quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Você já foi à Bahia fria?


Estive pela primeira vez na Bahia há exatos trinta anos e posso dizer que tive alguns choques culturais totalmente inesperados.
Sempre incluo na bagagem, seja para onde for, um casaco - sou friorenta - e um biquíni - gosto de água, mesmo no frio, se surge uma piscininha aquecida, não me pega desprevenida.
Já que chovia, cheguei à redação da televisão soteropolitana (não pecam pela simplicidade os salvadorenses) com o meu casaquinho, e ouvi do editor que me esperava: Para onde acha que vai essa paulista? Não se usa casaco na Bahia, minha filha! Detalhe: a capital também é chamada de Bahia por seu habitantes.
Logo tive alguns desentendimentos com o motorista escalado para trabalhar comigo. Ninguém está livre de algum imprevisto no trânsito, mas os atrasos não eram de quinze minutos, às vezes eu esperava mais de meia hora. E ele me explicava, em vez de justificar o próprio atraso:
- “Você não se preocupe que ninguém está esperando que se chegue no horário certo que combinou!”
Eu não entendia nada. Era repórter há muito pouco tempo, e era rigorosa com os horários que marcava com os entrevistados, isso me parecia elementar. Não na Bahia. E uma repórter urbana. Conseguir um carro adequado para ir para o interior, onde coubesse nossa equipe e nossa tralha não foi fácil naquela época. Menos fácil era a estrada que pegaríamos para o meio do sertão baiano, as crateras no precário asfalto eram enormes, e o carro enguiçou várias vezes pelo caminho.
A matéria era sobre grutas com pinturas rupestres, e ali, em Morro do Chapéu, encontrei mesmo a pré-história. Era uma época em que nas cidades brasileiras não era nem necessário chegar à janela para ouvir a música da abertura do Jornal Nacional vinda das ruas. Era o som da cidade inteira no momento em que o jornal entrava no ar.
Pois lá não havia Jornal Nacional, porque não havia televisão. Telefone havia, mas as ligações eram muito precárias. Ficamos mesmo fora do mundo por uns dias. Mas num mundo de ar muito puro e paisagem deslumbrante, e o único inconveniente era o frio absurdo que fazia à noite. Meu casaquinho foi ridículo para o frio do sertão baiano. Batíamos queixo.
Dois anos depois, voltei ao interior da Bahia, e comi na cidade de Serrinha uma carne de sol inesquecível, não lembro de ter comido nada que tenha gostado tanto até então. Não sei o que dizem os especialistas, mas eu sei, na prática, que a memória tem ligação direta com o prazer.

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