sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Talento é bom e eu gosto


Espero que seja uma qualidade, mesmo não sendo um talento, saber reconhecer e apreciar talento.
Vivi cercada por ele, o que, sendo uma dádiva, não deixa de ter seus percalços – e percalços, está no dicionário, podem significar tanto lucro quanto transtorno.
Desde muito cedo, aprendi a não esperar o devido crédito para o que eu fizesse, e talvez isso explique minha confusa relação com elogios, já que TODO mundo, e aí me incluo, gosta de ser elogiado. Desde cedo, desconfiava que ser bonitinha não era mérito meu, e não era – apenas - o que me servia.
Ainda no curso primário, tive uma professora que gostava muito de mim. Éramos quase vizinhas e muitas vezes eu ia com ela de carona para a escola. A cada boa nota, um colega me dizia: “ela conta as respostas da prova para você!” é claro que não era verdade, e eu ficava muito infeliz.
Aula de desenho, primeiro dever de casa, nos primeiros anos do ginásio: nada complicado, escolher uma folha, estudar sua forma e criar variações para seu formato. Caprichei bastante, gostava de desenhar e mais ainda de folhas, queria ser botânica. Comentário do professor: “está muito bom, mas aqui tem visìvelmente a mão de um adulto”. Esqueci a nota que ganhei, sei que foi boa, mas a injustiça estava feita. Mais um julgamento falso e o primeiro contato com o truculento mundo adulto. Festival de Filosofia, já no Segundo Grau, que na época se chamava Clássico (quem não tinha medo de matemática, fazia Científico, onde tinha sempre mais meninos, por isso era o curso mais interessante, mas tinha também que ter intimidade com os números). A tarefa era fazer uma letra de música – composta ou parodiada – com a matéria de Filosofia que aprendemos no semestre. Minha irmã, compositora, tinha sido premiada num festival estudantil. Ganhei o Festival de Filosofia, mas não ganhei o crédito. Pelo menos desta vez a professora acreditou em mim, mas os colegas foram implacáveis, embora minha irmã, mais velha que eu três anos, não tivesse tomado conhecimento do meu dever de casa.
Já jornalista, apresentei uma pauta original, não inspirada em nenhuma pesquisa ou matéria de jornal. Comentário infeliz da coleguinha ao lado: essa pauta a gente sabe quem fez, porque sabia que eu era casada com um artista de talento reconhecido.
Tive vontade de dizer que estava já acostumada com deduções ligeiras e mesquinhas, era o ônus por viver cercada por gente talentosa. Deixei passar. Afinal, viriam, como vieram, outras – pautas e pequenas depreciações.
Não é questão de esperar louros e glórias, mas sempre ouvi dizer que dos inimigos se podia esperar justiça... Finalmente aprendi: se você ainda não conseguiu mostrar a que veio – alto e bom som - se puser a cabecinha fora d’água um pouquinho acima da média, corre sério risco de despertar o que há de pior no ser humano ao seu lado.

4 comentários:

Anônimo disse...

Disse tudo, Vanda.
Eu também já passei por várias, a mais recente foi ouvir que eu só tinha obtido a atenção de uma fonte difícil porque era branca (eu, no caso).
bjs
Regina

norby disse...

tenho me inspirado e me emocionado muito por aqui.
gosto do que vejo, do que leio e vou juntando pedacinhos de conversas que não tivemos.
me sinto lendo um diário roubado.
por isso, hoje, resolvi dar um alô.
lindo o seu texto.
beijos
norberto

vanda viveiros de castro disse...

Norberto, eu é que me emocionei com o comentário! a gente sabe que essa rede está mais para livro aberto do que para um diário secreto, mas o alcance dela é sempre um mistério. alô e beijos, as visitas são sempre bem-vindas...

vanda viveiros de castro disse...

Salve, Regina! A gente sofre, mas com o tempo aprende a desconsiderar as bobagens que ouve, e trata de usá-las a nosso favor. As minhas serviram para escrever num blog...
bjs, Vanda