quarta-feira, 20 de agosto de 2008

CHINA


Praça da Paz Celestial, final de 2005: os jardins já estavam prontos, antecipando o sonho olímpico: UM MUNDO, UM SONHO.
O futebol já fazia parte do sonho (não sabíamos ainda que para nós as bolas estariam mais para pesadelo...)


São bonitos os jardins do país em que já foi proibido plantar flores, porque nem toda a terra e todo o esforço eram capazes de alimentar tanta gente.


Esses são os jardins da casa onde nasceu Mao, por onde passam milhões de chineses a cada ano. Uma jornalista chinesa me disse que ele é muito reverenciado porque mesmo que não concordem com muito do que ele fez no passado, acreditam que fez o que era possível fazer pelo país naquele momento.
Conheci um país muito difícil de avaliar, contrastes e surpresas em cada esquina.


Tudo na China é um exagero, para o bem e para o mal. Sujeira e poluição num país lindo, a gritaria com que as pessoas se tratam numa civilização que idealizamos zen, a extrema hospitalidade com que tratam os visitantes, ainda motivo de interesse e curiosidade pelas ruas, mesmo as de Pequim/Beijing. Certamente muita coisa mudará depois da olimpíada.


A repressão de que se tem notícia a todo momento, em contraste com o respeito à cultura e à arte. Museus maravilhosos, modernos, ricos, cidades grandes e prósperas onde “há vinte anos havia apenas um pântano” - isso virou um clichê na viagem, na terceira cidade que nos foi apresentada assim.
Nosso grupo de jornalistas foi recebido em muitas cidades pelos jornais e televisões locais, todos estatais como são as comunicações na China. Alguns hotéis em que ficamos pertenciam aos próprios jornais, às vezes, no mesmo prédio. No maior de todos, em Tianjin, bastava descer alguns andares para visitar a redação.


No dia seguinte, nossa visita e nossas fotos estavam na folhas.


Em outra, vimos o jornal rodar, e pela janela, vimos, ao lado da redação, o conjunto residencial onde moravam os jornalistas empregados.




Visitamos fábricas, portos, indústrias de remédios, confecções, monumentos históricos, restaurantes centenários e célebres. A Cidade Proibida, a Muralha da China, o Pato Laqueado, tudo coube no nosso roteiro, que foi sendo montado e modificado em função de uma constante queda de braço entre nossos anfitriões e nossos anseios. Conseguimos escapar de um encontro com um prefeito (o terceiro da viagem), a visita a uma fábrica de mochilas e outra de aparelhos de ar condicionado, mas sabíamos, mesmo sem o sempre proveitoso distanciamento, que aquela viagem estava nos permitindo uma visão bem rara daquele país - e a China não é qualquer país.

domingo, 17 de agosto de 2008

As melhores fotos...

...carregamos na retina, sem precisar de camera, baterias e flashes. Fotografar é também um recurso para contar histórias nesse blog-sherazade, mas mesmo sem o registro visual não se sai de mãos vazias. Em viagens de trabalho, nem sempre é possível parar para fotografar, e em muitos casos nem tudo é permitido registrar. Rever fotos pode trazer muitas lembranças, mas isso não é necessário quando elas ficam gravadas nos olhos e no coração.
Um barco descendo mansamente o Nilo, o rio silencioso com tamareiras nas margens e no salão um andrógino dançarino rodopiando e mostrando roupas com todas as cores do arco-íris que iam sendo trocadas sem que se percebesse ou explicasse, como são os truques de mágica, uma calça que vira um tubo, que vira uma saia, que muda de cor, o ritmo certo nos abstrai para que toda a atenção se concentre naquele ser-pião com perfeito controle dos seus movimentos, e tanto equilíbrio que depois de trinta minutos ininterruptos de rodopios ele para estático como se estivesse acordando naquele momento. A dança-transe foi uma suspresa entre todos os deslumbres da misteriosa e inexplicável civilização egípcia. Surpresa porque era turco o dançarino dervixe, e vinha de Konya, na Turquia. São muçulmanos sufistas que erram pelo mundo expressando sua fé e seu espírito de tolerância com essa dança tão espetacular. Enquanto dançam, os fiéis mantêm a palma de uma mão virada para o céu para receber a graça divina durante o rodopio. A outra palma fica virada para baixo para manter o dançarino em contato com a Terra. Suas roupas são cheias de significado. Por dez anos guardei uma história que li sobre eles, e quando uma equipe de colegas meus foi à Turquia, sugeri que incluíssem a dança no programa, e foi muito bom vê-la de novo.



