domingo, 19 de outubro de 2008

Coisas

Um dia, cansada das certezas que há muito me acompanhavam, fui procurar um lugar bem pouco racional, já que ali a garantia é a nossa crença. Como a minha beirava zero, a primeira surpresa foi mesmo o impulso improvável de fazer um mapa astral.
A segunda, ouvir a descrição muito fiel do passado e das relações familiares, sem ouvir de mim nenhuma pista.
E no final, a afirmação da vocação que eu teria para orientar pessoas, especialmente casais. Que astro perdido no espaço teria apontado para isso?! Logo eu, que acho que duas pessoas imperdíveis podem bem se perder no pequeno espaço de um apartamento, que esperança eu teria na humanidade a ponto de orientar alguém?
Digo isso aqui talvez para explicar um pouco do lado B desse blog, que começou para contar viagens reais, feitas com os pés no chão, mas que os ventos acabam volta e meia levando para outra direção.
Apesar do aval dos astros, acredito mesmo é na visão de um artista:
“A vida de um ser humano, entre outros seres humanos, é impossível. O que vemos, é apenas um milagre; salvo melhor raciocínio” diz um personagem “de vasto saber e pensar” do conto Fatalidade, de Guimarães Rosa, artista mineiro carregado de humor e sabedoria.
Já que estamos aqui, o jeito é apostar no milagre. Descartando as patologias que os vídeos tristemente insistem em mostrar, vejo aqui uma pista para o fato de perseguirmos tanto a paixão, às vezes a um custo alto, e nem sempre conseguindo guardar os limites mínimos de sanidade: a paixão, além da força da natureza e de fonte de alegria, em tese, nos garantiria não sermos esganados com o passar do tempo, não só enquanto ela dura acesa, mas mesmo quando se transforma. Parece que só as verdadeiras vêm com alguma garantia, e precisam ainda, além de sustância, de ter mão e contramão.
Vivi muito, e mesmo assim não acredito que nossos olhos deixem de ser curiosos, apenas às vezes a gente vai se cansando do que já viu e não gostou.
Se o que aprendi pode ser de utilidade pública, deixo para algum desavisado julgar. Mas hoje eu diria que se quisesse conhecer uma pessoa, não olharia para o passado dela nem prestaria atenção nas escolhas do presente. Tentaria descobrir realmente com o que ela sonha. São os sonhos – os sonhos reais - as medidas mais confiáveis, a coisa mais parecida com o que antes tratávamos como intenções, antes que as intenções fossem desmoralizadas e deixadas de lado, já que o lastro das intenções parece ter sido perdido, talvez não para sempre, porque os tempos sempre se renovam.
O sentimento seria uma boa garantia para as ações, não fosse ele tão subjetivo, mutante, camuflado, matizado.
Descobrir que gostar é diferente de querer é descobrir uma realidade partida e inconciliável, na verdade é descobrir um descaminho.
Ainda assim, acho que o ser humano não é uma causa perdida: mesmo com a cabeça no pé, se a cabeça ajuda, a gente consegue até juntar pé com cabeça. E numa coisa posso dizer que acredito:
as melhores coisas da vida não são coisas.

5 comentários:

Anônimo disse...

Coisa boa esse texto! Mais uma vez, uma viagem em si. Obrigada por compartilhar.

vanda viveiros de castro disse...

A mesma alegria, Selma, por compartilhar...bjs

isabella saes disse...

Opa! Cá estou eu, mais uma blogueira que vê no "compartilhar" uma nobre prova de generosidade! Compartilhemos sempre. Lindo texto. Grande beijo, Bella.

Anônimo disse...

Vandinha,

Seu texto além de valer uma boa reflexão, vale a lembrança que não existe uma fórmula de viver perfeita para os seres humanos. Mas se existisse, com certeza, o "princípio ativo" seria, como você disse tão bem, "os sonhos reais" cada um. Neles, estão nossa verdade e coração.
E nossa garantia de ser feliz.
Adorei.
beijos
Katia

vanda viveiros de castro disse...

É isso, Katinha, sonhar pode não custar nada, não quer dizer que não valha nada... beijos!