quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Vida aventureira, vida eterna


Fim de férias, solta na vida, e já que resolvi não me jogar em uma aventura maior, me aventurei pela cidade. Fui bater na Gávea, num salão que freqüentei por pouco tempo há décadas, antes da minha filha nascer, e onde ela agora, por acaso, corta o cabelo. Conversando com a manicure, ela contou que a filha, recepcionista num consultório médico, abriu uma exceção e deixou uma paciente usar seu computador de trabalho. A cliente tinha urgência de entrar no MSN e “falar” com uma amiga que está na Europa, e a diferença do fuso não permitiria esperar. A moça teve a sensibilidade de perceber que a urgência era dupla: a paciente tem 95 anos.
Esqueci o que provocou esse relato, só lembro que a manicure terminou dizendo que achava a velhice uma grande injustiça, como se coubesse julgamento sobre coisa já decidida mesmo contra a nossa vontade.
Mas como dizem que a vida recomeça a cada dia, mesmo envelhecendo ando bem a fim de pegar uma carona nesse recomeço. Também por isso abri mão de viajar nas férias, não carecia, estou embarcada numa viagem completamente individual e tanto faz o bairro, a cidade ou o país em que eu me encontro. Arrumar os armários está me fazendo revirar tudo, e olhando para a lata de lixo, acho que o saldo está sendo bom.
Entre as pilhas de matérias que guardo para ler quando tiver tempo, acho algumas de 2004, 2005, 2006, anos revirados e numa delas, o título é de uma escritora americana: “escrever não é fazer terapia”.
Em outro momento, talvez desligasse o computador, desanimada. Fiz melhor: joguei a matéria no lixo. Todo mundo sabe que qualquer um pode se intitular escritor, já fazer literatura, são outros quinhentos, mas sempre fui do time a favor do que quer que ajude a passar melhor a noite, incluindo cigarro e whisky, que eu felizmente posso dispensar, mas cada um que se organize como puder. E se além da minha eu ainda tiver chance de melhorar o dia e a noite de alguém? Escrevo para me comunicar, pode ser até comigo mesma, e se com isso evitar uma pipoca no cotovelo, meu ou de quem quer que seja, o mundo melhora.
A vida nos restringe, mas a gente se acotovela, empurra pra cá, empurra pra lá, e vai conseguindo mais espaço, mesmo tentando não quebrar os ovos nem o salto do sapato. Sendo cuidadosa, fica mais difícil, mas a gente sempre colhe alguma coisa quando planta. Acho que triste deve ser ficar velho sem ir amadurecendo.
A humanidade tem mania de ser feliz, e eu não sou melhor do que ninguém, mas fico satisfeita com o que conseguir, sendo de verdade.
Vivo o presente. Nesse momento ficaria feliz se pudesse ir ao show do Manu Chao na Fundição, que acabo de ver que vai ter hoje, e me dei conta de que nem uma só pessoa que eu conheço me acompanharia nesse programa. Talvez tenha nascido no lugar ou na geração errada, pensei, para em seguida pensar melhor: meia noite com chuva na Lapa, cá entre nós, nem mesmo eu me animaria. Peguei um filme japonês no vídeo. Talvez alguma coisa eu tenha mesmo que deixar para a outra encarnação.

2 comentários:

Anônimo disse...

amei a velhinha de 95 que tinha urgencia em usar msn. sinal dos tempos. mas acho estranho que agora envelhecer pareça uma injustiça, algo que algum maluco inventou pra se divertir às custas do nosso desespero.
daqui a pouco morer vai parecer o maior dos absurdos e nao a mais natural das coisas.
Amei as fotos.... estao cada vez mais bonitas e bem feitas.
av

Anônimo disse...

ah, esqueci. tambem guardei por muito tempo atigos de anos atras. num dos meus (frequentes) raptus de limpeza, joguei tudo fora e percebi que nao tinha nunca mais posto olho neles... guardei à toa. desde entao eles passam muuuito pouco gempo "arquivados" e vao pro lixo na primeira faxina.
bj
av