Um baobá pode viver mais de dois mil anos, e é considerada a árvore mais antiga da Terra. Se é assim tão antiga, esconde a idade, porque sua madeira não produz anéis de crescimento, o que seria seu certificado de antiguidade. Seu enorme tronco bojudo armazena água e permite que ela enfrente longas temporadas secas. Diz a lenda que quando essas árvores foram plantadas por Deus, elas não ficaram quietas, continuaram andando - talvez para justificar sua incidência por boa parte da África, incluindo a ilha de Madagascar. Para que sossegassem, Deus as virou de cabeça para baixo.
Outra história é mais detalhada e curiosa: Deus criou o baobá e um tempo depois, criou a figueira. Quando viu seus frutos, o baobá gritou muito alto reclamando com Deus. Daí Deus criou o flamboyant, que tinha flores, e ele gritou mais alto ainda, enciumado. Para acabar com a gritaria, Deus virou a árvore de cabeça para baixo. Com isso, os nativos explicam sua aparência tão única - quando está seca, seus galhos mais parecem raízes voltadas para o céu. Dizem que Saint-Exupéry, um fã dos baobás, para incluí-lo no seu livro mais famoso se inspirou num que viu no Recife, onde existem alguns exemplares dessa árvore sagrada trazidos por sacerdotes africanos.
Vi muitos baobás às margens das estradas quenianas, quando viajamos mais para perto da costa. Não deu para parar e fotografar, mas posso dizer que mais do que andar, as árvores pareciam correr...

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Sobre rodos e algemas


Curiosos os tempos que vivemos no Brasil. Hoje a manchete de um jornal anunciando “pena severa a quem fizer uso de algemas sem necessidade” conseguiu me fazer rir. Considerando que me livrei de quase todos os jornais para que suas manchetes irritantes não me estragassem o café da manhã, se ri, devo estar no lucro.
Não lembro de ter havido antes uma discussão sobre algemas antes que o preso mais comentado dos últimos tempos fosse preso e solto e preso e solto.
Minha memória fez uma ligação direta com um rodo sensacional que eu usava quando fazia a faxina do meu apartamento, nos arredores de Nova York. Decididos a viver lá por conta de boas escolas e espaçosas moradias, eu limpava as (muitas) janelas mas era tudo muito fácil, apesar do vidro duplo para isolar do frio - é claro que no inverno elas ficavam trancadas e sujas mesmo, mas na primavera, quando já podiam ser abertas, eu gostava de fazer aquilo, e de quebra apreciar o movimento de uma esquina muito bonita e alegre da cidadezinha onde eu morava. Os vidros giravam, eram sprayados com um produto que desgrudava tudo, secava com papel toalha e pronto, ficava tudo lindo. Meu maior trabalho era espantar as joaninhas, aquelas mesmo, vermelhinhas com pintinhas pretas, lindinhas, que vinham com a nova estação.
Já o rodo, tinha na ponta uma grossa esponja e no cabo um ferrinho que espremia a esponja, nada de se abaixar, torcer um pano como eu via por aqui. Achei tão prático que trouxe dois na mudança de volta, mas estragaram porque não fizeram nenhum sucesso, foram rejeitados. Minha empregada gosta de um rodo antigo e um pano. Cultura não se muda da noite para o dia.
Mas o que me fez ligar isso às algemas foi o meu marido, ou melhor, a observação dele diante do meu entusiasmo com o mundo da faxina, e a conclusão a que chegamos de que essas coisas não evoluíram assim no Brasil porque esse trabalho é feito por empregados ou pelo povo que não pode pagar empregados, e neles o mercado consumidor não pensa, porque eles não podem comprar esses produtos e porque de um modo geral, patrões e empresários históricamente aqui não são muito condicionados a pensar no povo e nos empregados. Já os empregados, pensam mais nos empregos do que no conforto, e no fundo talvez rejeitem tanta praticidade para se fazerem mesmo indispensáveis. Pode parecer que estou complicando, mas é muito simples a constatação de que só se discutiu algemas por ocasião da prisão de um preso rico e influente, foi ou não foi? Ou pelo menos, se viu isso discutido nas manchetes – lá vem a imprensa de novo. Será que até então todo o uso de algemas tinha sido justo?
Tenho pensado muito mais do que escrito nos últimos tempos.
Decidida a dirigir minha vida, propensa a acreditar mais nas ações e em suas reações do que no destino, me pego pensando que o jornalismo me atropelou antes mesmo que eu o tivesse visto, quando tive que escolher meu curso, e de como eu gosto de uma profissão que me leva a pensar e escrever, e aí, lá vem o destino de novo. Ou serão as escolhas "do destino" baseadas mesmo no que já se já traz consigo, mesmo que não se dê conta tim tim por tim tim?
Abracei e me emociono com o jornalismo mesmo que não possa ler o que gostaria de ver escrito, não concorde com a maioria do que eu leio, nem possa por em prática tudo que o meu pensamento produz. Não se pode ter tudo, mas no momento estou me contentando em poder valorizar aqui um rodo e um bom par de algemas, que nos tempos surpreendentes em que vivemos, às vezes acabam batendo - mesmo que julguem de maneira torta - no punho certo.

