domingo, 3 de agosto de 2008

Pé com cabeça


Gostei demais do Japão nas duas vezes em que lá estive, uma antes de ir ao Quênia, e outra depois. Só não contava encontrar um pouco do Japão durante a viagem ao Quênia.
Foram longas as conversas com o nosso agente queniano, essenciais numa produção feita em tempo muito curto, já que tínhamos um prazo limite para o período de gravação. Nelas, expliquei detalhadamente a natureza do nosso trabalho. Mesmo assim, nosso motorista, que era ótimo, levou dias para entender que não éramos turistas, tínhamos ritmo e necessidades diferentes.
Faz parte do dia a dia da produção de uma viagem para a televisão: existe o quebra-cabeça de juntar a equipe em datas compatíveis com outros compromissos já assumidos. Temos ainda a limitação do tempo, as gravações devem ser feitas em poucos dias, para que a viagem caiba no orçamento disponível. Nossa margem de erro precisa ser a menor possível, para não dizer zero. Existe, por outro lado, o período ideal para gravar um programa, determinado pela época ideal ou data do evento, pelas condições climáticas, pelas escolhas: de um modo geral, na Amazônia é quase impossível filmar no “inverno”, ou seja, “nas águas”, que para confundir, correspondem ao nosso verão. A Amazônia só tem duas estações, a seca e “as águas”, estação em que as chuvas inundam tudo e é muito difícil trafegar, muitas estradas desaparecem. Em compensação, é o período mais exuberante para a vida animal. Nada é perfeito.
Como perfeita não foi a conexão Japão-Quênia. Felizmente, reduzi nossa estada no último hotel da viagem pelo interior do país, trocando por mais tempo no hotel de acampamento e voltando um dia antes para Nairobi. O estado calamitoso da longa estrada que enfrentamos teria feito com que perdessemos nosso vôo, se não fosse essa troca de última hora no roteiro, por pura precaução. Fiz a mudança sem muita certeza, baseada num mapa mais detalhado que comprei na nossa escala na África do Sul. Porque perguntar aos nativos sobre distâncias e quilometragem é uma experiência igual a que já vivemos muitas vezes no interior do Brasil: as respostas sofrem tal variação que continuamos à mercê das surpresas. O hotel seria o melhor da viagem, segundo o agente, mas pude ver que era distante de tudo, ficava no alto de uma montanha e eu desconfiei que não seria bem localizado para as gravações. Dito e feito. Num país desconhecido, por mais que você se informe antes, acaba tendo que tomar decisões baseada mesmo no seu feeling. A insistência do agente para que passássemos ali vários dias, até o dia da partida foi grande, e eu compreendi: ele conseguiu um belíssimo hotel por um excelente preço.
Se fôssemos turistas querendo curtir belas paisagens africanas, teria sido excelente terminar ali a nossa viagem. O detalhe é que não éramos, e não adiantou de nada explicar isso antes. Nosso hotel chique, projetado por um famoso arquiteto japonês, era por eles administrado, para receber especialmente casais querendo distância do resto do mundo, o que não era definitivamente o nosso caso. O nome nada revelava, mas logo na entrada, fomos recebidos por uma anfitriã de olhinhos puxados como uma gueixa. Minha equipe estranhou, nada da fartura e variedade dos bufês dos outros hotéis, que pertencem em sua maioria aos indianos ricos do Quênia. No lugar disso, um serviço à la carte caprichado e exclusivo, e chalés muito bem decorados e confortáveis, com hospitalidade japonesa. Cada quarto ficava totalmente isolado e distante do outro, o que para a nossa rotina de trabalho soava como um samba do crioulo doido na selva africana. O único ponto em comum com os outros era que o eletricista desse hotel também queria vir para o Brasil.





Fazia muito frio, o hotel fica na montanha, e à noite, depois de comer muita poeira na terra dos masai, encontrávamos uma cama aquecida por uma bolsa de água quente debaixo do cobertor.
Do lado de fora, uma banheira fervente de hidromassagem ao ar livre, um luxo na noite gelada no alto da serra.


Coisa de japonês. Essa mistura totalmente inusitada, eu diria que valeu para nos lembrar que o mundo é globalizado, mas as diferenças de cultura, as limitações humanas e os ruídos na comunicação continuam existindo, já que nem tudo se globaliza ou pasteuriza.

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