segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Procura-se


A cada nova tragédia anunciada, e mais ainda, a cada reação que vejo elas provocarem, maior o impulso de me voltar para dentro. Menos a ver com fuga e mais com a necessidade de reafirmar o próprio juízo, assim feito esfregar os olhos para ver se o que estamos vivendo é mesmo verdade, porque a realidade muitas vezes tem cara de ficção, e de má qualidade. Mesmo estando em descompasso com o mundo em volta, me recuso a achar que eu é que estou de cabeça para baixo – ou ponta-cabeça, dependendo de onde se lê. Acho, diante das demonstrações de falta de senso, que as pessoas estão desaprendendo em massa a usar a massa cinzenta, deliberadamente ou porque a orquestração esteja cada vez pior, já que nem todo mundo quer ou pode exercer com independência essa nossa faculdade tão pessoal e especial.
E quanto mais gente vejo agora estudando filosofia, mais desconfio que esse estudo deveria que ter vindo muito mais cedo na vida. Não tive nenhuma grande escola, mas acho que elas tinham um grande currículo. Alguma coisa funcionava melhor, e acho que o momento em que se aprende faz uma grande diferença. Adultos, fazemos escolhas, mas a base dessas escolhas está no que recebemos muito antes, mesmo que cada um tenha seu tempo para assimilar. Infelizmente não consigo deixar de associar à televisão, em um país tão carente de opções quanto o nosso, parte da culpa por um comportamento muito mais passivo do que estimulante e educativo, e gostaria muito de viver para ver isso mais pensado e discutido, e essa responsabilidade melhor avaliada.

domingo, 19 de outubro de 2008

Coisas

Um dia, cansada das certezas que há muito me acompanhavam, fui procurar um lugar bem pouco racional, já que ali a garantia é a nossa crença. Como a minha beirava zero, a primeira surpresa foi mesmo o impulso improvável de fazer um mapa astral.
A segunda, ouvir a descrição muito fiel do passado e das relações familiares, sem ouvir de mim nenhuma pista.
E no final, a afirmação da vocação que eu teria para orientar pessoas, especialmente casais. Que astro perdido no espaço teria apontado para isso?! Logo eu, que acho que duas pessoas imperdíveis podem bem se perder no pequeno espaço de um apartamento, que esperança eu teria na humanidade a ponto de orientar alguém?
Digo isso aqui talvez para explicar um pouco do lado B desse blog, que começou para contar viagens reais, feitas com os pés no chão, mas que os ventos acabam volta e meia levando para outra direção.
Apesar do aval dos astros, acredito mesmo é na visão de um artista:
“A vida de um ser humano, entre outros seres humanos, é impossível. O que vemos, é apenas um milagre; salvo melhor raciocínio” diz um personagem “de vasto saber e pensar” do conto Fatalidade, de Guimarães Rosa, artista mineiro carregado de humor e sabedoria.
Já que estamos aqui, o jeito é apostar no milagre. Descartando as patologias que os vídeos tristemente insistem em mostrar, vejo aqui uma pista para o fato de perseguirmos tanto a paixão, às vezes a um custo alto, e nem sempre conseguindo guardar os limites mínimos de sanidade: a paixão, além da força da natureza e de fonte de alegria, em tese, nos garantiria não sermos esganados com o passar do tempo, não só enquanto ela dura acesa, mas mesmo quando se transforma. Parece que só as verdadeiras vêm com alguma garantia, e precisam ainda, além de sustância, de ter mão e contramão.
Vivi muito, e mesmo assim não acredito que nossos olhos deixem de ser curiosos, apenas às vezes a gente vai se cansando do que já viu e não gostou.
Se o que aprendi pode ser de utilidade pública, deixo para algum desavisado julgar. Mas hoje eu diria que se quisesse conhecer uma pessoa, não olharia para o passado dela nem prestaria atenção nas escolhas do presente. Tentaria descobrir realmente com o que ela sonha. São os sonhos – os sonhos reais - as medidas mais confiáveis, a coisa mais parecida com o que antes tratávamos como intenções, antes que as intenções fossem desmoralizadas e deixadas de lado, já que o lastro das intenções parece ter sido perdido, talvez não para sempre, porque os tempos sempre se renovam.
O sentimento seria uma boa garantia para as ações, não fosse ele tão subjetivo, mutante, camuflado, matizado.
Descobrir que gostar é diferente de querer é descobrir uma realidade partida e inconciliável, na verdade é descobrir um descaminho.
Ainda assim, acho que o ser humano não é uma causa perdida: mesmo com a cabeça no pé, se a cabeça ajuda, a gente consegue até juntar pé com cabeça. E numa coisa posso dizer que acredito:
as melhores coisas da vida não são coisas.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Passas por Mim

A gente passa e pode nem se dar conta, mas na janela de um bonde em Lisboa, passando pela tinturaria Passas por Mim, me ocorreu que os nomes dos estabelecimentos comerciais de uma cidade revelam alguma coisa sobre o seu povo. É claro que não é ciência exata, mas se pesquisas de opinião são levadas tão a sério, me parece muito mais pertinente que isso revele um pouco das aspirações, desejos e gostos dos habitantes do lugar.
Em terras cariocas, os bares carregam a tradição portuguesa, e nos brindam com nomes como Bar Saca Rolhas, Conversas Fiadas, Tio Sobrinho, Primo Amigo, Dona Maria, Topa Tudo, Tentativa, Bofetada, C... de Fora ( é só uma portinha), Primo da Penha, Preto e Louro, Big Bem, Big Boca, Sete e Meia, Alfacinha, Bambi, Bebadela, Gandaia, Zé dos Telhados, Pavão Azul, Miss Brasil, Paz e Amor, e claro, Virgem de Fátima.
Não pensei em uma explicação para isso, mas nos nomes de edifícios encontramos o oposto da singeleza dos bares, e os mais pretensiosos passam por todos os títulos de nobreza e não têm graça suficiente para serem citados, mas me intrigam especialmente dois que tenho perto de casa: La Traviata, que imagino ser uma homenagem à peça de arte e não à transviada protagonista da ópera, e sem nenhuma intenção de estigmatizar as moradoras. O Residências La Maison foi batizado em dia não muito inspirado, e rivaliza com anedóticas traduções como Irmãs Sisters e O Pequeno Stuart Little.
Cidade é lugar de gente e a cabeça das pessoas é sempre uma interrogação.
Pois eu achei, acreditem, em São Paulo, um edifício chamado “Inspiração”!