domingo, 3 de agosto de 2008

Pé com cabeça


Gostei demais do Japão nas duas vezes em que lá estive, uma antes de ir ao Quênia, e outra depois. Só não contava encontrar um pouco do Japão durante a viagem ao Quênia.
Foram longas as conversas com o nosso agente queniano, essenciais numa produção feita em tempo muito curto, já que tínhamos um prazo limite para o período de gravação. Nelas, expliquei detalhadamente a natureza do nosso trabalho. Mesmo assim, nosso motorista, que era ótimo, levou dias para entender que não éramos turistas, tínhamos ritmo e necessidades diferentes.
Faz parte do dia a dia da produção de uma viagem para a televisão: existe o quebra-cabeça de juntar a equipe em datas compatíveis com outros compromissos já assumidos. Temos ainda a limitação do tempo, as gravações devem ser feitas em poucos dias, para que a viagem caiba no orçamento disponível. Nossa margem de erro precisa ser a menor possível, para não dizer zero. Existe, por outro lado, o período ideal para gravar um programa, determinado pela época ideal ou data do evento, pelas condições climáticas, pelas escolhas: de um modo geral, na Amazônia é quase impossível filmar no “inverno”, ou seja, “nas águas”, que para confundir, correspondem ao nosso verão. A Amazônia só tem duas estações, a seca e “as águas”, estação em que as chuvas inundam tudo e é muito difícil trafegar, muitas estradas desaparecem. Em compensação, é o período mais exuberante para a vida animal. Nada é perfeito.
Como perfeita não foi a conexão Japão-Quênia. Felizmente, reduzi nossa estada no último hotel da viagem pelo interior do país, trocando por mais tempo no hotel de acampamento e voltando um dia antes para Nairobi. O estado calamitoso da longa estrada que enfrentamos teria feito com que perdessemos nosso vôo, se não fosse essa troca de última hora no roteiro, por pura precaução. Fiz a mudança sem muita certeza, baseada num mapa mais detalhado que comprei na nossa escala na África do Sul. Porque perguntar aos nativos sobre distâncias e quilometragem é uma experiência igual a que já vivemos muitas vezes no interior do Brasil: as respostas sofrem tal variação que continuamos à mercê das surpresas. O hotel seria o melhor da viagem, segundo o agente, mas pude ver que era distante de tudo, ficava no alto de uma montanha e eu desconfiei que não seria bem localizado para as gravações. Dito e feito. Num país desconhecido, por mais que você se informe antes, acaba tendo que tomar decisões baseada mesmo no seu feeling. A insistência do agente para que passássemos ali vários dias, até o dia da partida foi grande, e eu compreendi: ele conseguiu um belíssimo hotel por um excelente preço.
Se fôssemos turistas querendo curtir belas paisagens africanas, teria sido excelente terminar ali a nossa viagem. O detalhe é que não éramos, e não adiantou de nada explicar isso antes. Nosso hotel chique, projetado por um famoso arquiteto japonês, era por eles administrado, para receber especialmente casais querendo distância do resto do mundo, o que não era definitivamente o nosso caso. O nome nada revelava, mas logo na entrada, fomos recebidos por uma anfitriã de olhinhos puxados como uma gueixa. Minha equipe estranhou, nada da fartura e variedade dos bufês dos outros hotéis, que pertencem em sua maioria aos indianos ricos do Quênia. No lugar disso, um serviço à la carte caprichado e exclusivo, e chalés muito bem decorados e confortáveis, com hospitalidade japonesa. Cada quarto ficava totalmente isolado e distante do outro, o que para a nossa rotina de trabalho soava como um samba do crioulo doido na selva africana. O único ponto em comum com os outros era que o eletricista desse hotel também queria vir para o Brasil.





