quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Sobre rodos e algemas


Curiosos os tempos que vivemos no Brasil. Hoje a manchete de um jornal anunciando “pena severa a quem fizer uso de algemas sem necessidade” conseguiu me fazer rir. Considerando que me livrei de quase todos os jornais para que suas manchetes irritantes não me estragassem o café da manhã, se ri, devo estar no lucro.
Não lembro de ter havido antes uma discussão sobre algemas antes que o preso mais comentado dos últimos tempos fosse preso e solto e preso e solto.
Minha memória fez uma ligação direta com um rodo sensacional que eu usava quando fazia a faxina do meu apartamento, nos arredores de Nova York. Decididos a viver lá por conta de boas escolas e espaçosas moradias, eu limpava as (muitas) janelas mas era tudo muito fácil, apesar do vidro duplo para isolar do frio - é claro que no inverno elas ficavam trancadas e sujas mesmo, mas na primavera, quando já podiam ser abertas, eu gostava de fazer aquilo, e de quebra apreciar o movimento de uma esquina muito bonita e alegre da cidadezinha onde eu morava. Os vidros giravam, eram sprayados com um produto que desgrudava tudo, secava com papel toalha e pronto, ficava tudo lindo. Meu maior trabalho era espantar as joaninhas, aquelas mesmo, vermelhinhas com pintinhas pretas, lindinhas, que vinham com a nova estação.
Já o rodo, tinha na ponta uma grossa esponja e no cabo um ferrinho que espremia a esponja, nada de se abaixar, torcer um pano como eu via por aqui. Achei tão prático que trouxe dois na mudança de volta, mas estragaram porque não fizeram nenhum sucesso, foram rejeitados. Minha empregada gosta de um rodo antigo e um pano. Cultura não se muda da noite para o dia.
Mas o que me fez ligar isso às algemas foi o meu marido, ou melhor, a observação dele diante do meu entusiasmo com o mundo da faxina, e a conclusão a que chegamos de que essas coisas não evoluíram assim no Brasil porque esse trabalho é feito por empregados ou pelo povo que não pode pagar empregados, e neles o mercado consumidor não pensa, porque eles não podem comprar esses produtos e porque de um modo geral, patrões e empresários históricamente aqui não são muito condicionados a pensar no povo e nos empregados. Já os empregados, pensam mais nos empregos do que no conforto, e no fundo talvez rejeitem tanta praticidade para se fazerem mesmo indispensáveis. Pode parecer que estou complicando, mas é muito simples a constatação de que só se discutiu algemas por ocasião da prisão de um preso rico e influente, foi ou não foi? Ou pelo menos, se viu isso discutido nas manchetes – lá vem a imprensa de novo. Será que até então todo o uso de algemas tinha sido justo?
Tenho pensado muito mais do que escrito nos últimos tempos.
Decidida a dirigir minha vida, propensa a acreditar mais nas ações e em suas reações do que no destino, me pego pensando que o jornalismo me atropelou antes mesmo que eu o tivesse visto, quando tive que escolher meu curso, e de como eu gosto de uma profissão que me leva a pensar e escrever, e aí, lá vem o destino de novo. Ou serão as escolhas "do destino" baseadas mesmo no que já se já traz consigo, mesmo que não se dê conta tim tim por tim tim?
Abracei e me emociono com o jornalismo mesmo que não possa ler o que gostaria de ver escrito, não concorde com a maioria do que eu leio, nem possa por em prática tudo que o meu pensamento produz. Não se pode ter tudo, mas no momento estou me contentando em poder valorizar aqui um rodo e um bom par de algemas, que nos tempos surpreendentes em que vivemos, às vezes acabam batendo - mesmo que julguem de maneira torta - no punho certo.

Um comentário:

Selma Boiron disse...

Ainda bem q o jornalismo a 'encontrou'. É sempre um prazer lê-la! Obrigada e bom fds!:) Sem algemas, por favor!