovam também é parte do esforço de preservação da ideologia. Ideologia. Preferia que o povo que o Cazuza canta não procurasse nenhuma das que vigoraram até então. A vida seria melhor por aqui.
Vou, como sempre, pagar meu IPTU. Afinal, esse prefeito foi eleito e reeleito - não por mim, mas foi e sem arrecadação, não se administra. Vou pagar indignada com os três por cento que ele nos garfou esse ano no desconto da cota única, é verdade. Indignada com o abandono da cidade, estou faz muito tempo, não só agora ao apagar das luzes.
E vou torcer para que não se cansem rápido de fiscalizar os destinos do dinheiro público. Essa moda, sim, espero que pegue, geral.

2 comentários:

isabella saes disse...

Vanda,

Karl Marx já dizia que a ideologia é uma visão invertida da realidade. E é exatamente isso que nossos governantes fazem conosco. E, por uma questão cultural mesmo, o povo tem dificuldades de se mexer... Enfim, vida que segue. Também vou pagar meu IPTU e espero, como você, que baixe um Klaatu por aqui a tempo... Bj, Isabella.

p.s: já viu "Desejo e Reparação"? Se não, veja!!! Um dos melhores dos últimos tempos.

vanda viveiros de castro disse...

Vou ver, Isabella, já está na lista dos vários que espero ver esse mês - ir ao cinema à tarde é um dos luxos preferidos, porque só posso nas férias... bjs!