Fazia muito frio, o hotel fica na montanha, e à noite, depois de comer muita poeira na terra dos masai, encontrávamos uma cama aquecida por uma bolsa de água quente debaixo do cobertor.
Do lado de fora, uma banheira fervente de hidromassagem ao ar livre, um luxo na noite gelada no alto da serra.


Coisa de japonês. Essa mistura totalmente inusitada, eu diria que valeu para nos lembrar que o mundo é globalizado, mas as diferenças de cultura, as limitações humanas e os ruídos na comunicação continuam existindo, já que nem tudo se globaliza ou pasteuriza.

sábado, 2 de agosto de 2008

Os masai e os negócios


O artesanato masai é dos mais bonitos e bem feitos que já vi, e pode ser mais ou menos encontrado nas cidades, já que eles vivem espalhados por várias regiões do país, embora reinem absolutos na reserva Masai Mara, e em torno do parque Amboseli. Na aldeia que visitamos, as peças eram especialmente bonitas, mas negociar com eles não é tarefa fácil. É impossível fotografá-los sem pagar. Para filmar a aldeia, a negociação é longa. Tem um representante encarregado de negociar, em dólar, a taxa e a duração da gravação. Masai não dá recibo, ele avisou logo. Acertados os cinqüenta minutos, já que era fim de tarde e eles tinham hora para recolher o gado, não podíamos atrapalhar. Entrando na aldeia, decepção: estava deserta, todos tinham entrado nas cabanas. O povo não gosta de aparecer, o chefe me explicou. Nova argumentação, e já que o sol ia se por, e eu queria o dinheiro de volta, acabaram saindo e se exibindo com toda a sua exuberância de cores, e muita simpatia, mas dentro da aldeia não me deixaram usar a minha câmera - aí era outro preço. O tempo foi suficiente, e não queríamos mesmo ficar mais: as cabanas são feitas de estrume, o cheiro é muito ruim! O gado é guardado toda noite no centro da aldeia. Essa imagem, lamententei não ter feito. Aí seria outro preço, e mais do que pelo preço, não tínhamos mais tempo para outra rodada de negociações...
Finda a visita e a gravação, nos levaram para o “mercado”, ao lado. Ali não contava tempo para efeito de pagamento, queriam mostrar seus trabalhos, dispostos como em qualquer feira de artesanato bem simples, uma barraca ao lado da outra, cada uma com o seu artesão exibindo seus objetos. Mas as instruções para a compra eram bem diferentes. Nada de saber o preço para ver se levava ou não. Você tem que juntar tudo o que quer, não importa em que barraca estava – eles sabem. Com uma rápida olhada o negociador tem idéia do volume das suas intenções de compra, o volume parece determinar a maior ou menor disposição para baixar os preços. E aí começa o processo de negociação: você tem que escrever num papel o número correspondente ao que oferece por cada objeto, levando em conta o que pediram por ele. Escreve um lance, ele escreve outro. Você escreve outro, ele decide e pronto – depois de perguntar para o artesão se está de acordo. Aí você vê se leva ou não. Me pareceu que as mulheres é que são as artesãs, os homens só negociam. Complicado e um pouco demorado, mas pude ver que eles têm senso de humor, se divertiram muito com nossa argumentação. Gostam de trocar, pedem para trocar tudo, mas no final não quiseram meu suéter. E não cobraram pelas fotos.
Minha equipe disse que eles me enrolaram. Não acredito. Fiquei contente com tudo que comprei, embora não saiba mais quanto paguei: masai não dá recibo (mas muitos falam inglês, e as crianças agora vão à escola). Eles também ficaram satisfeitos: no final, no bloquinho de compras, escreveram o nome, endereço da aldeia, e me disseram para mandar todo mundo do meu país para lá.